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12 motivos para pais pensarem sobre a lei que penaliza alunos na escola

Ana Maria Assis (*) | 03/07/2016 15:46

O Projeto de Lei 219/2015, conhecido como “Lei Harfouche” torna obrigatória a implementação de penalidades para reparar danos causados no ambiente escolar. Fato é que, embora pareça inofensivo e até benéfico, por conta da forma que a imprensa divulgou esse projeto de lei, as coisas não são bem assim. E a prejudicada, como sempre, vai ser a classe menos favorecida.

Vamos aos 12 motivos pelos quais você deve ser contra, ou ao menos pensar a respeito desse projeto de lei se seu filho for estudante da rede pública:

1 – Ninguém está dizendo que o adolescente que comete alguma infração na escola ou fora da escola não deve ser responsabilizado. Ele é sim responsabilizado, mas no âmbito da Justiça e com todas as garantias às quais todos têm direito.

De acordo com a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, artigo 35, o adolescente não pode receber tratamento pior do que aquele conferido a um adulto. Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê as formas de responsabilização do adolescente, as medidas socioeducativas, as quais incluem prestação de serviços à comunidade e até privação de liberdade em Unidade Educacional de Internação (Unei).

2 – O primeiro artigo do Projeto de Lei 219/2015 diz que a escola poderá aplicar atividades como PENALIDADE aos alunos.

Mas conforme o artigo 5º da nossa Constituição Federal, é proibido “tribunal de exceção”. Ou seja, só a Justiça pode aplicar pena, sendo que a criança e o adolescente sequer cumprem pena por conta da idade. O adolescente é responsabilizado por meio de medida socioeducativa que é aplicada por um juiz. Mas com o seu filho, que estuda em escola pública, será diferente.

3 – Já existe a Justiça Restaurativa nas escolas. É uma forma diferente de abordar o problema, é um processo justo e de muito diálogo, incentivado pela ONU e com resolução expressa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela sua implantação.

Como funciona? Por exemplo, se o adolescente pichou um muro, ele vai participar de círculos restaurativos, com profissionais especializados e com a presença dos pais e a anuência da Justiça, e também com sua própria concordância. Ele entende o erro após as conversas, e em um acordo ele pode consertar o que fez, pintando novamente o muro, ou fazendo alguma outra atividade de caráter voluntário, como visitar um asilo. Isso é comum de ser aplicado em Campo Grande e dá bons resultados, respeitando a dignidade da pessoa humana.

4 – Com a aprovação dessa lei, o seu filho poderá voltar da escola sentindo-se injustiçado, por não ter culpa de algo que ocorreu e ter que lavar o banheiro ou varrer o pátio mesmo assim. Você não poderá contestar. Isso porque não haverá um processo com direito de defesa dele, como ocorre na Justiça dos adultos, e nem será como na “Justiça Restaurativa”, que é um procedimento que envolve uma equipe especializada com assistente social, psicólogo e muito diálogo com a criança/adolescente.

5 – No site da Assembleia Legislativa, você pode encontrar detalhes sobre o Projeto de Lei.

Lá, na aba “comissões”, se você clicar para ler o voto contrário à lei, você vai ter acesso a CINCO páginas de argumentos, explicando porque a lei não pode ser aprovada.

Se você clicar para ver o voto favorável ao projeto de lei, que foi da maioria, vai ver ZERO de explicação. Aliás, no dia 06, às 13h30 haverá uma audiência pública na Assembleia Legislativa a respeito do projeto de lei.

6 – Além de fazer inglês, aulas particulares, cursos, viagens para o exterior, as crianças e adolescentes da família dos deputados frequentam psicólogo quando apresentam algum comportamento agressivo. Isso só serve pra família deles. O seu filho, que estuda em escola pública, vai ser tratado de outra forma. Cômodo, não?

7 – Aos domingos, inúmeros adolescentes são apreendidos quando caminham na Afonso Pena. Eles são encaminhados para a delegacia, e depois pra Unei. Muitos pais denunciam que somente no outro dia ficam sabendo da apreensão dos filhos, até lá ficam desesperados sem saber onde eles estão.

A aprovação dessa lei vai dar ainda mais liberdade ao Estado para fazer o que quiser e da forma que quiser, e menos liberdade a você e ao seu filho. Se ele será obrigado a varrer, limpar, consertar, como farão para obrigá-lo?

8 – As escolas precisam de equipe técnica especializada, ou precisam ter para onde encaminhar os adolescentes que precisam de acompanhamento psicológico. Como o governo não quer investir, será bem mais fácil castigar o seu filho, que não tem culpa disso.

9 – Se o aluno contestar a aplicação da medida, a escola pode acusá-lo de indisciplina, isso pode gerar expulsões, seu filho pode se atrasar nos estudos, e não serão os filhos dos deputados que passarão por essa situação.

10 – A Constituição Federal vale para todos. Mas não valerá para o seu filho que estuda em escola estadual de Mato Grosso do Sul.

Porque no artigo 5º da nossa Constituição, está escrito que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Mas seu filho será sentenciado pela escola.

Está escrito que “não haverá penas de trabalhos forçados”. Mas seu filho será forçado.

Está escrito que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, mas para o seu filho, uma lei inconstitucional será aplicada só para que ele seja obrigado a fazer aquilo que filho de rico e estudante de escola particular não faz.

11 – Os Conselhos de Psicologia já publicaram manifesto contra esse projeto de lei:
http://psinaed.cfp.org.br/nota-de-repudio-contra-pls-sobre-atividades-de-reparacao-de-danos-por-alunos-e-seus-pais-no-ambiente-escolar/

12 – O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) continuará protegendo os filhos e netos dos deputados. Mas e o seu filho? Para ele o artigo 3º do ECA é jogado fora:

“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

Por fim, lembramos que “nem tudo que parece é”. Principalmente em relação a problemas complexos. O que parece uma solução rápida e simples, pode na verdade criar um problema ainda maior. Esse projeto de lei, por exemplo, limita a sua liberdade e a liberdade do seu filho.

Temos que desconfiar de tudo, inclusive do que se vê na televisão. Conheça os seus direitos e lute por eles.

(*) Ana Maria Assis é jornalista e assessora jurídica

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