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Política

Falha nas prefeituras sobrecarregam o MPE

“Assumam suas responsabilidades”, diz Corregedor-Geral do MPE, Mauri Valentim Riciotti, em entrevista

Carlos Martins | 18/11/2012 08:38
Corregedor-Geral Mauri Valentim Riciotti coordena o Núcleo de Implantação do Controle Interno (Foto: arquivo)
Corregedor-Geral Mauri Valentim Riciotti coordena o Núcleo de Implantação do Controle Interno (Foto: arquivo)

Levantamento feito pelo MPE (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul) nos últimos 10 anos mostrou que dos 5 mil inquéritos civis que tramitaram na área do patrimônio público, 4.200 deles foram arquivados ou se chegou a um acordo. “Concentrou-se tempo e energia em casos que nem deveriam chegar ao Ministério Público”, diz o procurador de Justiça Mauri Valentim Riciotti, Corregedor-Geral do MPE, em entrevista ao Campo Grande News.

O corregedor aponta dois problemas que levaram a esta situação: primeiro, houve a falha dos controles internos nas prefeituras que poderiam alertar o prefeito de meras irregularidades que, se corrigidas, evitariam a abertura do inquérito. Em segundo lugar, as Câmaras Municipais deixaram de cumprir com o papel importantíssimo de fiscalizar as ações do Executivo.

Riciotti começou a tomar pé destas distorções na condição de corregedor-substituto no decorrer das correições feitas nas Promotorias a partir de 2010. Ao assumir o cargo de corregedor-geral em julho deste ano, ele começou a colocar em andamento um projeto para desobstruir o MP destes inquéritos, que depois de tramitarem por um bom tempo dão em nada.

Para começar a reverter este quadro, formou-se um núcleo integrado dentro do grupo Rede de Controle (formado por entidades e órgãos de controle) e que é coordenado pelo corregedor. A tarefa inclui a sensibilização dos prefeitos para que façam funcionar os controles internos. Em palestras, o corregedor tem dito a prefeitos que se não quiserem que o MP interfira que façam a coisa direito. “É essa a obrigação que eles têm, não reclamem depois, façam a lição de casa”, diz, em tom de desafio.

Quanto aos vereadores, o alerta é claro: “assumam suas responsabilidades de fiscalizar o Executivo, sob pena de omissão e consequente responsabilização por improbidade administrativa”.

Caso estes mecanismos funcionem, sobrará mais tempo para o Ministério Público dedicar atenção em outras áreas. “A área penal está precisando que o MP atue de forma mais intensa ainda porque a sociedade está clamando por isso”, reconhece o corregedor.

Um terceiro problema que sobrecarrega as funções do MP é a ausência do Estado em áreas que afetam a vida da população. Com um quadro de 200 promotores de Justiça e de 31 procuradores de Justiça, Mauri Valentim Riciotti avalia que o MP teria que triplicar para dar conta de tudo isso caso também o Estado não assuma seus deveres.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Sede do MPE, no Parque dos Poderes, em Campo Grande (Foto: Simão Nogueira)
Sede do MPE, no Parque dos Poderes, em Campo Grande (Foto: Simão Nogueira)

Campo Grande News - Quais foram os motivos que levaram o senhor a tomar esta iniciativa?

Corregedor-Geral Mauri Valentim Riciotti - Dois motivos: o volume enorme de inquéritos envolvendo patrimônio público e o outro as reclamações incessantes de prefeitos aqui na Corregedoria. Eles reclamavam da ação dos promotores, inclusive com acusações infundadas de que os promotores estariam agindo politicamente. Na verdade, o promotor está cumprindo sua função. Se ele recebe uma denúncia tem que tomar providências. E de antemão ele não sabe se é verdade ou não, mas só o fato de instaurar já causa um desgaste político. Eu disse a prefeitos em uma palestra: prefeitos, se não quiserem que o MP interfira façam a coisa direito. É essa a obrigação que eles têm, não reclamem depois, façam a lição de casa.

Campo Grande News – E são problemas que na maioria dos casos são sanáveis.

Riciotti - A prefeitura ou Câmara Municipal faz alguma coisa errada que não é corrigida. São pequenas irregularidades que não são corrigidas, aí vem o MPE e instaura um inquérito civil para apurar. Demora-se para apurar e aí se constata que é um problema sanável, se faz um acordo. O queremos evitar é esse volume descomunal de inquéritos civis, porque o promotor tem outras coisas para fazer.

Campo Grande News – Quais são as medidas que estão deixando de ser adotadas?

