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Artes

Cinema fechou as portas e ex-lanterninha recuperou do lixo filmes históricos

Thailla Torres | 23/07/2016 07:05
Acho no lixo e recuperou imagens que tem valor histórico para o Estado.  (Foto: Marina Pacheco)
Acho no lixo e recuperou imagens que tem valor histórico para o Estado. (Foto: Marina Pacheco)

Aos 61 anos e craque no que diz respeito à história do cinema em Campo Grande, Adão Mathias nem imaginava que encontraria no lixo algo que pode ser chamado de tesouro. Em 1977, em uma fachada da Rua Dom Aquino, onde funcionava o antigo cinema Santa Helena, ele encontrou no latão rolos e mais rolos de filmes. No impulso levou para casa o que foi descartado pelo cinema que tinha acabado de fechar as portas. 

Mesmo sem se dar conta do tempo ou da importância histórica daqueles documentos, Adão guardou o material por curiosidade. "Peguei sem ideia e nunca imaginei que poderia ser útil. Só guardei de curioso, eu imaginava que seria algo sobre a construção de uma TV na cidade. E naquela época não tinha ideia de preservação de arquivo e nem o que aquilo significaria para a história", confessa.

Adão era funcionário do Santa Helena e quando ficou sem emprego, teve de arrumar vaga em outro cinema de Campo Grande. Naquele tempo, eram poucos os aparelhos de TV e as salas pela cidade eram pontos de encontro, diversão e romances.

Todo processo de recuperação foi feito por Adão na década de 70. (Foto: Marina Pacheco)
Todo processo de recuperação foi feito por Adão na década de 70. (Foto: Marina Pacheco)

Pensando que o material recolhido na rua poderia servir para o concorrente, Adão até pensou em passar adiante os rolos de filmes. "Acabei levando para o outro cinema que eu estava trabalhando, ofereci para o gerente que afirmou que aquilo não prestava", conta. 

Quando resolveu desvendar o que estava gravado, Adão se surpreendeu pelo conteúdo que mostrava um pouco das personalidades e acontecimentos históricos da cidade e do antigo Mato Grosso uno. 

Os filmes são de autoria desconhecida, mas ele suspeita que foram produções pagas, porque mostram os trabalhos feitos pelo governo da época. As imagens tem a inauguração do Estádio Morenão e outras obras do governo de Pedro Pedrossian, entre os anos de 1966 a 1971, como a inauguração do asfalto da Avenida Fernando Corrêa da Costa, além de comemorações do aniversário de Campo Grande. 

"Na época era obrigatório exibir estes documentários nacionais antes de cada filme americano. Caso contrário, o cinema era obrigado a pagar multa. Depois disso não era preciso devolver os filmes e por isso eles acabaram jogados e armazenados de qualquer jeito em algum canto", conta. 

Por conta disso, boa parte do material estava apodrecendo e se deteriorando. Para que nada se perdesse por conta do tempo, Adão decidiu sozinho recuperar os filmes ou, pelo menos, o contéudo deles.

Sem muita tecnologia, ele fez tudo a mão, usando uma câmera VHS. "Como eu trabalhava no cinema, projetei o filme em um papel cartolina preto, enquadrei, captei o áudio e gravei com a VHS. Depois de alguns anos eu passei para o DVD.Foi a maneira que eu encontrei de salvar aqueles filmes. Mesmo achando que não teria utilidade nenhuma", pontua. 

Com o passar dos anos e após começar a trabalhar em uma emissora de televisão, Adão passou a acreditar que o lixo na verdade é um grande tesouro. "Eu vi que tudo aquilo que se perdeu e que pouco que eu guardei serve para ver como Campo Grande era e como se transformou em cidade", conclui.

Os filmes são todos em preto e branco, as imagens revelam autoridades, momentos e comemorações. Em uma das gravações é possível ver a comemoração pelos 71 anos de Campo Grande, com uma corrida de "calhambeques envenenados", que tinha como cenário a Rua Marechal Teódoro. 

"Era o tempo do militarismo, por isso em todo evento, sempre havia a presença de um militar" comenta. 

Personalidade - O primeiro contato de Adão com os filmes foi como lanterninha e faxineiro. Depois se tornou porteiro e um dia, quando faltou um operador, foi o momento de aprender a colocar o filme para rodar.

Os tempos de romance fazem falta. "O que eu sinto quando passo na frente dos lugares que já foram cinema é saudade né... Trabalhei muitos anos. Ainda lembro que toda sexta-feira tinha exibição de filmes japoneses e aos domingos eram exibidos seriados, o que sempre fazia as pessoas voltarem para acompanhar os episódios", comenta. 

Adão relembra também das exibições que faziam sucesso e formavam filas em frente as salas de cinema. "Os filmes que mais marcaram foram 'Os Embalos de Sábado a Noite', 'Romeu e Julieta', 'Grease -Nos Tempos da Brilhantina' e 'Menino da Porteira'", relembra sorrindo. 

Adão foi diretor, programador de aúdio, editor e trabalhou na TVE durante 29 anos, onde se aposentou. "Foi ali que eu comecei a dar valor nas coisas históricas. Durante muito tempo eu carregava a ideia de que quem gosta de coisa velha é museu, mas hoje acredito que isso tem algum valor histórico. Mesmo que fossem documentários pagos, tem imagens que fazem parte da história e lugares que as pessoas nem imaginam com eram", concluí. 

Agora, ele volta à TVE, mas em frente as câmeras, apresentando bloco sobre histórias do cinema no programa Cult.e

Abaixo, alguns fragmentos dos documentários que mostram obras inauguradas na Capital e que foram salvos por Adão Mathias. 

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