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Capital

Famílias relatam as dores e sonhos frustrados por bêbados no volante

Zana Zaidan | 09/11/2013 11:14
A passeata reuniu familiares que perderam entes queridos no trânsito, e cobra mais rigor na lei que pune quem bebe e dirige (Foto: João Garrigó)
A passeata reuniu familiares que perderam entes queridos no trânsito, e cobra mais rigor na lei que pune quem bebe e dirige (Foto: João Garrigó)

Ter mais uma vítima dentre as mais de 40 mil pessoas que morrem todos os anos em acidentes de trânsito no Brasil faz parte da história de famílias que perderam entes queridos em casos de imprudência de motoristas.

Mas, de uma coisa essas famílias têm certeza: casos como esse não foram acidentes e, sem a possibilidade de ter volta um amigo ou parente que morreu, a luta é para mudar a lei brasileira para que penas mais duras sejam aplicadas a quem decide beber e dirigir.

A iniciativa da campanha “Não foi acidente” surgiu em São Paulo, mas foi trazida para Campo Grande pela jornalista Aline Peixoto, 24 anos, que perdeu o “irmão de criação” Gilliard Félix da Silva, 31 anos, em abril deste ano, depois que ele se envolveu em colisão causada por um motorista embriagado, na rotatória da BR-163, próximo ao bairro Nova Lima.

A mãe de Aline, Maria de Fátima da Silva, 48 anos, enfrentou o sofrimento de perder um ente querido em acidentes de trânsito duas vezes – a mais recente foi com o sobrinho Gilliard, no dia 25 de março. O policial militar, lotado no batalhão do Nova Lima, tinha chegado em casa depois de um longo dia de trabalho, e avisou que sairia para abastecer o carro já que tinha plantão no dia seguinte.

Maria de Fátima, tia de Gilliard, cobra mais rigor para que, no futuro, "as crianças não convivam com motoristas irresponsáveis" (Foto: João Garrigó)
Maria de Fátima, tia de Gilliard, cobra mais rigor para que, no futuro, "as crianças não convivam com motoristas irresponsáveis" (Foto: João Garrigó)

“Me lembro como se fosse ontem. Ele chegou em casa, perguntei se ele queria jantar, e ele disse que não, que só tomaria um banho e sairia para abastecer o carro. Mas ele acabou dormindo demais e acordou por volta de meia-noite, apurado por causa dessa gasolina. Minha filha Aline ainda tentou dizer que estava tarde para sair de casa, mas ele saiu mesmo assim”, conta Maria de Fátima.

O soldado conduzia uma Saveiro, quando uma caminhonete Ford Ranger, dirigida por Edson Moreira, 42, invadiu a contramão e causou a colisão. O teste do bafômetro constatou a embriaguez, e ele não sofreu ferimentos por conta do airbag da caminhonete. Mais tarde, a família ainda descobriu que Moreira é um fugitivo da Justiça, e tinha mandado de prisão em aberto no Paraná.

“Ninguém fica preso por causa de crime de trânsito, não. A lei seca é bonita no papel, mas só funciona na televisão e no local do acidente, porque depois, fica como se nada tivesse acontecido. Ele ainda tenta alegar que não tem dinheiro para pagar a fiança, mas estava dirigindo uma caminhonete cara. O que ele quer é sair ileso, sem ser punido por ter matado meu sobrinho”, acredita Maria de Fátima.

Gilliard morava com Maria de Fátima, a mãe dele, Elaine, Aline e Kayky, filho de Elaine de sete anos de idade. “É pelo Kayky, que era muito apegado a ele, e por todas as crianças que pedimos Justiça. Não vamos ter nosso Gilliard de volta, mas queremos deixa um país melhor para nossos filhos, sem violência e mortes no trânsito, principalmente por causa de motoristas irresponsáveis que insistem em beber e dirigir”, defende.

A primeira fatalidade na vida de Maria aconteceu em 2008, quando o irmão atravessava a rua na faixa de pedestres, de bicicleta, no bairro Amambaí, e foi atropelado por uma motorista. O irmão, que tinha 52 anos, sofreu afundamento de crânio e morreu no local.