Riciotti - Existe uma coisa que todo órgão público tem que ter que é o controle interno. Isto está no artigo 74 da Constituição Federal de 88, está na constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município. O controle analisa tudo o que o gestor faz, pratica, preventivamente, concomitantemente e posteriormente a prática do ato. Ele é obrigado a acompanhar a gestão pública e municiar o prefeito, o alertando de possíveis ilegalidades. Daí o prefeito pode corrigir antes de vir outro órgão para fiscalizar. Outra obrigação que também está nas constituições federal, estadual e na Lei Orgânica é que ao encontrar alguma irregularidade ou ilegalidade o controle interno tem que comunicar ao Tribunal de Contas do Estado [TCE], que é o controle externo. Então, se o controle interno funciona bem, e apareceu uma mera irregularidade e ele comunica ao controle externo, acende uma luz amarela, porque o controle externo fica aguardando a correção daquilo. Se isso for feito, e a irregularidade for sanada, o Ministério Público não precisa instalar inquérito civil que causa um desgaste enorme para a autoridade pública.

Campo Grande News - Em geral, irregularidades denunciadas assumem ares de escândalo e isso afeta a imagem do político.

Riciotti – O inquérito civil é o instrumento único que temos para apurar e quando você instaura um inquérito civil, parece que você está processando a autoridade e ele vai politicamente ficar desgastado. E nós não queremos este desgaste, queremos que ele faça a coisa certa.

Campo Grande News – O senhor começou o levantamento dessa situação nas correições e quais foram as providências adotadas?

Riciotti - Eu tomei a iniciativa de entrar em contato com órgãos como a CGU [Controladoria Geral da União], TCU [Tribunal de Contas da União], MPF [Ministério Público Federal], PF [Polícia Federal) e Receita Federal, que fazem parte de um grupo chamado de Rede de Controle e que atuam há mais de dois anos quando tem alguma coisa incomum. Fizemos uma reunião para ver o que a gente poderia fazer para tentar convencer estes prefeitos de que eles têm que instalar esses controles internos e fazer esse mecanismo funcionar. E aí se resolveu criar um mecanismo, um núcleo especial para cuidar deste assunto, dentro da rede, e fui convidado para ser o coordenador desse núcleo de Implantação do Controle Interno. Isso começou há um mês e desde então estabelecemos uma pauta de ação para os próximos quatro anos com várias atuações, junto com outras autoridades, com prefeitos, chamando outros colaboradores, como o TCE, a Assomasul, para empreendermos esforços, não só de convencer, mas de implantar efetivamente esses órgãos internos e ao mesmo tempo verificar se eles estão implantados e funcionando.

Campo Grande News – Está sendo feito um levantamento nas prefeituras?

Riciotti - Um dos itens da pauta é exatamente isso. Vamos fazer esse levantamento, verificar a estrutura dos controles internos, como eles estão desenvolvendo o trabalho. Como agora já está no fim do ano e novos prefeitos irão assumir as prefeituras, pretendemos iniciar isso a partir de janeiro. A primeira tarefa é o que estamos fazendo: despertar e fazer repercutir na mídia a necessidade que estes prefeitos têm de implantar estes controles internos.

Campo Grande News – E como está a atuação da Câmara, que tem o dever de fiscalizar?

Riciotti - Em geral, nós sabemos que no Brasil o Poder Legislativo deixou de cumprir com esta segunda obrigação [além de legislar] que é fiscalizar o Poder Executivo. E essa é uma tarefa fundamental no sistema republicano. Não existe uma República, com seus pilares fincados, se o Poder Legislativo não cumprir este papel. Então nós queremos resgatar esta tarefa importantíssima do Poder Legislativo. Fazer com que eles cumpram essa missão de fiscalizar o Poder Executivo. Então, se for acionado o controle interno, funcionando adequadamente com pessoas qualificadas, ele vai acionar o controle externo [TCE], o Poder Legislativo também vai ficar vigiando essa eventual irregularidade ou ilegalidade.

Campo Grande News - Qual o papel do promotor de Justiça dentro desse núcleo?

Riciotti - É aí onde entra essa ação que estamos fazendo. Já tenho recomendado aos promotores que, uma vez recebendo uma denúncia, de alguma situação envolvendo o Poder Executivo, que eles imediatamente acionem o Poder Legislativo, para que cumpram essa missão constitucional.

Campo Grande News - Se o controle interno funciona o caso nem chega ao Ministério Público.

Riciotti – Bem, a irregularidade será sanada sem o Ministério Público tomar conhecimento. Isso já é um grande avanço para evitar o número enorme de inquéritos que instauramos e que não dá nada depois. Mas se vier uma denúncia ao MP será instaurado o inquérito civil. É a recomendação da Corregedoria aos promotores e da Coordenação do Patrimônio Público. Ao mesmo tempo deve ser comunicado ao Poder Legislativo para que ele tome a providência que é obrigação.

