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Com luz de lanterna, trilha de 8 km vai noite adentro em "Floresta Proibida"

Paula Maciulevicius | 11/07/2016 06:05
O nome “floresta proibida” surge a partir da preservação do lugar. (Foto: Antonio Arguello)
O nome “floresta proibida” surge a partir da preservação do lugar. (Foto: Antonio Arguello)

A mata quando se fecha faz até dia ficar sombrio. Num cenário de filme, a fazenda onde não se corta galho nenhum se transforma em floresta proibida na trilha noturna. A luz vem das lanternas e quando a cidade fica para trás, o brilho das estrelas e da lua aparece de brinde. A 10 quilômetros da Praça do Peixe, na Bom Pastor, é que começa o trekking noturno realizado no último sábado pela agência de turismo de aventura, Sopa de Pedra.

Caminhar no escuro, além de aguçar os sentidos, é a pausa ‘forçada’ para que os olhos precisem ver – mesmo sem claridade - onde pisar e em determinados momentos, perceber os animais presentes no habitat. Os oito quilômetros do trajeto correspondem a duas voltas no Parque das Nações Indígenas, por exemplo. O percurso previsto para 3h de caminhada, na prática se prolongou meia hora a mais. Talvez pelo lanche delicioso servido na pausa. E a ideia da trilha é uma só: se distrair daqui e se conectar com a natureza no seu estado mais bruto.

No cemitério, estão enterrados familiares, funcionário e também alguém cuja lápide já estava por ali. (Foto: Antonio Arguello)
No cemitério, estão enterrados familiares, funcionário e também alguém cuja lápide já estava por ali. (Foto: Antonio Arguello)

A Fazenda Vila Lina fica na região da Três Barras e está há quase 80 anos na mesma família. “Era o nome da minha avó, a dona e depois ela foi desmembrada entre os filhos”, conta o neto, Geraldo Barbosa Foscachi, hoje com 60 anos e aposentado.

O nome “floresta proibida” surge a partir da preservação do lugar. Dona Vanda, a proprietária hoje se recusa a cortar qualquer árvore. O resultado é que o verde toma conta, preenche espaços e cria uma atmosfera bucólica durante o dia, e de provocar sentidos à noite.

“É uma reserva particular que não derruba nada. Então tem cerrado, um cemitério antiquíssimo. Caminhar em mata fechada é uma experiência muito diferente”, descreve o guia, Nilson Young. Há anos o Sopa de Pedra vem desbravando Campo Grande e seu entorno para mostrar como existe aventura aqui a passos de nós.

De onde se parte com tênis nos pés e lanterna nas mãos é da associação de tambores, usada para treinos em provas de laço comprido. É ali que ficam os carros. Os dois primeiros quilômetros são como um teste, para adaptar as pupilas à falta de iluminação e as pernas para a caminhada. O ritmo começa graduado e vai aumentando, assim como a segurança de andar no escuro. Em três guias, o Sopa vai conduzindo, com alguém puxando a fila, outro no meio e por último mais um suporte.

Na hora de entrar na floresta mesmo, a fila é indiana e a primeira parada vem a ser na casa de um dos caseiros, que guarda um dos gazebos mais belos que já vi, mesmo em pleno breu. Sem que a gente perceba, os olhos se adaptam no mesmo ritmo dos pés na caminhada. E quando a conversa se aquieta, é possível ouvir o som da natureza. De beleza, o céu está cheio. As estrelas que Campo Grande não deixa ver, a Vila Lina espalha. E assim, o ar romântico que se vivencia no caminhar chega ao mais peculiar ponto da trilha, o cemitério.

A capelinha construída é onde estão os avós de seu Geraldo, os primeiros da família a serem donos da área. Por ali se encontram cruzes com nomes dos tios, pai e até um funcionário da fazenda, que morreu de forma suspeita, queimado e ninguém nunca soube se foi crime ou acidente.

