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Capital

Os esforços da lei para punir quem mata ao misturar álcool e direção

Promotor que participou das discussões para endurecer a Lei Seca avalia que, com tanta gente machucada e morta no trânsito, é impossível alguém se posicionar contrário às mudanças.

Aline dos Santos | 24/02/2013 09:01
"A gente já tem vários casos de pessoas que morrem na rua sem ter a menor chance de se defender", afirma promotor. (Foto: Luciano Muta)
"A gente já tem vários casos de pessoas que morrem na rua sem ter a menor chance de se defender", afirma promotor. (Foto: Luciano Muta)

No ano passado, 34 bairros de Campo Grande não registraram assassinatos. Mas de morrer no trânsito, vítima de um motorista bêbado, quem está livre? O medo coletivo forçou a sociedade e o Direito a se reformularem para fechar o cerco contra a combinação de álcool e direção.

Ganhou força o conceito do dolo eventual, que leva ao Tribunal do Júri os condutores que assumem o risco de provocar acidente fatal, sujeitando-os as penas mais severas. As mudanças de interpretação e a nova Lei Seca são abordadas pelo promotor da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos.

Sob os olhares de Martin Luther King, Jesus Cristo e Nelson Mandela, que figuram nos quadros em seu gabinete, ele relembra o caso, ocorrido na Capital, que trouxe precedente nacional para a nova interpretação de morte em acidente de trânsito.

A jovem Mayana de Almeida Duarte morreu em 2010, dias após acidente no cruzamento da avenida Afonso Pena com a rua José Antônio. Em fevereiro do ano passado, o motorista Anderson de Souza Moreno, que conduzia o Vectra que bateu no carro da jovem, foi condenado a 18,9 anos de prisão por homicídio no trânsito envolvendo disputa de racha, embriaguez e transposição do sinal vermelho.

Ainda em 2012, o promotor foi convidado para participar da comissão que discutiu mudanças para tornar a Lei Seca mais rígida. Agora, além do bafômetro, serão admitidos vídeos e outras provas como o depoimento do policial e testes clínicos. A multa dobrou e a tolerância para o álcool é zero. Conforme Douglas, a intenção da lei é criar separação radical entre o álcool e o volante.

Tamanha preocupação é justificada por números e as tragédias que não se cansam de repetir. “Dependendo do estilo de vida do morador, ele está mais sujeito a morrer no trânsito, num homicídio com dolo eventual do que morrer matado num homicídio de dolo direto”, afirma. Douglas dos Santos atua como promotor há 12 anos e participou de mais de 400 julgamentos. Na carreira, passou por Bonito, Aquidauana, Ponta Porã, Rio Verde e Campo Grande.

Confira a entrevista

Campo Grande NewsPor muito tempo, matar no trânsito era classificado somente em homicídio culposo. Agora, avança a discussão sobre o dolo eventual, ou seja, quando o condutor, por sua conduta, assume o risco de matar e o crime se torna doloso. Houve mudança no Código Penal ou mudança na forma de se ver o dolo eventual?

Douglas dos Santos - O dolo eventual existe desde sempre, não houve nenhuma alteração legislativa que tenha provocado um aumento nos casos de denúncia e condenação por dolo eventual. O que nós tivemos foi o avanço na interpretação feita pelos operadores do Direito, que passaram a perceber, em determinadas circunstâncias, que determinados casos não se tratavam apenas de uma simples imprudência.

Mas sim da aceitação da provocação do resultado por parte daquele condutor que, nessas circunstâncias específicas, age de maneira a provocar esse dano, esse resultado danoso, prejudicial. Por conta disso, a punição dele passa a ser mais grave do que a por homicídio culposo.

Isso em parte decorre da evolução do pensamento jurídico e também foi em razão da própria sociedade. O nosso acidente, o nosso crime de trânsito já não é o mesmo de 20 anos atrás. O trânsito hoje é muito mais mortal. Daí a razão para essa evolução da interpretação.


Campo Grande NewsQual foi o primeiro caso em que o senhor atuou onde um motorista foi a júri popular por morte em acidente de trânsito?

