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Interior

Peões trabalharam 10 anos sem banheiro ou água tratada em fazendas

Treze trabalhadores foram resgatados de condições degradantes em fazendas do Estado

Tainá Jara | 16/10/2019 16:41
Carne podre foi encontrada em casa abandonada utilizada como alojamento de trabalhadores resgatados em Caracol (Foto: Divulgação/MPT)
Carne podre foi encontrada em casa abandonada utilizada como alojamento de trabalhadores resgatados em Caracol (Foto: Divulgação/MPT)

Treze paraguaios e brasileiros foram encontrados em condições análogas a escravidão em duas propriedades rurais de Mato Grosso do Sul. Resgastes foram feitos no início deste mês e foi constatado que alguns peões viviam há mais de uma década sem banheiro ou água tratada, enquanto outros funcionários das mesmas fazendas contavam com condições de trabalho regulares.

Em fazenda no município de Caracol, distante 394 quilômetros de Campo Grande, seis trabalhadores de origens brasileira e paraguaia foram resgatados, após inspeção conjunta do MPT (Ministério Público do Trabalho), Superintendência Regional do Trabalho e Polícia Militar Ambiental. Um deles estava há 11 anos trabalhando na propriedade rural.

Conforme apurado pela reportagem do Campo Grande News, os trabalhadores migravam por diversas partes da propriedade conforme o trabalho que estavam fazendo. Durante o flagrante, eles trabalhavam na colocação de cercas. Vivendo em casas abandonadas e sem qualquer iluminação, eles dormiam sobre tábuas.

Os locais não contavam com água potável e, por isso, o rio servia tanto para consumo quanto para higiene pessoal. Além disto, animais também utilizavam o curso d’água para saciar a sede.

As irregularidades identificadas na fazenda Rodoserv IV, do empregador Amarildo Martini – sócio de grupo empresarial que conta com postos de alimentação, serviços e combustíveis em rodovias – apontam para graves violações de direitos humanos, inclusive com possíveis desdobramentos criminais.

Conforme relatório elaborado pela assessoria pericial do MPT, que acompanhou o flagrante, os trabalhadores recrutados para a construção de cercas eram submetidos a situações degradantes de higiene, acomodação, alimentação e segurança. A água utilizada para consumo, banho e preparo de alimentos era colhida de um córrego próximo à propriedade rural, por meio de recipiente antes usado no acondicionamento de defensivos agrícolas.

A carne que consumiam estava em estado de decomposição e era guardada em uma embalagem de lubrificante. Os empregados também executavam suas atividades laborais sem o uso de equipamento de proteção individual.

Além das quatro pessoas encontradas na operação ocorrida em 2 de outubro, outros dois trabalhadores ainda atuavam na fazenda Rodoserv IV, na produção e manutenção de cercas. A propriedade rural é utilizada para a criação de gados.

Colchonetes em que trabalhadores dormiam eram apoiados em tocos de madeira (Foto: Divulgação/MPT)
Colchonetes em que trabalhadores dormiam eram apoiados em tocos de madeira (Foto: Divulgação/MPT)

Carnes em varais - Outros sete trabalhadores foram resgatados da extração de madeira na fazenda Boa Vista, localizada no município de Bela Vista, distante 349 quilômetros da Capital. Destes, dois eram paraguaios.

Devido à indisponibilidade de alojamentos, eles improvisaram barracos com galhos de árvores e lona. Também não havia banheiros e o local de preparação de alimentos não contava com higiene. Sem energia elétrica, as carnes eram penduradas em varais expostos para secar e evitar o apodrecimento, sendo guardadas, depois, em sacolas. A água para beber, cozinhar, lavar roupas e utensílios era de um banhado perto do barraco, onde havia rastros de veículos.

Desdobramento - Em audiência realizada, no dia 4 de outubro, na sede do MPT em Campo Grande, o procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes propôs aos representantes do empregador de Caracol o pagamento das verbas rescisórias, calculadas com base no período de trabalho apurado na inspeção – já que não havia registro em carteira, e de dano moral individual correspondente a 50 salários mínimos para cada um deles, valor previsto na Lei nº 13.467/2017 para a reparação de lesões de natureza gravíssima, como o regime de escravidão.

Sem acordo, o procurador sugeriu, então, o pagamento dos últimos cinco anos, deixando o restante para litígio judicial. "Todavia, em nova consulta ao empregador, este preferiu a judicialização de toda a questão, até porque, o empregador informou que 'conhece o ministro da Economia'", informa a ata da audiência, da qual também participaram os auditores-fiscais do Trabalho Giuliano Gullo e André Otávio Pastro Kempf.

No caso dos resgatados em Bela Vista, o procurador Paulo Douglas Moraes não acompanhou os resgates – que aconteceram no dia 1º de outubro, mas presidiu a audiência administrativa que resultou em acordo para pagamento dos direitos trabalhistas devidos e de indenização por dano moral individual. O empregador havia contratado o grupo para retirar lenha de uma área que pertence a outra pessoa.

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