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Por que mulheres ainda precisam de idade diferenciada para se aposentar?

Por Diana Vaz Lima (*) | 17/02/2019 07:09

Após retornar às suas atividades depois de um período de convalescença, o presidente Jair Bolsonaro já teve de tomar uma decisão que vai afetar milhões de brasileiros. Definir a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres no projeto de reforma da previdência que será apreciado no Congresso Nacional brasileiro.

Pressionado pela sua equipe econômica e tendo de guardar coerência com o discurso político que sempre defendeu, o presidente optou por uma alternativa salomônica: a equipe econômica venceu apresentando um projeto mais duro do que o que estava tramitando no Congresso Nacional até o momento, mas o presidente manteve a idade mínima diferenciada em três para as mulheres (elas teriam direito a se aposentar aos 62 anos).

O mercado financeiro reagiu bem logo após o anúncio, mas certamente essa posição receberá muitas críticas. Afinal, por que as mulheres ainda precisam de uma idade mínima diferenciada para se aposentarem?

É difícil para uma mulher defender qualquer opinião sem ser chamada de feminista. Convenhamos, no quesito duração de vida, as mulheres nascem em qualquer parte do mundo com a perspectiva de viver, em média, 4,8 anos a mais do que os homens; e em 186 países de todos os continentes, de diferentes níveis de desenvolvimento e riqueza, pode-se observar que as mulheres vivem mais do que os homens.

Relatório elaborado pelo Department of Economic and Social Affairs da ONU mostra que a idade de aposentadoria para as trabalhadoras era menor de 61 anos em 167 países com dados disponíveis. Em face disso, entre 2006 e 2014, muitos países aumentaram a idade de aposentadoria para as mulheres a fim de prolongar a participação destas no mercado e fortalecer a sustentabilidade financeira dos seus sistemas previdenciários.

Diante desse cenário, precisamos recuperar alguns dados para defender porque a decisão do presidente é coerente. Em 2015, segundo dados do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) do Brasil, dos mais de 64 milhões de trabalhadores na faixa de 16 a 59 anos protegidos, as mulheres representavam apenas 44% dos trabalhadores com cobertura previdenciária.

Outro dado relevante é que, neste mesmo ano, entre as pessoas com 10 anos ou mais de idade, as mulheres representavam aproximadamente 65% da população não economicamente ativa; portanto, fora do sistema de proteção social.

Há que se atentar, também, que, em 2014, no Brasil, o valor médio dos benefícios ativos para o trabalhador homem foi 32% maior do que para a trabalhadora mulher, e, ainda, que há predominância dos benefícios de aposentadoria por idade para o sexo feminino (mais de 56% do total), concedido aos trabalhadores acima de 65 anos de idade, o que por si só já eleva a idade média de aposentadoria concedida para a trabalhadora brasileira.

Registre-se, ainda, que ao realizar, em 2009, uma série de estudos para analisar as diferenças salariais em vários países da América Latina, estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) constatou que mulheres e minorias étnicas ainda estão em clara desvantagem, levantando a discussão sobre se é socialmente justo equiparar a idade mínima e o tempo de contribuição entre homens e mulheres.

Dados apresentados no relatório The Global Gender Gap Index 2015, elaborado pelo World Economic Forum, que analisa diversos aspectos relacionados à equidade de gênero, fornece ranking que permite a comparação entre diferentes países e dentro do próprio país. Nesse ranking, entre 145 países, o Brasil é o 85º colocado, com 0,686 ponto, onde 1 significa igualdade entre sexos e 0, desigualdade.

No assunto igualdade salarial por um mesmo serviço, o Brasil fica em 133º, atrás de todos os países da América do Sul analisados no relatório do Fórum. Quando a atenção é voltada para o cenário mundial, nenhum dos países atingiu a pontuação máxima (1) nos quesitos participação econômica e oportunidade ou empoderamento político, ou seja, nenhum país atingiu a igualdade entre homens e mulheres nessas áreas.

Além disso, no cenário mundial, a cobertura para aposentadorias foi menos extensiva para as mulheres, fato que, de acordo com a International Labour Organization, se deve à baixa inserção das mesmas no mercado de trabalho formal e, consequentemente, significativa participação no setor informal.

Como se pode observar, o Estado brasileiro ainda tem um longo caminho para avançar em termos de cobertura previdenciária para as mulheres. As novas regras da previdência não podem ignorar esse fato.

(*) Diana Vaz Lima é professora de contabilidade pública e de contabilidade do setor previdenciário do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais (CCA/UnB) e pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA/UnB) da Universidade de Brasília.

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