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Comportamento

No Corcel 1979, Izaltina teve vida de aventuras, sem depender de ninguém

A professora aposentada sempre foi apaixonada por carros e pela liberdade da estrada.

Kimberly Teodoro | 23/03/2019 08:25
No dia 10 de Julho e com 114 mil km rodados, o Corcel 2 1979 completa 40 anos (Foto: Paulo Francis)
No dia 10 de Julho e com 114 mil km rodados, o Corcel 2 1979 completa 40 anos (Foto: Paulo Francis)

Com um sorriso tímido para a câmera e cheia de histórias para contar, Izaltina Scanzani, aos 75 anos diz que nunca se casou ou teve filhos. Mas a professora se orgulha por ser uma mulher independente e sem arrependimentos. Encantada por carros desde criança e apaixonada pela liberdade do ir e vir sob quatro rodas, ela guarda em Campo Grande o único companheiro de aventuras que nunca a deixou na mão. “Todo original”, com bancos de couro intactos, pintura “azul calcinha” e com 114 mil km rodados, o Ford Corcel II 1979 completa 40 anos no dia 10 de julho.

A professora ainda se lembra da primeira vez que se sentou atrás do volante do Jipe do pai aos 10 anos de idade. Aprendeu a dirigir sozinha, depois de muito observar os mecanismos responsáveis por colocar o carro em movimento. “Eu peguei o Jipe ainda criança e saí por uma estrada de areia em que a altura quase cobria a roda”, relembra. Motorista nata, ela conta nos dedos as três únicas vezes em que bateu o carro, raramente por descuido próprio.

Aventureira, nem os 7 anos como interna em um colégio de freiras em Dracena, sua cidade natal, foram capazes de empurrar para Izaltina o papel de esposa e mãe que as mulheres eram “treinadas” para desempenhar na época. “Meu pai desde nova dizia: Você não vai casar, porque você não tem estômago e nem espírito para aguentar ninguém. E é verdade, eu sempre fui muito independente, gostava de viajar de carro e não tinha medo. Meu cunhado, que era caminhoneiro, vivia dizendo que as estradas eram perigosas, que não deveríamos parar na estrada, mas nunca nos aconteceu nada e parávamos até parar tirar foto”.

O Corcel "azul calcinha" nunca precisou de uma camada de tinta ou teve qualquer peça original substituída (Foto: Paulo Francis)
O Corcel "azul calcinha" nunca precisou de uma camada de tinta ou teve qualquer peça original substituída (Foto: Paulo Francis)
Impecável inclusive por dentro, os bancos de couro estão intactos (Foto: Paulo Francis)
Impecável inclusive por dentro, os bancos de couro estão intactos (Foto: Paulo Francis)

Ao longo de uma vida dedicada à educação de crianças do primário, Izaltina nunca sentiu falta de ter os próprios filhos e não se arrepende nem por um momento das escolhas que fez. Quando questionada sobre os motivos, a resposta da senhora que sempre valorizou a própria liberdade é leve e vem acompanhada de um riso solto: “Nunca me casei porque nunca soube escolher homem, há quem dê sorte, mas eu nunca liguei para isso. Se é para ter trabalho, é melhor nem casar”.

Desapegada, ela não diz não ter sobrado muitas fotos dos anos de juventude, mas conta com precisão os modelos e anos dos carros que precederam o Corcel II. “Em 1968, eu tive o meu primeiro carro, um volkinho vermelho 1300 que era de um médico. Depois, em 1971 eu comprei um fuscão 1500 que ficou comigo até 1973, novinho que eu troquei por um Corcel amarelo do mesmo ano, o rapaz ficou com o meu carro um tempão e eu troquei em 1979 pelo Corcel II que custou 150 mil cruzeiros e que está comigo até hoje”.

Na época do “fuscão”, ela relembra um viagem feita ao lado de uma amiga para o Rio Grande do Sul e na qual chegou quase até a borda do País, interrompendo a viagem há 100 km do Chuí. Tanto a ida, quanto a volta foram cheias de emoção. Izaltina relembra que por causa das chuvas intensas o retorno levou mais que o planejado, depois do rio carregar uma ponte na estrada principal .

Com orgulho, a professora mostra o motor "limpo" e com a manutenção em dia (Foto: Paulo Francis)
Com orgulho, a professora mostra o motor "limpo" e com a manutenção em dia (Foto: Paulo Francis)

A segunda viagem marcante para Izaltina foi a jornada até a Bahia, na companhia de outras quatro amigas e que levou um mês inteiro dentro do carro, um Chevette, de uma das viajantes. “Quando eu já estava cansada de dirigir, a dona do carro disse que iria assumir o volante um pouco, como eu estava com sono, deixei. Tinha uma obra na estrada, pouco depois de uma subida e a sinalização foi colocada na parte baixa, não dava para ver de longe. Na nossa frente, vinha um Galaxy correndo, ele não viu a sinalização e freou com tudo, a minha amiga também veio correndo atrás e, sem tempo de frear, bateu de leve no carro da frente. Foi a última vez que não dirigi”.

Já a primeira aventura ao lado do Corcel foi de Dracena até Dourados. “Eu adoro isso, só não estou dentro de um carro agora, porque minha coluna já não permite e a perna direita, a da embreagem, dói”. Ainda assim, ela não cogita se desfazer do Corcel “azul calcinha”, que prefere manter na garagem a ter de vender para alguém que não vai destinar ao veículo tantos cuidados como ela.

Sem rachaduras ou arranhões, o estado carro saiu da fábrica há 40 anos, mas quase parece novo (Foto: Paulo Francis)
Sem rachaduras ou arranhões, o estado carro saiu da fábrica há 40 anos, mas quase parece novo (Foto: Paulo Francis)

Zelosa, ela reclama da dificuldade em encontrar bons mecânicos para cuidar da manutenção do Corcel. “Já aconteceu de eu levar em um lugar para trocar uma peça do câmbio e ele amarrou com um arame, e era uma amigo meu que eu conhecia lá de Dracena. Eu quero conversar, quero manter as peças originais”.

Além do carro, Izaltina é dona de um toca disco de 1983, com o verniz ainda brilhante e com discos de música clássica que enchem a casa com as melodias favoritas da senhora e funciona perfeitamente até hoje. A TV do mesmo ano, só foi substituída quando o sinal analógico foi desativado e nenhuma adaptação conseguiu resolver o problema. Entre os tesouros, estão inclusos a máquina de lavar e o fogão vermelho de ferro, mas além do carro, o carinho é dedicado à máquina de escrever que ganhou do pai na época em que ainda dava aula. “Tive sempre do bom o do melhor, mas sempre soube valorizar e aprendi com o meu pau a ser cuidadosa com todas as minhas coisas.”

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