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Capital

Educação é antídoto a acidentes, defende comandante da Ciptran

Com a missão de proteger a vida, a polícia de trânsito atua de maneira firme na fiscalização que é sua primeira missão, mas em entrevista ao Campo Grande News, o tenente-coronel Alírio Vilassanti diz que educar, principalmente as crianças, é primeiro passo para reduzir os números das estatísticas

Carlos Martins | 23/12/2012 09:35
Cultura nacional: motorista pratica "pequenos delitos", diz comandante da Ciptran (Foto: João Garrigó)
Cultura nacional: motorista pratica "pequenos delitos", diz comandante da Ciptran (Foto: João Garrigó)

No comando da Companhia Independente de Polícia Militar de Trânsito (Ciptran) há três anos, o tenente-coronel PM Alírio Villasanti Romero diz que a missão principal da polícia de trânsito é fiscalizar, para coibir abusos, irresponsabilidades, que causaram no ano passado a morte de 132 pessoas em acidentes no trânsito de Campo Grande e que neste ano já tiraram a vida de 122 pessoas. No país, os acidentes matam a cada ano 42 mil pessoas e levam à internação nos hospitais 146 mil vítimas dos acidentes.

Mas, ao mesmo tempo em que tem bem claro sua missão principal, o comandante Villasanti afirma que o caminho para diminuir os números das estatísticas, é por meio da educação. E ações nesse sentido fazem parte das atividades da Ciptran, com o envolvimento das crianças da rede escolar, que são os multiplicadores de uma semente que poderá mudar comportamentos. Ele também sugere a aproximação da comunidade acadêmica, para que possam propor soluções e ajudar com pesquisas científicas.

Natural de Porto Murtinho, Villasanti entrou para a Polícia Militar em 1987 e formou-se na Academia de Oficiais no Rio Grande do Sul. Serviu no interior, em Jardim, Bela Vista, Dourados, e Corumbá, passou pelo DOF (Departamento de Operações da Fronteira), pelo Garras [Grupo Armado de Repressão a Roubo a Banco e Resgate a Assaltos e Sequestros] e no comando do Centro de Formação, até chegar ao Ciptran, onde se deparou com um mundo de desafios e onde exercita diariamente uma missão: ajudar a salvar vidas no trânsito de Campo Grande.

Em entrevista ao Campo Grande News, o comandante da Ciptran fala sobre as campanhas desenvolvidas para tentar mudar o comportamento de um grupo de motoristas da Capital que, assim como acontece praticamente em todo o território nacional, é dado a pratica de “pequenos delitos”: avança o sinal vermelho, dirige muitas vezes sem habilitação, e de maneira irresponsável, pega o volante sem estar em condições, por se encontrar sob o efeito do álcool.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:

"Temos dado pequenos passos, mas passos firmes". avalia o tenente-coronel Alírio Villasanti  (Foto: João Garrigó)
"Temos dado pequenos passos, mas passos firmes". avalia o tenente-coronel Alírio Villasanti (Foto: João Garrigó)

Campo Grande News – Como é trabalhar com o trânsito, quais são as complexidades ao desempenhar sua missão?

Tenente-Coronel Alírio Villasanti Romero – Temos dado pequenos passos, mas passos firmes em nossa missão. Quando falamos em trânsito, trabalhamos com cinco vertentes: educação, que é a mais importante; a engenharia, e aí se inclui dotar a cidade de ciclovias, sinalização semafórica, lombadas; a fiscalização; primeiros socorros para os acidentados; e, a quinta, punição, na esfera administrativa e criminal.

Campo Grande News – Qual é a avaliação que o senhor faz, de modo geral, da conduta do motorista?

Villasanti – É bom que se diga que não são todos. Mas o motorista brasileiro tem a cultura do pequeno delito. Gosta de transgredir. Avança sinal vermelho com muita facilidade. E essa infração causou no ano passado a morte de 14 pessoas em Campo Grande. Conduzimos veículo após ingestão de bebida alcoólica, às vezes não usamos cinto de segurança, falamos ao celular. Isso é uma realidade nacional. São fatores comuns. Aí o Estado tem que punir com severidade. E o resultado são as multas, apreensões de veículos, mas para os casos graves a punição tem que ser severa. Essa severidade tem efeito pedagógico.

Campo Grande News – E as estatísticas?

Villasanti – Vemos o trânsito de Campo Grande com índices de violência que precisam ser melhorados. As mortes têm diminuído, mas ainda assustam. Não podemos ter mais de cem mortes no trânsito por ano. E esta mudança de comportamento, para tentar diminuir estes números, passa pela educação, pela obediência à legislação.

Campo Grande News – Os órgãos que cuidam do trânsito têm trabalhado de que maneira no quesito educação?