Douglas dos Santos - A primeira condenação significativa que nós tivemos aqui foi do Caso Mayana. A primeira ocasião, inclusive, em que se conseguiu a condenação por homicídio qualificado, considerado hediondo.

Julgamento de Anderson e Willian: no banco dos réus por morte no trânsito. (Foto: Marlon Ganassin/Arquivo)
Julgamento de Anderson e Willian: no banco dos réus por morte no trânsito. (Foto: Marlon Ganassin/Arquivo)

Campo Grande News – Neste caso, Anderson foi punido com prisão e Willian Jhony, condutor do outro veículo que disputava racha, foi condenado a auxiliar os bombeiros no socorro às vítimas de acidentes. As condenações abriram precedentes?

Douglas dos Santos - As duas coisas serviram como precedentes. A condenação do principal responsável, com bastante severidade, como a que foi dada pelo Conselho de Sentença, se tornou não só um precedente local, mas também um precedente nacional. Ela teve uma repercussão grande, a gente percebeu isso em outros Estados.

E também a medida adotada com relação ao colaborador de menor participação, que foi o motorista do veículo que não chocou com o carro da Mayana, pelo caráter inovador, também repercutiu muito bem fora, exatamente pelo enfoque mais educativo do que punitivo.

Foi punitiva com relação a quem efetivamente causou o resultado danoso e educativa em relação àquele que em algum momento se envolveu com a prática ilegal, mas não foi o causador direto do resultado. São precedentes, situações novas que a gente tem no Direito.

Principalmente pelo fato delas ocorrem no Tribunal do Júri, acaba sendo interpretado não como simples precedente jurídico, mas posições revistas e atualizadas da própria sociedade. Não há nenhum entendimento jurídico nesse caso que não tenha sido validado ao final por uma decisão do Conselho de Sentença. Foram propostas de entendimento jurídico que foram aceitas pelos jurados no final do julgamento. Então, não é só uma releitura jurídica, mas uma releitura social.

Campo Grande News – É mais difícil provar o dolo no acidente de trânsito?

Douglas dos Santos - Não é uma questão de dificuldade, é uma questão de natureza. O dolo direto que existe na conduta de quem quer matar é provado com a ação diretamente voltada à prática do resultado ruim. O sujeito quer matar alguém com uma arma de fogo, ele dá um tiro. Isso é bastante simples, plantado no raciocínio da gente.

O dolo eventual tem outra natureza, o chamado dolo indireto. Em que pese o sujeito não queira, a conduta dele mostra que ele assumiu o risco de provocar um determinado resultado. O que se busca provar no caso do dolo eventual não é o que o sujeito queria, mas é aquilo que ele, com seu comportamento, assumiu o risco de produzir.

Há uma diferença por ser um pensamento fruto de uma evolução que está em andamento ainda. Acaba se tornando menos orgânico, menos natural do que o homicídio com dolo direto. Mas, juridicamente e legalmente ele não é novo. Existe desde a instituição do código.

Campo Grande News – É bastante comum ouvir dos advogados de defesa que o autor do acidente não saiu de casa querendo matar no trânsito.

Douglas dos Santos - No que diz respeito à responsabilidade penal acaba sendo uma observação de pouco sentido, até de pouca validade lógica. Porque o direito penal pune o fato, ele não pune a cogitação. Se nós tivermos dois agentes. Um que não saiu de casa querendo matar, mas num determinado momento se armou de um revólver e matou. Esse sujeito praticou um crime de homicídio e recebe a punição por isso.

Se tivemos um outro sujeito que saiu de casa com toda a intenção de matar, mas na última hora não matou, esse sujeito não responde por crime de homicídio. Na verdade, sair de casa querendo matar ou não querendo matar, não faz a menor diferença. A pessoa pode sair de casa querendo a maior das bondades ou a pior das maldades, o que importa para o Direito Penal é se ao final das contas ele vai praticar qualquer uma delas.

Campo Grande News – Em relação aos acidentes, é mais complicado chegar ao julgamento com todas as qualificadoras, que, na prática, podem aumentar a pena em caso de condenação?

