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A Democracia, a Ética e o Poder

Por Ruy Chaves (*) | 21/03/2016 15:50

O passado não tem remédio, mas é o mais importante espelho para o futuro.

Muitas democracias contemporâneas, abertas, participativas, com sua visibilidade plena garantida pela vigilância permanente dos institutos de controle e de defesa da sociedade e do Estado, das mídias formais e sociais, estão em crise, violentadas por formas sofisticadas e extremas de corrupção associadas ao exercício do poder. O poder realmente corrompe? O homem é naturalmente bom e na sociedade se humaniza ou se corrompe? O homem é ruim em sua natureza e na vida em sociedade se humaniza? Ou...? E o homem imagem e semelhança de Deus?

Para Hobbes, o homem é ruim em estado de natureza e fica ainda pior na vida em sociedade. Afirma Locke que ao nascer o homem é uma tábula rasa, uma folha em branco, em si mesmo não sabe o que é o bem ou o mal, mas tende para o bem e se humaniza na vida social. Em oposição, Rousseau diz que o homem nasce livre, mas por toda a parte está acorrentado, em sua natureza o homem é bom, mas a sociedade o corrompe.

A vida é um ato naturalmente político, ensinou-nos Aristóteles, e àquele que primeiro estabeleceu o Estado se deve o maior bem porque se o homem, atingida a sua perfeição, é o melhor de todos os animais, também é o pior quando vive sem leis ou justiça. Terrível calamidade, a injustiça com suas armas aviltantes. A sociedade política, por ser a mais perfeita das associações, visa ao mais perfeito dos bens, que é a felicidade obtida pela virtude.

A política é ciência e arte e a ação política que não é capaz de realizar o bem comum serve aos senhores das trevas, que submetem as razões de Estado às perniciosas razões de governo, os legítimos interesses dos governados sufocados por interesses escusos dos governantes e de seus protegidos, vampiros da nação. Quando a ética não impera sobre a consciência da ação política, a crise pode se transformar em caos. Sócrates foi preciso: o mais capaz de fazer o bem é exatamente o mais capaz de fazer o mal. Quando os guardiões das leis e do governo o são apenas em aparência arruínam a vida em sociedade.

A questão é clássica, merece um permanente olhar para o passado com suas imprescindíveis lições. De um lado, Sócrates, defendendo a ética de princípios, a justiça como valor supremo, fundamento de toda ação, os homens justos e sábios buscando a unidade, o bem maior. Temendo a omissão do homem bom e a corrupção, Sócrates insistia há 2.450 anos ser indecoroso pleitear o poder. Para o Mestre, os bons não querem governar por dinheiro ou por honras, não são ambiciosos. Devem ser induzidos a governar e até coagidos pelo temor de castigo. E o maior castigo está em ser, o que recusa, governado por um homem pior. Em uma cidade formada apenas por homens justos e sábios haveria luta para não governar, como sempre há para governar.

Em oposição, os sofistas propunham a ética de resultados, a justiça como uma mera circunstância, o ser justo apenas quando a ação trouxer vantagem pessoal, o parecer justo e não o ser justo, o homem perfeitamente justo aquele que pratica o mal enquanto conquista reputação de sabedoria e de bondade. Não sem razão, sofisma significa raciocínio falso com aparência de verdadeiro. Para os sofistas, o homem é a medida de tudo o que existe e os justos vivem coroados e bêbados, em eterno banquete, como se a embriaguez fosse a melhor recompensa para a virtude.

Falar de poder e de ética impõe lembrar Maquiavel que, desejando a unidade italiana, em 1513 escreveu De Principatibus, à época a Itália espoliada, dividida por três grandes forças: os príncipes, a Igreja e os exércitos mercenários. O príncipe perfeito, com fortuna e virtú, capaz de conquistar e manter a unidade italiana, teria a força do leão e a astúcia da raposa e governaria um Estado aético comprometido com a eficiência. Toda ação destinada ao bem maior, a unidade italiana, seria legítima. Apenas neste sentido os fins justificariam os meios.

Thomas Hobbes, teórico do absolutismo político, em O Leviatã, 1651, defendeu que há no homem um desejo perpétuo e contínuo pelo poder que somente cessa com a morte, que o homem é o lobo do homem e que o que distingue o homem dos demais animais é a razão, que a maioria dos homens não sabe usar. Ultrapassar de qualquer forma quem estiver à frente é vencer.

O poder e a corrupção voltaram como questões fundamentais em Montesquieu em 1748, opondo-se a toda forma de despotismo. “O poder corrompe... É preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder”. Ao lado de Locke e de Rousseau como pais da democracia representativa, em O Espírito das Leis, Montesquieu estruturou teorias sobre Tripartição do Poder e sobre Freios e Contrapesos, pilares do Estado Democrático de Direito.

No século 21, em algumas democracias o poder não limita o poder, governar não é remediar os males alheios e a ética não é essência do poder. A corrupção está em toda parte, especialmente onde jamais poderia estar, nos poderes públicos, praticada por gente que deveria ser exemplo de dignidade e de honra e pautar sua vida na realização do bem comum.

Ao longo da história do Brasil, a Constituição e outros instrumentos de defesa da sociedade e do Estado têm permitido muito dolorosos períodos de trevas entre o arbítrio e a impunidade, quando razões de governo violentam razões de Estado, portanto, subordinando os elevados ideais do Bem Comum aos interesses indignos de detentores do poder e dos que vivem à sua sombra. O arbítrio e a impunidade sangram a nação, desonram a cidadania, aviltam a condição humana. O arbítrio e a impunidade são absolutamente inaceitáveis!

Poder, corrupção e o injusto perfeito em sua sombra protetora. Sócrates, perseguindo a Ideia do Bem, identificou virtudes humanas de que os sofistas conheciam apenas sombras. Quando os homens bons e justos se confortam em suas virtudes, disso se aproveitam leões e raposas humanas. Sócrates, olhai por nós! Qualquer forma de corrupção é absolutamente inaceitável! Praticada por autoridades públicas, é crime hediondo. Ou não? Panta rei.

(*) Ruy Chaves é diretor da Estácio

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