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Sabor

Casa de frango mais antiga da cidade não muda nada há 40 anos

Ângela Kempfer | 18/07/2012 14:51
Frango Gordo e a estrutura de 40 anos. (Fotos: Rodrigo Pazinato)
Frango Gordo e a estrutura de 40 anos. (Fotos: Rodrigo Pazinato)
Seo Luis, de olho no frango como há 40 anos.
Seo Luis, de olho no frango como há 40 anos.

O cruzamento da avenida Júlio de Castilhos com a presidente Vargas, no bairro Santo Amaro, é do Frango Gordo, não tem jeito. Há anos passo por lá e não imagino o lugar sem aquelas tábuas azuis e o cercadinho de madeira bem na esquina.

Há 40 anos a imagem é a mesma, com seo Luis Pinatto Defendi, o dono, abrindo de tempo em tempo o forno para ver se os frangos já estão no ponto. O prédio é bem derrubadinho na fachada, mas dentro a organização indica capricho, comprovado pelos documentos da Vigilância Sanitária presos à parede.

Por ali, aos finais de semana passam o prefeito Nelsinho Trad, vereadores, gente como o presidente da Federação de Futebol, Francisco Cesário... “É uma clientela boa. Recebo secretário de Saúde aqui, para você ver como ando com tudo certinho. Tem até pessoas que pedem para não mudar nada, porque já virou patrimônio do bairro e da cidade”, diz seo Luis.

Com a cabeça branquinha, camisa e calça de alfaiataria, o simpático senhor de 88 anos só se mostra arredio quando digo que sou jornalista. Na hora, responde que não é dono do lugar, que só aluga o imóvel. Depois fala que está muito ocupado e começa a mexer em tudo para ver se eu desisto da reportagem.

“Eu tenho um movimento bom desde que abri e nunca precisei de propaganda ou reportagem. Então, melhor evitar”, justifica, logo se envolvendo em tarefas do outro lado do balcão.

Atravesso a rua e vou especular na concorrência. Em frente, a casa de frango assado Carlito é mais recente e a reforma transformou o lugar em um ponto como qualquer outro. Sobre o vizinho mais antigo, o atendente só fala que “é gente boa” e confirma que a clientela é de “alto padrão”.

Volto a tentar uma conversa com seo Luis e digo que não quero falar sobre qualquer questão polêmica que por ventura envolva o imóvel. Pela insistência, ele resolve contar uma história que começa na Itália, em Veneza. “Meus pais vieram de lá e compraram terras em Caxias do Sul (RS), foi lá que eu entrei na guerra de 1942”, anuncia.

O senhor, hoje vendedor de frangos, parece adorar a conversa sobre a II Guerra Mundial. “Defendi o governo do Getúlio Vargas é uma história que fez o que eu sou hoje”, justifica. Ele conta que comandava um “aparelho Russo, pronto para jogar bombas”. Tem orgulho explícito de ser um ex-combatente e brinca “sou perigoso, viu”.

Do outro lada da rua, Nelson toma cerveja à espera do frango no concorrente, porque seo Luis não deixa beber no Frango Gordo.
Do outro lada da rua, Nelson toma cerveja à espera do frango no concorrente, porque seo Luis não deixa beber no Frango Gordo.

Durante a Guerra, lembra que nunca precisou “detonar qualquer bomba”, mas comenta que aprendeu a não ter medo de nada. “São dias difíceis, que exigem muito de um homem, não dá para não aprender nada, continuar como se não tivesse vivido toda aquela violência e miséria”.

De volta para casa, ainda no Rio Grande do Sul, resolveu comprar terras em uma região desconhecida, no então Mato Grosso. Veio para Campo Grande com a esposa e os filhos e viu Mato Grosso do Sul nascer. “A gente vivia aqui quando não tinha nada. Era só esse comércio nesse lado de Campo Grande. Peguei o prédio cru e fiz tudo, arrumei do meu jeito”.

Sobre as terras, garante que já passou tudo para o nome dos filhos, mas nega qualquer motivo que não seja prático. “Não quero que eles gastem com inventário, só isso”.

Hoje o asfalto está por toda a região, há casas de frango assado por todo o bairro, restaurantes, supermercados, mas seo Luis continua ali, sem mudar quase nada nos procedimentos adotados desde que abriu as portas.

O Frango Gordo não aceita cartão de crédito, nem de débito, não faz entregas, a balança tem quase 50 anos, assim como os armários.

Também é proibido beber no balcão. A cerveja e o vinho colonial estão nas prateleiras e na geladeira, mas só para levar para casa. “Quem bebe um, bebe dois, bebe três e daí pode mexer com uma mulher, ser deselegante com alguém, fazer bagunça. Isso eu não permito”, explica do dono.

Na linha de frente, servindo o frango com a farofa, o senhorzinho fica só, uma das poucas diferenças que a vida provocou. A esposa de seo Luis morreu no dia 21 de junho, depois de 65 anos ao lado do marido. “Sinto falta, ela vinha pra cá e ficava comigo o dia todo, mas tem coisas que não tem remédio”, lamenta

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