Não apresse o rio, ele corre sozinho
Alguns filósofos da Antiguidade nos convidavam a olhar para a terra, para os céus, para a lua e para as estrelas, buscando, na natureza, leis que, de alguma forma, também agiriam em todo o universo. Heráclito, por exemplo, é conhecido por sua ideia de que ninguém pode atravessar o mesmo rio duas vezes, já que ele é fluxo, movimento, devir. Mesmo se criássemos uma barragem e detivéssemos o curso do rio, não seríamos os mesmos ao decidirmos atravessá-lo pela segunda vez.
Aqueles que ainda se atrevem a observar a natureza conseguem perceber o quanto o fluir também faz parte do processo de crescimento das plantas, dos ciclos lunares, do girar das estações do ano e nos movimentos das ondas dos oceanos e mares. De longe, estabilidade. Bem de perto, movimento.
No Oriente, a ideia da impermanência da vida é apresentada como uma joia, ou seja, um ensinamento precioso que deve ser guardado com atenção. Tudo que existe, que vemos, tocamos, amamos e odiamos, certamente, deixará de existir. Por mais rápidos que sejamos, não conseguimos apanhar o presente que, delicadamente e instantaneamente, nos escapa e nos angustia.
A consciência da impermanência da vida pode nos trazer alguns aprendizados para tempos de tanta instabilidade externa, mas sobretudo dentro de nós mesmos. Na ânsia por controlar o destino, sofremos e corremos desesperados, em busca de uma bússola ou um manual de instruções que nos apontem um norte e uma direção a seguir. Perdemos a alegria e passamos noites em claro, imaginando cenários, nem sempre reais, mas quase sempre catastróficos, e nos angustiando com o futuro que construímos em nossas mentes. Como um náufrago, buscando algo ou alguém para nos agarrar, nos debatemos contra o fluir do rio que insiste em seguir passando.
Talvez, um dia, descobriremos que o rio não corre porque o empurramos e que ele, assim como a vida, tem seus ritmos e mistérios, diante dos quais, nos resta apenas a contemplação e a perplexidade. Assustados, diante da grande descoberta do fluir da vida, poderemos entender que podemos parar, silenciar e parar de tentar apressar o rio ou de direcionar as águas para o mar dos nossos desejos.
Alguns chamam isso de fé. Eu prefiro chamar de entrega e ela exige humildade e reconhecimento da nossa humanidade. Somos limitados e, ao mesmo tempo, parte dessa dança cósmica, bailada coletivamente, com outras pessoas, plantas, animais e uma infinidade de seres, em um ritmo delicado e constante. Fluxo de rio: calmo, sereno, mas sempre em movimento.
Guimarães Rosa, poeta dos sertões e veredas da vida, nos ensinou a não temer a jornada da existência e nos convida a seguir para a terceira margem do rio: “Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio afora, rio adentro — o rio”.
(*) Alberto Mesaque Martins é Psicólogo, Doutor em Psicologia. Professor da UFMS.