Campo Grande News - E se o Poder Legislativo não agir o que será feito?

Riciotti - Se eles não tomarem providências, isso é improbidade administrativa, por omissão. Eles poderão ser processados por improbidade e por omissão.

Campo Grande News – O senhor tem feito palestras sobre o assunto, tem conversado com autoridades do executivo e do legislativo. Está vendo alguma mudança?

Riciotti - Já temos resultados positivos em pelo menos três municípios: Corumbá, Nova Alvorada e, se não me engano, em Juti, onde foram instaladas CPIs. Em Corumbá em uma grande operação envolvendo a Polícia Federal foram apontadas 22 licitações supostamente irregulares. No dia que saiu a operação eu liguei para o promotor e pedi para que ele encaminhasse cópia [do inquérito] para a câmara com o seguinte teor: “para conhecimento e providências no cumprimento de suas obrigações constitucionais sob pena de omissão e consequente responsabilização”. Os vereadores nunca tinham visto isso e foram conversar com o promotor que disse que foi o Corregedor que determinou. Aí os vereadores se reuniram e instauraram uma CPI.

Em encontros com prefeitos, corregedor-geral tem alertado para a importância dos controles internos (Foto: Helton Verão)
Em encontros com prefeitos, corregedor-geral tem alertado para a importância dos controles internos (Foto: Helton Verão)

Campo Grande News – Se o Legislativo fizer sua parte diminui a sobrecarga no Ministério Público.

Riciotti – O resultado é que diminuir o impacto no serviço do MP na área do patrimônio público e sobra mais tempo para cuidar de outras áreas que precisam da atuação do MP. Por exemplo, a área penal está precisando que o MP atue de forma mais intensa ainda porque a sociedade está clamando por isso. Nós vemos a criminalidade avançando e a criminalidade não envolve só a policia. Tem o MP. O Judiciário, o Sistema Prisional. Vamos canalizar energia para este foco que precisa de nossa atuação. O promotor tem, por exemplo, 20 inquéritos civis na área de improbidade. Normalmente são inquéritos volumosos e para manejar isso é complicado. Tem audiência todo o dia, tem outras áreas, como Meio Ambiente, Vara da Infância, Adolescência, Consumidor. Precisa sobrar tempo para focar em outras áreas. Então, nosso trabalho e encontrar estes gargalos.

Campo Grande News – O senhor poderia citar algum exemplo de irregularidade que poderia ter sido resolvida no início, pelos controles?

Riciotti – Tenho inúmeros casos, mas vou citar um caso envolvendo licitação. Foi desencadeado todo o processo licitatório e a lei diz que o edital tem que ser publicado em um jornal de grande circulação. Só que isso não foi feito. Foi publicado num jornal local de pouca expressão, de reduzida circulação. Aí chega a denúncia no MP. Então, isso é uma irregularidade e se a licitação prossegue, a empresa é contratada e é paga, aí já virou uma ilegalidade. No início, o que era uma irregularidade virou uma ilegalidade. Se os controles agissem, eles poderiam alertar: olha, tem que publicar num jornal de grande circulação. Imagine o estrago que isso causa. Se a lei manda publicar num jornal de grande circulação, tem uma razão de ser. Tem que publicar para que os possíveis interessados, na forma mais ampla possível, tenham conhecimento. Vamos supor que depois que a obra foi feita se descobre que o valor do contrato foi por um preço muito maior e que a obra poderia ter sido feita por preço menor se outras empresas tivessem participado da licitação. O estrago já está feito.

Campo Grande News – Se observa também que problemas em várias áreas que afetam a vida das pessoas acabam respingando também no MP.

Riciotti – De fato, nós não podemos jamais substituir o Estado é isso que estamos fazendo. Substituindo o controle interno, o controle externo, substituindo o poder legislativo e não podemos dar conta. E isso é só na área do patrimônio publico. Dou um exemplo onde o Estado não funciona: na área de assistência social. As filas hoje estão nos gabinetes dos promotores, dos defensores públicos. Então uma providência que poderia ser resolvida administrativamente, estamos judicializando e isso está impactando a Justiça como um todo. E se a Justiça fica estrangulada, cadê a democracia, o princípio republicano? Eu falo que hoje o promotor tem que trabalhar com o estetoscópio no pescoço. Vem gente morrendo no gabinete e ele tem que telefonar para ver se acha uma vaga para internar esta pessoa. Na verdade queremos que o Estado funcione. O MP é o defensor da sociedade e a sociedade quer que o Estado funcione, então temos esta legitimidade de tomar medidas para que o Estado faça o seu papel. Não podemos ficar parados e conformados com a inação do estado.Então temos que fazer alguma coisa, fazer o Estado funcionar.

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