ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUARTA  24    CAMPO GRANDE 20º

Comportamento

Alice não tem medo de cidade pequena e voltou pra casa para viver como trans

Em Aparecida do Taboado ela assumiu ser mulher, depois de crescer sendo tratada como homem

Ângela Kempfer | 20/09/2017 06:20
Alice hoje tem 27 anos, mas o nome só tem 2 anos.
Alice hoje tem 27 anos, mas o nome só tem 2 anos.

Alice cresceu com o nome de homem, mas a certeza de que é mulher. Quando decidiu assumir isso para o mundo, não se escondeu em grandes cidades, longe de casa e das pessoas conhecidas. Voltou para o interior, na pequena Aparecida do Taboado e, ao lado da família, conseguiu nascer pela segunda vez. Como esse processo ocorreu, ela relata agora no Voz da Experiência.

Alice a irmã e o pai, que sempre a apoiou.
Alice a irmã e o pai, que sempre a apoiou.

Me chamo Alice, mas este nome me veio à vida há quase dois anos. Ele ainda não consta em nenhum documento - mas faço questão que me chamem assim e quem sou não está aberto a debates. Além de inúmeras referências, Alice é um nome que escolhi por ser suave. O tal nome de batismo deixarei para a imaginação de cada um...

Apesar de hoje reivindicar a Alice que de fato sou, ainda existe muito afeto pelo outro nome que para muitos fui. Talvez para muitas pessoas transexuais - como eu-, libertar-se de toda a vida que o mundo dizia ser certa, e viver realmente em conformidade com quem somos é a possibilidade de um recomeço para que finalmente venham os acertos.

Formada pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul em ArtesVisuais, com uma especialização em arte e cultura, desde o término da graduação em 2011 nunca tive um emprego formal na minha área. Sou artista de corpo e alma, mas nunca consigo sobreviver de arte. Vagas que antes existiam misteriosamente são preenchidas por profissionais de outras competências, sem o mínimo de respeito à minha capacidade intelectual e profissional. Descaso? Política? Pré-conceito? Discriminação? Respondo com sinceridade: não sei.

Sei como é necessitar de dinheiro para poder fazermeus tratamentos para amenizar minhas disforias e, não ter oportunidades de trabalho. Graças ao universo venho de uma família que me acolhe e me ajuda no que for necessário. Eu me recuso a ser um dado tristefadado às mulheres transexuais: o da prostituição compulsória.

Alice (fundo) mãe e irmã. A mãe sempre foi o porto seguro dela
Alice (fundo) mãe e irmã. A mãe sempre foi o porto seguro dela

Em termos de estatística, até sou uma privilegiada, tenho minha família próxima a mim, terminei meus estudos na escola, cursei uma gradução em uma instituição federal e até especialização consegui finalizar. Mas nem todo esse privilégio me protege da transfobia e misoginia e, assim como todos, tenho direito a uma vida plena com dignidade, respeito e afeto.

Na minha cidade natal foi onde levei os maiores socos da vida, a infância e adolescência foram momentos terríveis, as pessoas não são boas com aquilo que julgam ser diferente. Os piores foram os homens e meninos nas ruas, na escola, no banco, na padaria, no mercado, na praça ou em qualquer lugar que eu estivesse fora da minha casa. Era sempre um risco de um xingamento, uma lata nas costas, um pé para me derrubar no chão, uma ameaça, ou, uma proposta perturbadora de sexo nas caladas e sombrias madrugadas.

Mas, apesar de todo esse transtorno, escolhi retornar à Aparecida do Taboado para iniciar aquilo que popularmente conhecemos como transição de gênero. Decidi ficar perto daquilo que me é seguro, estável e afetuoso (por haver muitos medos e inseguranças), escolhi minha família, meu lar.

Com eles venho aprendendo e ensinando sobre como é possível ser uma mulher transexual, numa cidade pequena (de família com preceitos cristãos de origem caipira de um lado e japonesa do outro) e, principalmente, como é possível viver com harmonia nos laços familiares. À minha família há uma eterna gratidão e à minha cidade uma esperança de que possa evoluir e crescer para as diferenças e proporcionar um lugar seguro e cheio de vida a quem vive por lá, para que possamos encontrar lá, além de toda beleza natural dos rios, uma beleza humana que aprendi ser possível dentro da minha família.

Confira o trabalho de Alice em sua página no Facebook.

Acompanhe o Lado B no Facebook e no Instagram.

Nos siga no Google Notícias