Andréia levou a foto do irmão Igor, que morreu aos 24 anos atingido por uma carreta que fez ultrapassagem proibida (Foto: João Garrigó)
Andréia levou a foto do irmão Igor, que morreu aos 24 anos atingido por uma carreta que fez ultrapassagem proibida (Foto: João Garrigó)

Futuro interrompido - Já a professora Andréia Ferraz Oliveira foi surpreendida enquanto dava aulas com a notícia da morte do irmão, Igor Ferraz Oliveira, que tinha 24 anos quando morreu em um acidente de carro na BR-060.

No dia 15 de maio de 2012, Andréia, que dá aulas na rede estadual de ensino de Campo Grande, acordou com um “pressentimento ruim”. “Meu coração estava apertado, parece que Deus prepara nosso coração, para nos confortar no momento em que acontece o pior. Estava quase no final da aula, era umas 11 horas quando uma funcionária da escola me chamou e disse que eu precisava ir até a secretaria atender o telefone. Na hora perguntei: ‘Foi o Igor, não foi?”, conta, ao lembrar com saudades do irmão mais novo.

Igor, que um ano antes tinha sido aprovado em um concurso do Banco Brasil, viajou de carro a trabalho para Camapuã, a 133 quilômetros de Campo Grande, e na volta, foi atingido por um caminhão que vinha no sentido contrário e invadiu a pista ao tentar fazer uma ultrapassagem proibida. Com o impacto da batida, Igor morreu na hora.

“O motorista é de uma cidade no norte do Estado e hoje responde por homicídio culposo, mas não perdeu a carteira de habilitação e dirige como se nada tivesse acontecido, continua nas estradas colocando a vida de outros motoristas em risco”, lamenta Andréia.

Ela, Igor e o pai se mudaram de Curitiba para Campo Grande em 1994, quando Igor tinha seis anos. “Eu e meu pai viemos para cá para dar uma vida melhor para ele, que poderia crescer aqui, em um cidade mais calma e tranquila, com mais qualidade de vida. Agora, somos só nós dois, eu e meu pai, tentando superar essas peças que os destinos nos prega”.

Andréia acredita que Igor teria um futuro “brilhante” pela frente, mas tem como conforto o fato de que ele foi um rapaz feliz e realizado. “Era um menino muito esforçado, estudioso. Arrumou o primeiro emprego em um lava-jato, mas sempre que passava em uma agência do banco, dizia ‘Um dia vou trabalhar aí’. Até que um dia ele prestou o concurso e foi aprovado”, relembra, feliz pelo irmão.

“O que eu acho mais estranho é a indiferença do ser humano. Quando fiquei sabendo do acidente do Igor, e que ele tinha morrido, a primeira coisa que perguntei foi se o motorista do caminhão estava bem. É de uma vida que estamos falando, sabe? Mas ele nunca nos procurou, nunca nos deu um telefonema, não quis nem saber quem somos. Parece não ter feito nenhuma diferença o fato de ele ter matado alguém”.

Não foi acidente – Aline decidiu que precisava fazer alguma coisa para não deixar a morte do primo passar em impune. Em maio, ela entrou em contato com o idealizador da campanha “Não foi acidente”, que surgiu em São Paulo depois que a irmã e a mãe de Rafael Baltresca foram atropeladas em cima da calçada por um motorista embriagado, em 2011.

A jornalista procurou Rafael pela internet e perguntou se poderia trazer o movimento para Campo Grande, além de ajudar na coleta de assinaturas. A campanha precisa de 1,3 milhão de apoiadores para conseguir que o projeto de lei 5568/2013 seja aprovado na Câmara dos Deputados. Já foram coletadas 965.560, conforme o site da campanha. 

A lei pede mais rigor na punição de quem comete crimes de trânsito embriagado e, entre outras mudanças, estabelece que o crime seja inafiançável e aumente a pena de cinco para oito anos.

Aline organizou uma passeata hoje, que saiu da praça do Rádio Clube. Após o trajeto planejado, os participantes voltam para a praça, onde vão coletar mais assinaturas para a campanha. A petição também pode ser assinada online, e quem quiser contribuir pode acessar o site www.naofoiacidente.org/site/assine/

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