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Comportamento

Desespero em busca de bebida levou Pedro ao extremo de tomar etanol com suco

Thailla Torres | 17/03/2018 07:10
Carlos* é um alcoólico em tratamento e busca no AA (Alcoólicos Anônimos), forças para evitar o primeiro gole.
Carlos* é um alcoólico em tratamento e busca no AA (Alcoólicos Anônimos), forças para evitar o primeiro gole.

O Lado B abre o espaço do Voz da Experiência para gente que vive cada dia como se fosse único. No grupo Alcoólicos Anônimos buscamos histórias de pessoas que resumem o desafio de dominar a compulsão em uma frase: "Só por hoje". E o que não falta é sobrevivente de uma droga considerada lícita e valorizada como símbolo da liberdade. O primeiro relato é forte, como todos os de pessoas que fizeram loucuras pelo álcool. Como no AA a principal regra é preservar o anonimato, vamos usar nomes fictícios.

Pedro, de 48 anos, é pai e avô. Ele perdeu a família, a autoestima e tudo o que tinha para a bebida. Começou a beber cachaça na adolescência, de um jeito cada vez mais comum nos dias de hoje, dentro de casa, com apoio da própria família. Na etapa mais desesperadora, chegou a tomar etanol com suco e hoje completa 90 dias sem colocar uma gota de álcool na boca.

"A última vez que bebi foi etanol, comprado em posto de gasolina", diz
"A última vez que bebi foi etanol, comprado em posto de gasolina", diz

Há 90 dias estou sem colocar álcool na boca. A última vez que bebi foi etanol, comprado em posto de gasolina. Bebia misturando com água e suco, porque o dinheiro para comprar o corote acabou. Cheguei ao extremo, mas nem me recordo da última vez que meu corpo foi capaz de sentir dor por me embriagar desse jeito.

Vivia nas ruas, sempre bêbado e drogado. Cada dia é um novo passo longe da bebida, mas não é fácil. Se engana quem acha que ter problema com bebida é capaz de sair dele sozinho, isso não existe.

Desde os 13 anos bebo e uso drogas. Foi o meu pai que me deu o primeiro gole, em um restaurante, quando estávamos viajando para visitar um dos parentes da minha mãe. Naquele tempo, filho que homem de verdade tinha que beber cedo, uma besteira que até hoje leva muitos filhos ao vício cedo demais.

Estava cheio de polícia no restaurante na época, mas meu pai era o comandante das viaturas e nisso serviu meu primeiro copo de pinga. Aquele dia eu embebedei. No dia seguinte ele me deu pinga novamente. 

Meu pai bebia todos os dias e todo domingo, no almoço de família, ele tinha o costume de servir um copo de cerveja para cada filho beber com ele. Autoritário, ninguém podia mexer na comida antes que ele chegasse, mas quando completei um ano de bebedeira, eu passei a não aceitar as regras dele dentro de casa. Aquele foi o primeiro atrito que tive com o meu pai e nunca mais a gente se deu bem.

Naquele tempo, eu já tinha um desvio para coisas erradas. Mas conseguia estudar e isso matava o meu pai de raiva. Até que um dia ele resolveu cortar os estudos e eu roubava as balas do revólver dele para comprar bebida.

Depois de um tempo bebendo, veio a droga. A primeira que usei foi cocaína, antes de ir para uma festa porque já estava bêbado. Um amigo colocou o pó em um prato e me deu para cheirar. Naquela hora, a droga me dominou e eu nunca mais parei.

Quando meu pai me tirou dos estudos, voltei a estudar por conta própria. Depois passei em um concurso e fui trabalhar em um banco. Mas a bebida não me deixou trabalhar por muito tempo. Chegava ao trabalho embriagado e fui demitido por justa causa. 

Tinha 19 anos, minha mãe já tinha separado do meu pai enquanto ele dizia que se me pegasse drogado na rua, ia me matar. Até que minha mãe morreu com um derrame e eu sai de casa, virei mendigo. 

Decidi ir embora para a São Paulo e meu primeiro destino foi a Cracolândia. Lá fiz coisa que muita gente nem imagina, usava todo tipo de droga, bebia muito e me relacionava com as mulheres sem nenhum cuidado. Foi o destino ou Deus, não sei, que me livrou de uma doença incurável.

Mensagem: evite o primeiro gole. Lema dos membros do Alcoólicos Anônimos.
Mensagem: evite o primeiro gole. Lema dos membros do Alcoólicos Anônimos.

De São Paulo eu fui para Florianópolis, procurei ajuda e sai das drogas. Foram três anos até a primeira recaída que me fez perder tudo de novo. De lá, eu vim para Campo Grande, onde conheci o tráfico porque não tinha mais forças para trabalhar.

Vendendo drogas consegui algumas coisas, cheguei até ostentar. Mas fui preso e condenado. Fiquei 13 anos e um mês na Penitenciária de Segurança Máxima até ser liberado, em 2012. Mas sai de lá sem um dinheiro no bolso, mendigando e voltei para às ruas. O primeiro contato foi com a bebida, depois veio as drogas e assim eu fiquei mais anos na rua.

A que ponto cheguei pelo álcool? Assalto. Isso é a coisa que mais me dói de falar. Tirei das pessoas para sustentar o meu vício, fiz um mal para os dois lados. Eu ia até as últimas consequências. E sei que ainda vou, porque sou um doente, um alcoólico em tratamento. Não venci a bebida.

Eu sei que se eu não continuar o meu tratamento, volto para às ruas e faço tudo de novo. Sem pensar em nada. Detonei meus dentes, perdi a autoestima e envelheci pelo menos uns 40 anos. O álcool e as drogas detonam. Só que o mais importante é saber disso.

O grande problema é que eu achava que podia parar de beber quando quisesse. Mas a gente não consegue. Por isso, todo dia é um luta, cada 24 horas sem beber é a chance que eu tenho de ser alguém melhor, mas sem me esquecer que não posso nem me dar ao luxo de beber um pouquinho. Um alcoólatra não pode beber nada.

Se o meu pai não tivesse me dado aquela pinga na adolescência, talvez hoje eu nem gostasse da bebida ou pelo menos tinha consciência do que ela seria capaz de fazer comigo. Mas tanto tempo depois, o álcool tira essa consciência, a única coisa que fica é a vontade de ser melhor.

Quem quiser conhecer e participar do AA, deve entrar em contato com o grupo pelo telefone (67) 3383-1854

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