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Artes

Cartas de amor dos anos 50 viram filme e cineasta procura casal protagonista

Naiane Mesquita | 01/07/2015 06:34
Cena do curta-metragem "Espero que esta te encontre" baseado em uma história de amor descoberta por meio de cartas da década de 50 (Foto: Reprodução)
Cena do curta-metragem "Espero que esta te encontre" baseado em uma história de amor descoberta por meio de cartas da década de 50 (Foto: Reprodução)

A letra delicada no verso do envelope indicava o endereço: rua do Ouvidor, 28, 2º andar, Rio de Janeiro. Todos os meses, uma carta carregada de saudades era entregue no prédio. A remetente, uma jovem campo-grandense chamada Lúcia, descrevia naquelas linhas, hoje amareladas, um pouco do cotidiano para o seu amado. Sempre contando os dias para reencontrá-lo.

Meio século depois, todos os 110 envelopes de Lúcia ao noivo Oswaldo repousavam em uma banca da Feira da Praça XV, na capital carioca. Reunidos em uma sacola e prontos para ir ao lixo, os papeis foram encontrados por uma equipe de cinema, ávida por um material útil que combinasse com o filme da vez. Encantados pelo material tão bem conservado, os profissionais apostaram naquela história de amor e levaram tudo para as telas.

Um trecho de uma das cartas que deu origem a toda a procura de Natara.
Um trecho de uma das cartas que deu origem a toda a procura de Natara.

Alguns trechos foram recortados e usados no filme, que deu origem à procura, "O Vendedor de Passados". O "resto" serviu de pista para uma diretora que não conseguia dormir sem saber o que virou daquela história de amor tão bonita.

"Aqueles envelopes foram preservados de alguma forma durante todo esse tempo e não sabíamos como. E eu simplesmente não podia deixar isso para trás", afirma Natara Ney.

A pernambucana que mora há 20 anos no Rio de Janeiro já tinha no currículo alguns filmes e teve a ideia de transformar a procura por Lúcia e Oswaldo em um curta-metragem. Guardou as cartas que havia devorado com rapidez e emoção e se inscreveu em um edital.

"Tudo estava ali. A saudade, a preparação para o casamento, ele no Rio de Janeiro, ela no então Mato Grosso, cartas que foram enviadas durante dois anos, em 1952 e 1953", relembra a diretora. Natara precisava descobrir o que havia acontecido após a última frase da última carta: Eu estou esperando você para a gente casar.

"Fiquei louca, precisava saber o que tinha acontecido com os dois. Não tinha ideia se eles tinham se casado, ficado juntos, na verdade tudo que eu queria era contar essa história, devolver as cartas, talvez à família, aos filhos, buscar uma explicação do porque elas foram parar no lixo. Eram muitas perguntas", diz Natara, sem esconder nem por um segundo a empolgação.

O envelope com o endereço de Oswaldo no Rio de Janeiro.
O envelope com o endereço de Oswaldo no Rio de Janeiro.

Emocionada, ela conta que pisar em Campo Grande a primeira vez em busca de todas essas respostas foi como viajar em uma máquina do tempo. "Na minha imaginação eu via Campo Grande na década de 50. As casas cobertas com a poeira vermelha como ela descrevia. Os poucos carros na rua, as ruas de chão, o relógio da 14 de julho, ainda nessa rua", exemplifica.

Em contato com os profissionais de cinema de Campo Grande, Natara diz que não tem palavras para agradecer a ajuda que teve. "Entrei em contato com o Rodolfo Ikeda que trabalha no Museu da Imagem e do Som daí, os historiadores do Instituto Histórico de Campo Grande, pessoas que me ajudaram muito, que se abriram para o meu projeto", acredita.

Para ela, a história de Lúcia e Oswaldo em algum momento se tornou a história de Campo Grande e foi impossível conter o envolvimento. Pergunto se a ferrovia Noroeste do Brasil contribuiu para a união do casal e a diretora confirma.

"Tem na cidade, tem a ver com a ferrovia, na época era uma cidade em pleno desenvolvimento, que via o fluxo na 14 de julho crescer, os cinemas eram pontos de encontro, as praças os lugares onde todos se viam. Essa vida fora de casa, nos clubes, no Rádio Clube. Um mundo diferente, de paquera, do olhar, de tudo ainda ser inocente", recorda.

Natara ressalta que até hoje, o que a mais emocionou em todo o percurso foi perceber como as pessoas abriram os seus corações ao ler as cartas de Lúcia.

"Quando eu citava as cartas, lia trechos, elas se emocionavam muito, começavam a contar as suas histórias pessoais, de músicas, de sentimentos, de pessoas, mexia com a memória de cada pessoa, era um leque de material tão maravilhoso, não sabia se eu ria ou se eu chorava".

Os historiadores Hildebrando Campestrini e Heitor Freire durante as gravações.
Os historiadores Hildebrando Campestrini e Heitor Freire durante as gravações.

Ali estava a história não só de Lúcia ou Oswaldo, mas de Campo Grande. O curta-metragem foi finalizado e entregue este ano ao Governo do Rio de Janeiro, responsável pelo edital, com o nome de "Espero que esta te encontre e que estejas bem", frase que começava quase todas as cartas de Lúcia.

Mesmo assim, após conselhos de diretores e material suficiente para um longa, Natara resolveu continuar a pesquisa, até porque, o casal ainda não foi encontrado.

"Tudo que consegui foi uma cunhada. Ela me disse que eles casaram no dia 31 de dezembro e no mesmo dia foram embora para o Rio de Janeiro. Agora tenho a última cena para gravar, onde acreditamos morar o casal. É uma surpresa para todo mundo e preferimos deixar para o momento", diz.

Como o documentário foi gravado com as histórias e as reações das pessoas na hora em que as cartas são apresentadas, Natara não procurou descobrir se o endereço está correto. "Acredito que em 30 dias vamos ver. É um filho para mim, estou tão ansiosa. Estamos demorando porque preciso de mais investimentos para continuar a nossa busca".

Para ela, independente do final, o caminho já foi maravilhoso. "Foi incrível conhecer Campo Grande, perceber que alguns elementos históricos estão preservados, que tem muita coisa no seu lugar. A única coisa que me deixou triste foram os cinemas de rua fechados. Eles faziam parte da história da população, desses casais. É uma pena".

Os portões que separavam e uniam ao mesmo tempo os enamorados da década de 50.
Os portões que separavam e uniam ao mesmo tempo os enamorados da década de 50.
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