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Diversão

Tia Lenir já foi chamada de macaca, mas insiste em bar que é xodó de estudantes

Thailla Torres | 02/09/2016 06:05
Depois de 23 anos com lanchonete em Universidade, hoje faz sucesso com barzinho ali perto na Vila Olinda. (Foto: Alcides Neto)
Depois de 23 anos com lanchonete em Universidade, hoje faz sucesso com barzinho ali perto na Vila Olinda. (Foto: Alcides Neto)

Ela já ouviu de tudo e até pensou em desistir. Mas cada palavra mal colocada vira força no coração de Lenir dos Santos Soares, de 58 anos. Dona do Bar da Tia, na Vila Olinda, em Campo Grande, há 1 ano e meio ela batalha para manter aberto a casa que agora é ponto universitário. Só que mais do que vender bebida barata, "Tia Lenir" distribui afeto.

O bar é simples, daqueles com aparência de boteco, adaptado na casa da mãe que a construiu em 1968. Morando na região desde os 10 anos de idade, Lenir já conhece os vizinhos e tem história com os alunos e egressos da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

Todo mundo fica tão à vontade que nesta semana os alunos realizaram o Sarau da Tia, com performance, exposições, música e poemas. O evento começou tímido, mas é uma conquista para alunos que garantem que ali é um espaço de diversidade.

Além da cerveja barata e toda dedicação, o carro-chefe é a chipa frita, acompanhada de caldinho de feijão. "Faço também caldo de mandioca e agora o caldo verde, porque o pessoal que não come carne me cobrou, mas adoram e todo mundo que chega pede um copo de caldinho, que eu tive que subir para R$ 2,00 porque não está fácil né, mas a chipa permanece R$ 1,00", esclarece.

"O dia que esse povo me largar eu morro", declara. (Foto: Alcides Neto)
"O dia que esse povo me largar eu morro", declara. (Foto: Alcides Neto)

Antes do bar, a tia era conhecida pela lanchonete que tinha dentro da universidade, onde trabalhou durante 23 anos. "Eu fui a primeira e única pessoa que vendeu cerveja dentro da faculdade. Mas depois de um tempo foi proibido, mas todo mundo me conhecia", recorda Lenir.

Há 2 anos ela foi despejada da UFMS e teve que recomeçar na casinha onde vive. "Foi perseguição, entrei na Justiça, mas sabe como é lenta, né", comenta.

Mesmo assim, não se lamenta. Apesar da saudade dos alunos e das dificuldades no início, Lenir transformou a sala e o quarto que eram da mãe em uma cozinha e estoque para o bar, que a princípio foi aberto como restaurante. Agora ela, a filha de 18 anos, a mãe, uma irmã e a tia de 100 anos moram nos fundos do terreno.

Com o tempo, alguns planos foram caindo por terra. "Comecei servindo almoço e estava tudo maravilhoso. Mas meu vizinho resolveu abrir também e o dele era mais chique. Meu movimento caiu e eu tive que ir pegando amizade para aumentar a clientela no bar", explica.

Natalia diz que a tia reconhece até o humor dos alunos. (Foto: Alcides Neto)
Natalia diz que a tia reconhece até o humor dos alunos. (Foto: Alcides Neto)

Ela viu que nem tudo estava perdido quando voltou a vender cerveja barata. "Um dia, parou um caminhão de bebida e o representante disse que apostava em mim, eu achei que não daria certo vender cerveja a R$ 4,99, mas resolvi arriscar. E, de repente, os alunos foram vindo e cada vez mais aumentando o movimento, que as caixas só foram aumentando", descreve.

Com o bar cheio de universitários e alegria de quem frequenta, Lenir conta que logo vieram também as chateações. "Vizinho ligando para polícia, reclamando do barulho e dizendo sobre alvará. Mas eu tenho todos para comprovar e até distribuo recados para abaixar o volume e para se comportarem", explica Lenir, que jura proibir, inclusive, o cigarrinho de maconha.

Mas esse foi o menor dos problemas. A Tia sentiu na pele a dor preconceito. "Aqui eu já disse que não aceito ninguém usando droga, quem quiser, que faça fora daqui. Mas já fui chamada de nega macaca e traficante, porque acham que eu vendo droga para os alunos. Isso machucou muito", conta.

"Tia faz parte do coração da UFMS", diz Glauber. (Foto: Alcides Neto)
"Tia faz parte do coração da UFMS", diz Glauber. (Foto: Alcides Neto)

Apesar da existência de outros bares, ela diz que não há motivos para a concorrência, porque os públicos são bem diferentes. "Não existe rivalidade, aqui é cada um na sua, porque o público deles é um e o meu é outro. Meu público maior são os gays e são maravilhosos. Mas vem todo mundo, seja quem for é bem recebido. Só não aceito preconceito, porque cada um é cada um", convida.

Para ela, os universitários que chegam no bar são os filhos que a vida lhe deu. "Sem eles eu não sou nada. Chamo atenção, brigo e as vezes viro uma pimenta, sou igual mãe. Quando estão fazendo bagunça demais, até peço para ser comportarem. Mas ao mesmo tempo são meu amigos, me ajudam a recolher a mesa e esperam eu guardar o carro. Eu devo muito a eles, não estou crescendo sozinha", agradece.

Prova disso é admiração que cada um carrega pela simplicidade e carisma de Lenir. "A tia faz parte do coração da UFMS, a galera se abraçou nela porque de todos os bares que a gente tem aqui ao lado, o dela é fora do preconceito. Ela é aberta ao público misto e à diversidade cultural. É nossa mãe e a gente não troca esse bar por nada. A gente se encontra aqui", diz o acadêmico de Artes Visuais, Glauber Nascimento de Barros, de 22 anos.

Agora, o sarau é mais um carinho com o lugar. "Se tornou incrível, porque junta um misto de tribos e gostos. Além de ter todo amor dela, ela nem sabe meu nome, mas lembra de mim e reconhece o meu humor", descreve Natalia Liz, de 20 anos, acadêmica de Engenharia de Produção. 

O Bar funciona de terça a sexta-feira, das 7h à meia noite e fica na Rua Julio Anfer, 308, Vila Olinda.

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Casa começou como restaurante, mas acabou virando bar. (Foto: Alcides Neto)
Casa começou como restaurante, mas acabou virando bar. (Foto: Alcides Neto)
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