Douglas dos Santos - Não é uma questão de dificuldade, mas alinhamento de pensamento. Em determinados casos, as qualificadoras ganham robustez maior. Há determinados casos em que elas são inseridas na denúncia, mantidas na pronúncia, acolhidas pelo Conselho de Sentença e não são mexidas pelos tribunais superiores.

Há outros casos em que sequer são inseridas nas denúncias. E há casos que permitem uma diversidade de interpretações. É possível que a qualificadora seja inserida na denúncia e depois não seja acolhida pelo poder judiciário ou até, se acolhida pelo poder judiciário, retirada pelo Conselho de Sentença. Há casos em que são absolutamente indiscutíveis e outros casos que permitem uma discussão, mas isso não é exclusivo do dolo eventual. Acontece com todo crime de homicídio.

Diogo Machado Teixeira, 36 anos, está preso pela morte de um jovem, que estava em um táxi atingido pela camionete dirigida por ele, na Avenida Afonso Pena. (Foto:Luciano Muta)
Diogo Machado Teixeira, 36 anos, está preso pela morte de um jovem, que estava em um táxi atingido pela camionete dirigida por ele, na Avenida Afonso Pena. (Foto:Luciano Muta)
Richard Ildivan Gomide, responsável por outra morte na avenida Afonso Pena, ficou preso durante seis meses, mas foi solto sob a condição de não dirigir. (Foto: Minamar Junior)
Richard Ildivan Gomide, responsável por outra morte na avenida Afonso Pena, ficou preso durante seis meses, mas foi solto sob a condição de não dirigir. (Foto: Minamar Junior)

Campo Grande News – As mudanças na Lei Seca vieram para fechar o cerco contra a mistura de álcool e direção. A legislação já está num ponto adequado ou é preciso mais avanço?

Douglas dos Santos - A evolução dela é boa. Eu até sou suspeito de opinar pela lei porque compus a comissão de juristas que no ano passado foi convidada pelo Denatran [Departamento Nacional de Trânsito] para discutir o projeto e dessa discussão saíram algumas recomendações que acabaram sendo acolhidas, gerando o texto legal que foi sancionado pela presidente.

Até tenho dificuldade em dizer se sou contra ou a favor porque na nossa discussão da comissão, o texto era exatamente esse. Acho o texto bastante razoável, mas independente disso, tenho dificuldade em achar que alguém possa ser contra. É possível alguma discussão em torno do encaminhamento.

Como produzir uma determinada prova? Como documentar outra? Mas a ideia de que nós precisamos, através de uma lei, criar uma separação radical entre o álcool e o volante já nos parece bem sólida. É muita gente machucada e morta por conta disso.

Campo Grande News – Como foi o trabalho dessa comissão?

Douglas dos Santos - Levaram um consultor do INSS para apresentar dados a respeito do custo público em razão dos seguros pagos por acidentes em que se constatou presença da embriaguez. E eu participei da comissão para discutir os reflexos da embriaguez na caracterização dos crimes dolosos contra a vida. A reunião foi em Brasília, no final do primeiro semestre. Foi logo que o projeto chegou à Câmara dos Deputados.

A proposta estava nas mãos da Comissão de Transportes, o presidente era o deputado Edinho Araújo e ele solicitou ao Denatran um parecer. O Denatran tem uma comissão que estuda especificamente os casos de violência no trânsito, que busca a segurança e a paz no trânsito.

Essa comissão elaborou esse encontro para, ao final, sugerir a reformulação da Lei Seca que provocasse um pouco mais de segurança no trânsito. Ali se pontuou a necessidade urgente de se admitir outros meios de prova, a redução dos índices e o aumento da multa.


Campo Grande News – O aumento da multa foi seguindo o princípio de doer no bolso?

Douglas dos Santos - Sim. Se fez uma série de comparações em torno de outras infrações e a embriaguez acabou se justificando como sujeita a uma multa mais grave, porque ela é, só para começar a discussão, quase a caracterização de um crime. A multa existe, mesmo para aqueles casos em que o indicador não caracterize o crime.