Villasanti – Temos o GGIT [Gabinete de Gestão Integrado de Trânsito] que reúne 29 entidades. Todas as ações são discutidas nesse gabinete. Talvez a campanha mais emblemática tenha sido a do “Pedestre, eu Cuido”, lançada em novembro do ano passado. Outra campanha é a Volta às Aulas 1 e 2, que acontece no início do ano letivo e no início do segundo semestre. No início atendemos 29 escolas, este ano o atendimento chegou a 69 escolas. Unimos os esforços da Ciptran, Detran [Departamento Estadual de Trânsito-MS] e Agetran [Agência Municipal de Transporte e Trânsito]. Professores foram capacitados e fizemos trabalhos externos. Temos um bom trabalho pela frente, já que em Campo Grande são 300 escolas. Outra campanha é a “Calouros”, feita pelo Detran e que nós ajudamos. As universidades abrem as portas no início do ano. Vamos lá, damos palestras, conversamos com os universitários. É um trabalho de conscientização. A faixa etária dos 18 a 25 anos é que mais se envolve em acidentes.

Campo Grande News – Como está o andamento do projeto PARA, Plano de Ação para Redução de Acidentes, que foi lançado em 2004?

Villasanti – A cada ano que passa cresce a mobilização e o envolvimento da sociedade. Este ano, no final de agosto, conseguimos colocar nas ruas 15 mil pessoas que participaram da oitava caminhada do PARA. Foi um trabalho que envolveu cerca de 70 entidades. Adultos, jovens e crianças saíram para as ruas para pedir paz no trânsito. Este é o ponto alto, e que marca nossas atividades. E tem ainda a corrida, “Dê preferência à vida”, que este ano teve sua terceira edição. Fazemos seminários, palestras, blitz educativa. eventos culturais. Escolas visitam a unidade. Praticamente toda semana tem uma atividade. Trabalhamos em empresas, com crianças, montamos a cidade mirim, capacitamos segmentos que nos procuram. Um exemplo é os Correios, que possuem cerca de 600 funcionários dos quais um grande número utiliza bicicletas e motocicletas. Fizemos capacitação com turmas de 30 e 50 pessoas, são aulas de direção defensiva, com aulas práticas, de como se comportar nas vias. Trabalhamos também durante a semana de prevenção de acidentes em empresas, como Enersul, Embrapa, Brasiltelecom, Jaguar Transportes, e muitas outras que nos convidam. Em 2011 foram realizadas 135 atividades.

Campo Grande News – A Ciptran dispõe de que estrutura para atender a estas solicitações?

Villasanti – Criamos uma coordenação educacional, onde trabalham seis pessoas capacitadas, que são educadores da rede educacional, instrutores do Detran há muito tempo, e que também capacitam nosso pessoal. Fizemos cursos de condução de veículo em emergência; de identificação e utilização do tacógrafo; de qualificação técnica de levantamento de local de acidente; de agente de trânsito; de batedor; curso de gramática para redação de textos; e também participamos de seminários sobre crime de trânsito e seus desdobramentos na secretaria de Saúde. Investimos muito em conhecimento, na especialização, já que a Ciptran é disseminadora. Este ano tivemos um total de 498 pessoas capacitadas entre policiais nossos e de outros lugares. Atendemos 79 escolas públicas e realizamos 150 atividades atingindo um público de 60 mil pessoas aproximadamente. Realizamos 25 ações sociais e atendemos 38 empresas particulares. Recentemente lançamos o projeto piloto do programa AME, que significa Agente Multiplicador de Educação e Segurança para o Trânsito, e atingimos quatro turmas: três municipais e uma estadual com alunos da terceira e quarta séries. São doze encontros no semestre. É semelhante ao Proerd [Programa Educacional de Resistência ás Drogas], mas voltado ao trânsito. As crianças serão os multiplicadores.

Campo Grande News – A Ciptran conta com um aparato tecnológico que facilita o serviço. Um deles é o boletim on line.

Villasanti – Exatamente. O boletim on line foi lançado em 8 de novembro de 2010 e trouxe mais agilidade para o registro dos casos em que só houve dano material, sem vítima. Antes o motorista ficava no local aguardando por um bom tempo a chegada da Ciptran, que estava atendendo outras ocorrências, mais graves [com vítimas]. Com o boletim on line você pode registrar a ocorrência em sua casa, pela internet, o registro cai direto no sistema. Depois a pessoa vai até a Ciptran, que faz a validação e imprime o boletim, que pode ser usado junto à seguradora. Os motoristas podem entrar em entendimento e uma só faz o boletim com todos os dados: placas dos veículos, local, horário, a descrição do acidente, endereço dos envolvidos, e até fotos podem ser inseridas e também o depoimento de testemunhas. Se o outro motorista quiser, ele pode entrar no boletim, em um campo próprio, e colocar suas observações. Com este sistema, que é modelo e referência no País, sobrou mais tempo para atender aquelas ocorrências onde realmente é necessária a presença da Ciptran. O sistema já está no interior e começamos por Três Lagoas e Corumbá e logo vamos atender Dourados. Desde o início, já foram registrados no boletim on line 4.161 ocorrências.

O número de pessoas que dirigem sem habilitação impressiona o comandante da Ciptran  (Foto: João Garrigó)
O número de pessoas que dirigem sem habilitação impressiona o comandante da Ciptran (Foto: João Garrigó)

Campo Grande News – Qual o tipo de infração que mais chama a atenção da Ciptran?