Caminhar no escuro aguça os sentidos e os olhos devem estar atentos para onde pisa. (Foto: Antonio Arguello)
Caminhar no escuro aguça os sentidos e os olhos devem estar atentos para onde pisa. (Foto: Antonio Arguello)

Há também um cimento desgastado pelo tempo, que já estava ali antes mesmo dos Barbosa Foscachi chegarem. E é em meio ao cemitério, onde a luz só vem das lanternas, que a direção do Sopa convida para um Pai Nosso, em respeito pelo local e quem fora enterrado. “Aqui a gente não é nada e cada cruz dessa é uma história de alguém que amou e foi amado”. As palavras de Nilson, o guia, tiram o ar sombrio e levam a reflexão para a caminhada.

Mais adiante, o trajeto passa de frente de uma pequena propriedade, apenas para se chegar ao trieiro, onde os pés podem atolar e a atenção precisa ser redobrada. Os lagos que cruzam a área trazem o som da água aos ouvidos, quando o barulho máximo é o das conversas.

A chegada à residência do caseiro da Vila Lina, é um alento tanto para os pés, quanto para a estômago. Uma mesa preparada pelo casal está à espera do “pessoal que anda”, como anunciou uma das crianças que nos viram pelo caminho. E ali tem bolo e pão caseiro, café, suco, queijo e goiabada. Um buffet para quem precisa repor as energias.

Elaine, a aniversariante e Ana Maria, prestes a comemorar com champagne junto da turma. (Foto: Antonio Arguello)
Elaine, a aniversariante e Ana Maria, prestes a comemorar com champagne junto da turma. (Foto: Antonio Arguello)

No tempo percorrido, já é quase a hora da despedida, faltando apenas 2,5 quilômetros para terminar, o relógio marca o mais perto da meia-noite e é ali que uma das participantes decide comemorar o aniversário de 40 anos, completados nesse domingo.

“Eu não ia desperdiçar essa oportunidade, foi a maneira que achei de ir ao meu encontro pessoal. Caminhando você vai pensando, refletindo”, conta Elaine Denise Almeida. A aniversariante fez junto da trilha, uma viagem no tempo e nem o cemitério lhe trouxe arrepios.

“Achei bacana, é porque nas fazendas antigamente sempre tinham cemitérios. Eu fui criada em uma e quando a gente era pequena, fazia isso e voltou toda a minha infância. Na verdade, ela está dentro de mim”, revela.

No caminho de volta, o sentimento se divide entre satisfação por cumprir um trajeto que não apresenta dificuldade alguma fora a escuridão. Então no acostumar dos olhos, não tem nada que te impeça de caminhar. Os oito quilômetros passam tão rápido que a gente se pergunta se acaba ali ou então por que nunca fez isso antes?

Para uma das participantes de sempre, a médica Ana Maria Magalhães, de 53 anos, a trilha é se desligar do dia a dia turbulento. “Sair para um lugar desses te livra de todas as amarras do dia a dia. Te relaxa e eu me sinto revigorada, renergizada”, resume. O sentimento é coletivo.

A floresta proibida é a forma lúdica que a agência de turismo composta por Nilson Young e Elijane Coelho tem de trabalhar. Se a trilha noturna é desafiadora pelo breu, também compensa na paisagem.

“Um trekking não é medido pela distância e sim pelos amigos que fazemos”, frisa Nilson. As próximas saídas são a trilha da usina do ceroula e um acampamento nos finais de semana que se seguirão. O trekking noturno não tem, por enquanto data, mas vale acompanhar a página do Sopa de Pedra no Facebook. E a ida aos passeios garante fotos do fotógrafo oficial do Sopa de Pedra, Antonio Arguello.

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“Um trekking não é medido pela distância e sim pelos amigos que fazemos”, define o guia. (Foto: Antonio Arguello)
“Um trekking não é medido pela distância e sim pelos amigos que fazemos”, define o guia. (Foto: Antonio Arguello)
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