Então, não se viu ali como não defender o agravamento da multa, pois se ultrapassado o limite a consequência seria uma prisão em flagrante. A ideia da elevação da multa pareceu razoável no contexto do código, mas também foi, assim como a mexida nos meios de prova, uma medida de enrijecimento, com a intenção de reduzir a presença da bebida alcoólica no trânsito.

Campo Grande News – Até então a prova funcionava como?

Douglas dos Santos - Houve por um bom tempo uma discussão muito acirrada a respeito de como poderia ser provada a embriaguez nos termos da lei anterior. Ela previa um determinado quantum de álcool no sangue ou no pulmão detectável por exame de sangue ou teste de estilômetro e a partir deste quantum se caracterizava o crime.

Acabou ganhando preferência no STJ [Superior Tribunal de Justiça] o entendimento segundo o qual seria necessária a existência de um teste objetivo para indicar essa quantia de álcool no sangue ou no ar alveolar. E ao mesmo tempo, o sujeito não poderia ser compelido a fazer isso.

Acabou gerando uma situação estranha, em que o crime só poderia ser provado com a intervenção probatória do próprio praticante do crime. Isso pôs em xeque a lei e em que pese houvesse entendimentos contrários, acabou sendo um caminho mais sábio resolver o problema na origem. Deixando explícito na lei que outros meios de provas poderiam ser admitidos, o que é extremamente correto.

É bem consolidado o entendimento de que um sujeito trôpego, que transmita informações visuais de que está completamente embriagado esteja nos limites bastante superiores àqueles da lei. O contrário, não é verdadeiro. É possível que o sujeito, eventualmente, esteja com índices superiores no bafômetro, mas não transpareça. Mas se ele transparece, é porque os índices estão altos. A lei acabou corrigindo isso.

Campo Grande News – Como é a aceitação das provas no processo, como vídeos e depoimentos?

Douglas dos Santos - Na verdade, nós estamos aguardando. A lei foi sancionada em dezembro, regulamentada nacionalmente agora em janeiro, dentro do prazo estipulado pela presidente e não recebemos ainda nenhum inquérito que trate com provas dessa natureza. Mas a questão é bem ampla. A lei dá uma liberdade bastante grande para o agente policial, para que ele faça essa prova.

Ele pode constatar isso, testemunhas podem ser arroladas. Ele pode filmar, mesmo com um celular ou fotografar as condições clínicas do motorista. Acho que os inquéritos, na medida em que eles comecem a chegar, vão trazer, logo de imediato, uma diversidade bem grande de meios de provas.

Campo Grande News Pensando à frente, há brechas para que a defesa desqualifique esse tipo de imagens?

Douglas dos Santos - Não existe processo acusatório sem defesa. O nosso sistema constitucional não permite isso. É da natureza do processo defensivo criminal desqualificar o argumento acusatório. Não há uma defesa que aquiesça com tudo que é dito pela acusação, ela é uma defesa juridicamente inválida.

Então, não só é natural e esperado, como compreensível e juridicamente adequado, que essas discussões surjam. Mas o regime hoje nos parece bastante vedado contra essas arguições, porque agindo dentro daqueles parâmetros ali fixados, dificilmente a autoridade policial vai conseguir criar alguma coisa tão diferente do que está na lei. A ponto da prova ser julgada inválida.

Campo Grande NewsNo Caso Mayana, o Anderson se negou a fazer o teste de alcoolemia. Como a ausência desse dado foi tratada perante o júri?

Douglas dos Santos - Havia nos autos elementos que indicavam embriaguez. O Tribunal do Júri não tem as limitações técnicas que nós, os operadores do Direito, temos. Em face dessa liberdade, houve o acolhimento. Tanto que não houve nem discussão sobre esse ponto. De valer ou não valer. O próprio réu admitiu a ingestão [de álcool].

A embriaguez foi, inclusive, arguida pela defesa. Uma das coisas que a defesa pretendeu no julgamento foi que ele tivesse a pena minimizada por estar embriagado. Então, até em razão do conteúdo do processo, que evidenciava a embriaguez, quanto até pela sustentação da defesa, acabou o Conselho de Sentença dizendo sim, porque não havia ali dúvida em relação a isso.