Villasanti – No ano passado fizemos 37 mil autuações. Foram removidos para o Detran 6.500 veículos. Foram 750 autuações por alcoolemia e que tiveram responsabilização tanto na esfera administrativa como na criminal. Agora, tivemos um dado que chama realmente a atenção: 4.500 pessoas foram autuadas por não serem habilitadas. E nesse ano, nesse tipo de infração, vamos chegar ao final de dezembro com 6 mil pessoas autuadas. No ano passado foram registrados 12.400 acidentes e vamos chegar este ano a 15 mil acidentes. Todos estes dados são divulgados com toda a transparência, estão no site da Sejusp [Secretaria de Justiça e Segurança Pública].

Campo Grande News – E qual é o tipo de infração mais comum?

Villasanti – É avançar sinal vermelho e dirigir sem habilitação. Temos aí um componente altamente perigoso e causador dos acidentes, que é o excesso de velocidade. E tem também o uso da bebida. Você coloca mecanismos para diminuir a velocidade [como lombadas eletrônicas e radares]. Só que o trânsito, num primeiro momento, é segurança, e num segundo momento, a fluidez. Só criamos a fluidez, e segurança vem depois. A Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito [de 2011 a 2020], lançada pela ONU [Organização das Nações Unidas], aponta os fatores que mais contribuem para a ocorrência de acidentes com gravidade: o excesso de velocidade; o consumo de álcool antes de dirigir; e a falta de uso do cinto de segurança, da cadeirinha para crianças e de capacetes. O controle dessas situações é a chave para a diminuição dos acidentes.

Campo Grande News – O efetivo atual da Ciptran é suficiente?

Villasanti – Temos hoje um efetivo de 140 policiais. No ano passado vieram mais 20. É claro que quanto mais gente, melhor. Uma coisa importante que temos que reconhecer é quanto aos investimentos feitos pelo Governo do Estado. Temos todos os equipamentos necessários para o andamento do serviço. São 18 bafômetros para a operação da Lei Seca, um decibelímetro para medir o som, e ainda o talão eletrônico [as informações da infração são inseridas em um PDA] que foi lançado há dois anos e dispensa o uso de papel em mais de 80% dos casos [só é utilizado por alguns batalhões]. O talão é um avanço tremendo. Na mesma hora a infração cai no banco de dados do Detran.

Lei Seca: "rigorismo é fundamental par mudar comportamento" (Foto: João Garrigó)
Lei Seca: "rigorismo é fundamental par mudar comportamento" (Foto: João Garrigó)

Campo Grande News – Como é a integração entre os órgãos que cuidam do trânsito?

Villasanti – Existe uma perfeita sintonia entre a Ciptran, o Detran, comandado por Carlos Henrique Santos Pereira e a Agetran, que tem na presidência Rudel Trindade. A eficiência e os resultados alcançados estão diretamente relacionados á integração destes órgãos. Quero crer que, com a nova administração [governo Alcides Bernal, do PP] que se inicia agora, vamos ter continuidade nesse processo. Até porque Campo Grande tem projetos com recursos consideráveis que é o PAC da mobilidade urbana com R$ 180 milhões.

Campo Grande News – E a sinergia entre os órgãos de segurança do trânsito e a sociedade?

Villasanti – Para que os resultados sejam alcançados deve haver sinergia entre os órgãos do setor, a comunidade, de forma direta, e a sociedade acadêmica, que pode nos embasar com informações e pesquisas científicas para que possamos melhorar nossa gestão frente aos órgãos. Envolvimento com a sociedade existe, mas com a comunidade acadêmica ainda vejo este segmento muito distante da segurança pública, particularmente em relação ao trânsito. Existe necessidade urgente para que as universidades abram as portas nessa área, que haja maior integração, para que os pesquisadores proponham soluções.

Campo Grande News – A Ciptran tem buscado uma aproximação?

Villasanti - Sim, temos procurado para algumas ações. Mas a aproximação ainda é muito tímida, muito pequena.

Campo Grande News – Quais os pontos mais preocupantes no trânsito da Capital?

Villasanti – São as grandes avenidas, como a Afonso Pena e as que ligam aos bairros, como a Gury Marques, a Eduardo Elias Zahran, a Mascarenhas de Moraes, a Júlio de Castilho. São blitz todos os dias, o que justifica o enorme número de notificações.

Campo Grande News – Para encerrar, como o senhor avalia a Nova Lei Seca, que foi sancionada pela presidenta Dilma?

Villasanti – Excelente. Vai dobrar a multa [de R$ 957,65 para R$ 1.915,30] para o infrator e aceitar como provas vídeos, testemunhos, tanto do policial, como de terceiros, que atestam que a pessoa que dirigia estava embriagada. Quanto mais rigorismo na punição deste tipo de conduta é fundamental, para mudar comportamento. Digo isso com muita ênfase. Nós fazemos ações educativas, fazemos, ajudamos na educação, ajudamos, mas o foco primordial da polícia de trânsito é a fiscalização. O pressuposto da polícia militar de trânsito é a prevalência da vida, proteger a vidas das pessoas.

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