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Sorte é morar no Centro sem o risco do trânsito e ainda livre do IPTU

Alan Diógenes | 23/08/2015 08:00
Sorte é morar no Centro sem o risco do trânsito e ainda livre do IPTU
Filha de ex-ferroviário disse que lugar já foi muito agitado, mas hoje poucos carros passam na rua. (Foto: Marcos Ermínio)
Filha de ex-ferroviário disse que lugar já foi muito agitado, mas hoje poucos carros passam na rua. (Foto: Marcos Ermínio)
José Dias, ex-ferroviária, aproveita a tarde em frente de casa. (Foto: Marcos Ermínio)
José Dias, ex-ferroviária, aproveita a tarde em frente de casa. (Foto: Marcos Ermínio)
Thiago disse que é prazeroso receber amigos em ponto turístico da cidade. (Foto: Marcos Ermínio)
Thiago disse que é prazeroso receber amigos em ponto turístico da cidade. (Foto: Marcos Ermínio)

Morar em uma casa da Vila dos Ferroviários, criada há décadas para abrigar os funcionários da antiga estação ferroviária Noroeste do Brasil, hoje é um privilégio. O lugar calmo, apesar de estar no Centro de Campo Grande, está livre do trânsito agitado da cidade e os moradores não precisam pagar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), já que a vila foi tombada como patrimônio histórico e cultural.

O agricultor Thiago Escobar Falco, 28, conta que se mudou para a vila há 15 anos, junto com os pais e o irmão. O convite foi feito por um ex-ferroviário que queria vender a casa. Procurando um lugar de fácil acesso ao centro da cidade, os pais do jovem não pensaram duas vezes quando fizeram a primeira visita.

As residências, que naquela época podiam ser compradas pelo valor estimado a R$ 20 mil, hoje se vendidas, tem o valor acima de R$ 180 mil. A casa que Thiago mora também dá acesso à Feira Central. O jovem falou de como é receber parentes e conhecidos em um ponto turístico da cidade.

“A primeira coisa que eles falam é sobre a rua conservada e em paralelepípedos. Falam que é difícil ver isso em outro lugar. Depois ficam surpresos em saber que não pagamos o IPTU, nessa hora todos querem morar aqui”, comentou Thiago.

O ex-ferroviário José Dias da Silva, 60, trabalhou na Noroeste do Brasil de 1980 a 2006 como auxiliar de maquinista e depois maquinista. Ele contou que as casas, que antes eram cedidas, foram vendidas para os próprios funcionários quando houve a privatização da ferrovia.

“Antes quem morava aqui eram os funcionários que a estação ferroviária mais precisava, como: mêcanicos, maquinistas e agentes de estação. Veio um acordo governamental e o ex-presidente Juscelino Kubitschek quis fazer um transporte sobre rodas. Foi aí que a ferrovia foi privatizada e a Noroeste Brasil vendeu as casas para os funcionários. Muitos deles depois venderam essas casas, foram embora, e hoje são poucos que ainda moram aqui, como eu”, explicou José.

O pai e o irmão de José também eram ferroviários. Nascido na estação ferroviária de Bodoquena, a 266 quilômetros da Capital, com o auxílio de uma parteira, ele passou a vida inteira nos trilhos junto com a família, e se mudou para a casa onde mora na Vila dos Ferroviários em 1996.

Ex-ferroviário Jorge Cardoso veio morar em Campo Grande quando sofreu um acidente na ferrovia de Ponta Porã. (Foto: Marcos Ermínio)
Ex-ferroviário Jorge Cardoso veio morar em Campo Grande quando sofreu um acidente na ferrovia de Ponta Porã. (Foto: Marcos Ermínio)
Jorge, com 40 anos, em frente de trem na ferrovia. (Foto: Marcos Ermínio)
Jorge, com 40 anos, em frente de trem na ferrovia. (Foto: Marcos Ermínio)

“Minha mãe viajava junto com meu pai pelas estações e nessa de Bodoquena eu nasci. Depois segui o mesmo caminho, transportando grãos, minério de ferro e passageiros a Campo Grande, onde consegui a casa. Tenho saudades e acho que a ferrovia ainda vai voltar com força, porque é meio de transporte mais viável” mencionou José.

José é viúvo e mora na casa de três quartos, uma sala grande e uma cozinha, com o filho de 23 anos. A filha Nathalia Dias da Silva, 34, gerente de loja, se mudou em 2012. Ela lembra como era a vida na vila. “Era uma vizinhança mais unida, a rua ficava cheio de crianças e o pessoal sentava na frente de casa. Hoje está mais parado, acho que o pessoal tem que fazer mais filhos”, brincou ela.

O pai gosta mesmo é da animação. Não perde um Carnaval, quando os blocos descem a Esplanada Ferroviária cantando as marchinhas. Para ele a Vila dos Ferroviários tinha que ser tranformada na “Lapa Carioca”. “Acho que deveriam abrir mais barzinhos por aqui e usar o local para trazer atrações culturais e artísticas”, apontou.

Antigamente os funcionários de baixo escalão moravam nas casas pintadas de amarelo e cinza. Já os funcionários da chefia moravam nas casas com fachadas em branco e cinza. Hoje é proibido mudar a fachadas das casas, mas algumas acabaram sendo pintadas de outras cores.

Para reformar um muro e a piso da casa onde mora, o ex-ferroviário Jorge Cardoso, 70, teve que pedir autorização ao Ministério da Cultura e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ele deixou a ferrovia há 23 anos, quando teve os dedos decepados trabalhando como manobrador.

Na epóca ganhava cinco salários mínimos, mas devido ao acidente, foi dispensando com o benefício de um salário, até se aposentar. Nesse período ele e a mulher começaram a vender salgado e conseguiram comprar a casa onde moram com o filho especial, por R$ 17 mil, há 20 anos.

Olhando para a foto em que aparece em frente à um trem, ele lembra com saudades de época da ferrovia. “Me dá saudades de quando trabalhava nos trilhos em Ponta Porã. Depois sofri o acidente e vim para a Capital trabalhar no setor administrativo da Noroeste Brasil. A rede tinha um grande potencial e nós tinhamos muitos planos. Agora só ficou o anseio mesmo ao olhar para as paredes das casas e para a ferrovia desativada”, finalizou emocionado.

Vila dos Ferroviários foi tombada como patrimônio histórico e ruas ainda são em paralelepípedos. (Foto: Marcos Ermínio)
Vila dos Ferroviários foi tombada como patrimônio histórico e ruas ainda são em paralelepípedos. (Foto: Marcos Ermínio)
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