Campo Grande NewsQual é a pena máxima para homicídio culposo e doloso?

Douglas dos Santos - Homicídio culposo prevê pena de 1 a 3 anos. O homicídio doloso qualificado, de 12 a 30 anos. No artigo 302 do Código de Trânsito, homicídio culposo, pena de 2 a 4 anos e suspensão da habilitação. O doloso não é regulado pelo Código de Trânsito, é regulado pela lei penal.

Campo Grande NewsAlém do Caso Mayana, quais outros processos que atuou em morte por acidente de trânsito?

Douglas dos Santos – Tivemos o caso de um sujeito aqui em Campo Grande que matou no volante, mas não foi homicídio típico de trânsito. Ele arrancou com o caminhão e a vítima ficou enganchada. O Fagner, que está foragido, por 17 km correu com aquela vítima e acabou matando.

Teremos aqui neste semestre mais um. Um cidadão na estrada fez ultrapassagem embriagado e atingiu duas pessoas em uma moto. Sei que tramita um caso da Afonso Pena, fui eu que fiz a denuncia, mas o processo foi distribuído para a 21ª promotoria. É do Richard Ildivan. Eu fiz a denúncia em substituição. (Fagner Gonçalves foi condenado a 17 anos de prisão por arrastar e matar o militar Leonardo da Silva Sales. Embriagado, Richard Ildivan Gomide Lima bateu na moto pilotada pelo segurança David Del Vale Antunes. Ele estava parado no semáforo).

Campo Grande News – Com lei mais severa, estamos testemunhando um novo tempo para o trânsito?

Douglas dos Santos - Quando foi criada a campanha “Pedestre, eu cuido”, quem não estranhou, não gostou? Pouquíssimas pessoas olhavam aquilo e aplaudiram. Muito pedestre teve que sair quase voando das faixas porque os motoristas simplesmente ignoravam. Hoje, ainda acontece, mas está se tornando habitual ver a faixa e parar.

A gente já observa com pouco mais de frequência as pessoas frearem o veiculo no cruzamento quando faz conversão à direita ou à esquerda porque há pedestre na faixa. Há um cuidado maior. Isso é tanto consequência do medo, porque o transito é violento, quanto da repercussão desses casos.

É difícil hoje um cidadão duvidar que o trânsito mata. Campo Grande teve no ano passado 121 homicídios, espalhados por 74 bairros. Desses bairros, vários não tiveram homicídio. No ano passado, não teve nenhum homicídio no jardim Albuquerque, Jardim América, Bela Vista, Cabreúva, Caiçara, Carandá, Carlota, Vila Carvalho, Coophavila, Estrela Dalva, Vila Glória, Itanhangá, Jacy.

Em 34 bairros de Campo Grande não aconteceram homicídio no ano passado. Em alguns deles, dependendo do estilo de vida do morador, ele está mais sujeito a morrer no trânsito, num homicídio com dolo eventual do que morrer matado num homicídio de dolo direto. O volume anual de morte por homicídio típico no Brasil gira em torno de 50 mil casos ao ano. As mortes no trânsito são 42 mil.

"Nós precisamos, através de uma lei, criar uma separação radical entre o álcool e o volante já nos parece bem sólida. É muita gente machucada e morta por conta disso", defende o promotor. (Foto: Luciano Muta).
"Nós precisamos, através de uma lei, criar uma separação radical entre o álcool e o volante já nos parece bem sólida. É muita gente machucada e morta por conta disso", defende o promotor. (Foto: Luciano Muta).


Campo Grande News – A exemplo desse Mapeamento da Violência, é possível um estudo sobre o perfil de quem mata no trânsito?

