Cinema construído na década de 40 é recuperado e lembra histórias de amor
Encontrei seu Victor em um mercado antigo da região. A prosa era sobre o movimento do comércio na fronteira de Bela Vista e Paraguai, mas no decorrer da conversa enveredamos para outro rumo.
"Nascido e criado" na cidade, como ele mesmo faz questão de afirmar, o comerciante foi um dos apaixonados pelo Cine São José, o antigo cinema do município, que encantou gerações na década de 40.
Foi nessa época que seu Victor Félix Rojas, hoje com 65 anos, viu pela primeira vez o poder da sétima arte. "Eu era criança, adolescente, cresci assistindo filme nesse cinema. O primeiro foi O Zorro", relembra, em uma gargalhada.
Quando criança, Victor engraxava sapatos na praça em frente ao cinema, que fica na rua Antônio Maria Coelho. Nessa região há um centro histórico de Bela Vista, em que cada cantinho da quadra parece contar uma história diferente da cidade que viu a guerra e a paz entre Brasil e Paraguai.
Bem em frente a praça, ao lado da rádio local e do Bar Bossa Nova, que o Cine São José foi construído. Erguido a mando de um empresário da região, Gotte Lippo Nunes, que é homenageado no atual nome do espaço, o cinema foi idealizado pelo engenheiro Luiz Louzinha.
Segundo os relatos históricos, o primeiro filme exibido foi "Os Miseráveis", a obra clássica do escritor francês Victor Hugo, que até hoje ganha adaptações para a telona e emociona muita gente.
O Cine São José tem inspiração em art déco, sendo a fundação de pedra e alvenaria estruturais de tijolo maciço revestido de argamassa. As aberturas são de quadros e vedos de madeira e vidro. A cobertura é feita com estrutura de madeira e telhamento metálico. Luiz, o responsável pela construção, na verdade também aparece em outras obras, como do Paço Municipal e da igreja de Santo Afonso.
Reza a lenda que todos os 297 lugares eram preenchidos diariamente pela comunidade. "Era todo domingo a nossa diversão. Foi lá que eu levei a minha mulher para sair, em uma matinê, depois a gente tomava picolé no Bar Bossa Nova", afirma seu Victor.
A mulher dele, Jandira Sena Rojas, 65 anos, desconversa. "Não era bem assim não.. Esse Victor fica contando as coisas para a moça, sempre foi terrível", brinca. Jandira é tão simpática quanto Victor, mas não gosta de fotos. "Só minhas netas gostam, uma delas então, vive tirando fotos", diz.
Casados há mais de 40 anos, os dois acreditam que muitos namoros começaram ali no Cine São José. "Era lindo o cinema e a paquera era diferente. O pessoal saia do cinema e ia para o bar, sempre tinha festas também", explica Jandira.
Mesmo com tanta história, o cinema acabou fechando na década de 70. Assim como na maioria do interior do Estado, os redutos da sétima arte foram esquecidos e enterrados com o desenvolvimento, substituídos por conglomerados internacionais.
A restauração viria em 2006 com apenas a fachada do prédio em estado original. A maioria da estrutura caiu antes da ajuda chegar.
O local recebeu novos estofados, uma proteção em madeira, que hoje sofre com o mofo, e um espaço onde funciona a Secretaria Municipal de Turismo. De acordo com a secretaria, a administração está em busca de investimentos para uma nova revitalização.
