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Interior

Tentativa de homicídio vira julgamento por "lesão" e revolta mãe de vítima

Mãe de vítima postou nas redes sociais indignação com resultado do júri; réu foi condenado a dois anos, no regime aberto

Silvia Frias | 24/05/2019 17:42
Ariany, aos 21 anos, quando foi agredida por Marcos: cortes nos lábios, língua e e hematomas no na boca e no olho (Foto/Reprodução: Facebook)
Ariany, aos 21 anos, quando foi agredida por Marcos: cortes nos lábios, língua e e hematomas no na boca e no olho (Foto/Reprodução: Facebook)

“Eu te amo, amor, a gente vai ficar junto? Nós vamos ficar juntos?”. A manicure Ariany Evelyn Silva Fernandes, 31 anos, ouvia a pergunta, feita em 2009 pelo ex, o garçom Marcos César de Oliveira Vera, enquanto ele, de joelhos, a imobilizava pelos ombros e a agredia no rosto a socos e tapas.

Ariany foi salva por um casal que testemunhou a agressão e chamou a Polícia Militar. Quando a equipe chegou, Marcos ainda a agredia. Tentou fugir, mas foi preso em seguida.

“Eu te amo, amor, a gente vai ficar junto?”. Dez anos depois, a pergunta ecoa em sua mente, cada vez mais forte, enquanto ouvia a sentença do julgamento do caso, realizado ontem, em Aquidauana: Marcos foi absolvido da acusação de tentativa de homicídio, sendo condenado, em regime aberto, a dois anos e dois meses por crime de lesão corporal grave.

A mãe de Ariany, Eva Fernandes, usou o Facebook para mostrar sua decepção com o desfecho do caso e texto já teve pelo menos 3,1 mil compartilhamentos. “A defesa do réu, durante 1h30m tentou e conseguiu convencer os jurados de que o "suposto comportamento errôneo" da minha filha em relacionamentos passados seria a causa das agressões (...) Relato de uma mãe triste e se sentindo incapaz e impotente, mas q crê na justiça de Deus”.

"Eu fui julgada lá ontem, foi minha vida anterior que foi julgada, não ele, ele foi um coadjuvante no julgamento”, disse Ariany, hoje, residente em Campo Grande. Ela disse que irá reunir-se com representante do MPE (Ministério Público Estadual) para recorrer da sentença.

Mãe de Ariany postou depoimento indignado com resultado do julgamento (Foto/Reprodução: Facebook)
Mãe de Ariany postou depoimento indignado com resultado do julgamento (Foto/Reprodução: Facebook)

Denúncia – Na madrugada de 12 de novembro de 2009, Ariany e Marcos encontraram-se na rua, em Aquidauana, distante 135 quilômetros da Capital. À época, ela tinha 21 anos e, ele, 19. Por oito meses tiveram relacionamento. No processo, conta que o término aconteceu em outubro, depois de discussão em que ele teria tentado enforcá-la. No dia 29 daquele mês, registrou boletim de ocorrência contra ele, por perturbação, alegando que Marcos não parava de procurá-la, querendo reatar a relação.

Na denúncia, Ariany disse que voltava para casa, de moto, depois de passar por pizzaria e foi cercada por Marcos, também em uma motocicleta que teria perguntado: “Você vai ficar comigo?”. Ariany respondeu que não. Em seguida, retirou o cachimbo da moto dele e fugiu em direção ao orelhão próximo com intenção de ligar para a polícia.

Correndo, Marcos alcançou a manicure, disse que não queria lhe fazer mal, apenas conversar. No depoimento, Ariany disse que ele pegou a carteira e a chave da moto dela, correu e jogou tudo em área de matagal.

Ariany foi atrás e entrou no matagal para procurar a carteira e a chave. Nesse momento, Marcos a agarrou por trás e tentou torcer o pescoço da jovem e, com a outra mão, segurava o nariz dela. Na luta, a manicure o arranhava e tentava mordê-lo.

Nesse momento, um casal passava próximo e ouviu os gritos de socorro. O homem foi em busca de ajuda e a mulher ficou escondida. Quando a equipe da PM chegou, Marcos ainda estava sobre os ombros da jovem. Às testemunhas, o garçom teria dito que “se eles não tivessem chegado, ele não saberia o que poderia terá acontecido a Ariany”.