Douglas dos Santos – É possível. Só perigoso fazer isso sem critério, tem que delimitar bem que tipo de informação você vai levantar para traçar esse paradigma. Dados dessa natureza. Qual o condutor que mata no trânsito? A vítima é mais difícil definir. No caso do Richard Ildivan, era um segurança. Mais recentemente, uma pessoa de fora, tinha acabado de chegar à cidade. No Caso Mayana, uma jovem que estava voltando para a casa. Totalmente aleatório.

Mas o motorista pode sim ter traços comuns, mas isso precisa ser estudado com muito cuidado, sem generalizar as coisas. Numa generalização imediata, a gente pode dizer que o motorista que mata no trânsito tipicamente está embriagado e saindo de um bar. Os casos que a gente mais vê são pessoas embriagadas saindo do bar. Tem que pegar isso e jogar dentro do contexto global para ver se de fato é significativo. Senão a gente trabalha em cima de estigma.

Campo Grande News – E também homem e jovem...

Douglas dos Santos – É o que a gente pensa, eu também penso a mesma coisa que você. Se perguntar para 20 pessoas qual a maior causa de homicídio, a maioria vai dizer que é drogas. Porque boa parte das pessoas que estão morrendo ou matando de alguma maneira tem a proximidade, às vezes não tem nem o envolvimento, mas proximidade.

Toda aquela pessoa cujo assassino era usuário de droga, todo assassinato cuja vitima era usuário de droga, teve a droga como móvel? O móvel, às vezes não foi a briga do bar, ciúmes, uma traição? Isso é que precisa aferir. É possível que em determinados locais você chegue a esse indicador, de que é a droga. Mas não é uma resposta tão simples assim.

Existem outros fatores, a disputa territorial, no caso da gangue. O álcool em si é um fator, crimes passionais são muitos volumosos. Antes de pessoa dizer que x por cento dos homicídios é provocado por drogas, é preciso que ele diga essa lista de crimes de homicídios teve como motivo dívidas de droga. A experiência é muito traiçoeira nesse aspecto. A gente, às vezes, pelas máxima de experiência, tenta chegar rápido a determinadas conclusões. Às vezes, é preciso tratar o assunto como se nós não o conhecêssemos.

Campo Grande News – Na reunião da comissão da Lei Seca, foi aventada a classificação do álcool como droga ilícita?

Douglas dos Santos – Não. Tem alguma coisa encaminhada para tentar dar ao álcool o mesmo tratamento do cigarro, no que diz respeito à tributação e mídia. Você tem aquele “Se dirigir, não beba”. Colocam aquilo, mas na edição aumenta em 1.6 a 1.8 a velocidade. Enquanto o cigarro é mais ou menos provado que com a sobretaxa e campanha mais agressiva, passou a ter o consumo um pouco refreado.

A Austrália tem um exemplo muito bom de campanhas feitas na televisão. Trabalham com as imagens de acidentes e depois com essas imagens em câmera lenta no reverso, até sair do acidente para chegar na pessoa largando o copo no bar. Campanhas publicitárias muito impactantes. Eles tiveram índices de redução muito bons.

Campo Grande News – O senhor acaba acompanhando a questão nacionalmente. Campo Grande tem um cenário mais complicado ou dentro do normal no trânsito?

Douglas dos Santos – Tem cidade com trânsito mais calmo, embora sejam maiores. Não sei situar Campo Grande dentro de um ambiente grave ou normal no cenário nacional. Não tenho informação suficiente para isso. Mas preocupa o trânsito de Campo Grande porque ele não tem, me parece, o compromisso. Ainda falta um pouco de comprometimento da sociedade com a condução do veiculo em automotor em via pública dado ao tamanho do volume de tráfego.

O principal é a questão da embriaguez. O período noturno é muito preocupante, muito assustador. É motivo de angústia. A gente já tem vários casos de pessoas que morrem na rua sem ter a menor chance de se defender. E é um detalhe puramente cultural.

Tanto em turma ou quando sai em casais, não há problema nenhum em fazer um revezamento. Cada um, numa noite não beba. Se quer tomar à vontade, não há problema nenhum em pegar uma carona, pagar um táxi. Muito mais seguro, muito mais tranquilo do que ficar sujeito à prisão em flagrante por excesso de bebida alcoólica.

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