Com berimbau e capoeira, comunidade quilombola festeja posse definitiva da terra
O som do berimbau, o calor das palmas e a emoção das vozes. Os olhos estavam atentos aos movimentos precisos e expressivos. Mesmo dentro de um espaço pequeno, a Capoeira rolava solta.
No início da tarde de hoje era o embalo do berimbau que marcava a abertura da entrega de título definitivo à comunidade quilombola Chácara do Buriti, pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Nervosismo de uns, que pelo sentimento mal conseguiam falar ao microfone e alegria de ver um sonho realizado. A comunidade tem mais de 100 anos de história, está localizada na BR-163, próximo a Anhanduí, distante 27 quilômetros da Capital e hoje é formada por 87 pessoas de 26 famílias. Mas que no fim das contas resulta em uma só, todos descendentes de João Antônio da Silva.
A bisneta dele era a que não escondia a emoção. Presidente da Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Lucinéia de Jesus Domingos Gabilão, 29 anos, tem agora nas mãos, o título definitivo das terras.
“Ele viveu a semi-escravidão. Teve contato com ex-escravos então tinha noção do que era não ter pedaço de chão. O sonho era deixar terra para os filhos e ele conseguiu”, descreve.
O reconhecimento, para a presidente, vai favorecer todos. “Vai aumentar a quantidade de verduras e também de famílias. Já tem seis que estão com a intenção de voltar”, comenta.
O direito ao título definitivo veio pela Constituição de 1988, que possibilitava o reconhecimento da propriedade quilombola. O processo da Chácara do Buriti começou em 2004 e tramitou até então, passando por relatórios antropológicos e técnicos que indicaram 43 hectares de terra e até desapropriação de uma parte e pagamento de indenização.
Nesta sexta-feira, completou 124 anos e 19 dias da abolição da escravatura. Em anos, o superintendente Celso Cestari contabiliza 35 de trajetória e a terceira vez à frente do Instituto em Mato Grosso do Sul.
O que ele descreveu não era da boca para fora. Cestari agradeceu ao empenho dos funcionários e contou que quis que o reconhecimento fosse dentro do Incra por considerar como marco.
“Isso é muito forte para a gente. Eu tenho 35 anos de trabalho e achei que não fosse mais me emocionar com nada. Mas estou. É um momento muito especial em que a gente se sente representando a sociedade no resgate social de uma dívida impagável”, declara.
Na prática, a comunidade passa agora a ter crédito diferenciado por meio de programas federais, assistência técnica do Incra e segurança jurídica.
Otacílio Pedro de Arruda, 88 anos, era o morador mais velho da comunidade presente hoje na entrega do título. “Firme e forte. Quero trabalhar, mas a vista não deixa”, brinca quanto à idade.
“Seo” Otacílio é genro do fundador da Chácara do Buriti. Hoje tem tataraneto, para quem passa o sentimento de vitória ao conseguir o reconhecimento da terra. “Agora estamos contentes, pode trabalhar lá sossegado. Antes era sofrido, queriam tirar a gente de lá e por na rua. Agora não tem preocupação”.
Segundo o superintendente existem 16 comunidades identificadas como quilombolas em Mato Grosso do Sul. No próximo dia 15, é a vez do berimbau tocar em Maracaju, quando a comunidade negra quilombola de São Miguel recebe o título.
As demais comunidades estão distribuídas em Pedro Gomes, Sonora, Rio Brilhante, Dourados, Aquidauana, Nioaque, Corumbá, Miranda, Bonito, Rio Negro e Terenos.