Ariany sofreu cortes nos lábios, língua e diversos hematomas no rosto e no olho direito. Marcos foi preso em flagrante e liberado no dia 31 de dezembro daquele ano, passando pouco mais de 40 dias na cadeia.

No decorrer do processo, a defesa alegou que Ariany o perseguia e que o boletim de perturbação registrado por ele foi arquivado, por falta de provas.

Marcos foi denunciado pelo MPE (Ministério Público Estadual) no dia 1º de dezembro de 2009 por homicídio simples.

A manicure reclama que foi julgada e qualificada durante o processo. Os advogados de Marcos citaram fatos da vida de Ariany. “Mulher mais velha, mãe de três filhos, de dois pais diferentes”. Na cidade, segundo a defesa dele, havia comentários de que ela era “possuidora de péssima reputação (não suporta crianças, apesar de ser mãe, cultiva amizade com viciados em drogas e ex-presidiários, além de ser amante da farra e da bebedeira).

Segundo defesa de Marcos, a manicure é que o teria perseguido depois do fim do relacionamento, porque não aceitava que ele estava noivo de “uma moça honrada”. Na versão dele, naquela madrugada, ela o provocou e o agrediu. “sangue ferveu (...) e ele perdeu a razão (...) e cometeu o maior pecado da sua vida: agrediu-a”.

Sentença – o júri foi composto por sete jurados – cinco mulheres e dois homens – sob responsabilidade do juiz Ronaldo Gonçalves Onofri, da Vara Criminal de Aquidauana.

Na resposta aos quesitos formulados pela Justiça, a maioria (4) concordou que os ferimentos foram causados por Marcos, mas os jurados responderam “não” à pergunta que qualificaria homicídio: “Marcos Cezar de Oliveira deu início à execução de um crime de homicídio que não se consumou por circunstâncias alheia à sua vontade, devido a chegada da guarnição policial?”

A decisão da maioria, quatro votos, determinou a mudança do processo, remetendo ao juiz a solução final do julgamento.

O magistrado levou em conta os laudos periciais, que atestaram que, por causa das lesões, a jovem ficou incapacitada para o trabalho por cerca de noventa dias. Por isso, concluiu que Marcos deve responder por lesão corporal grave, previsto no artigo 129 do Código Penal.

O juiz desqualificou o argumento da defesa de que ele teria agido por forte emoção, já que o casal havia brigado anteriormente e ele não havia revidado.

Ariany foi socorrida por casal que ouviu gritos de socorro (Foto/Reprodução: Facebook)
Ariany foi socorrida por casal que ouviu gritos de socorro (Foto/Reprodução: Facebook)
Ariany tentou se defender, arranhando e mordendo Marcos (Foto/Reproduão: Facebook)
Ariany tentou se defender, arranhando e mordendo Marcos (Foto/Reproduão: Facebook)

A pena base foi de dois anos de prisão, sendo reduzida a um ano e oito meses, decorrente da confissão das agressões. Porém, usou a Lei Maria da Penha para caracterizar a violência doméstica contra mulher, tornado a condenação definitiva em dois anos, dois meses e 20 dias de reclusão. Por ser pena não superior a quatro anos, foi enquadrado no regime aberto.

“Eu fiquei pasma; eu estava muito esperançosa, achei que ele ia pegar uns quatro anos por tentativa de homicídio, aí sai de lá livre, por lesão”, disse Ariany. A manicure ainda reclama que o juiz disse ao réu que desejava uma “boa vida” e que saísse de “cabeça erguida” do julgamento. “Não falou nada para mim, era como se eu nem estivesse lá, como se eu não fosse a vítima”.

Há dois anos, Ariany mudou-se para Campo Grande, onde mora com o marido e duas das quatro filhas. “Vou conversar com promotor, 90% de chance que a gente vai recorrer; os jurados foram omissos, foi um show de mentira”. Soube que Marcos chegou a morar na Capital, onde cursava Direito e que ele teria voltado para Aquidauana. "Eu já cruzei com ele na rua, mas sempre ia embora, não quero contato".

O Campo Grande News tentou entrar em contato com a defesa de Marcos, mas as chamadas não foram atendidas.

"“Eu fui julgada lá ontem, foi minha vida anterior que foi julgada, não ele" (Foto: Paulo Francis)
"“Eu fui julgada lá ontem, foi minha vida anterior que foi julgada, não ele" (Foto: Paulo Francis)
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