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Adolescentes infratores: o que pode fazer a educação para contornar o problema?

Por Nelson Valente (*) | 13/02/2014 14:14

Um jornal de São Paulo deu-se o luxo de fotografar, durante dias seguidos, a operação de alguns desses meninos num movimentado trecho dos Jardins. Eles se constituem em bando, onde sempre aparece um maior para orientar os roubos ou furtos, vitimando distraídos motoristas em plena avenida Brasil. Conversei com uma autoridade policial e a explicação veio com muita objetividade: não adianta prender, pois eles são "de menor", e logo serão soltos para reiniciar a sua faina.

Na cidade de São Paulo, os assaltos são sucessivos, não se tem garantia de nada, mata-se por qualquer bobagem. A droga comanda as ações desses celerados.

Vivemos num país com enormes desigualdades sociais (desigualmente desiguais), com altos índices de desemprego e não se espere que não tenhamos um preço a pagar por isso.

Não pode haver indiferença do Estado, enquanto cresce essa lamentável criminalidade. Se o cidadão fica responsável pela sua própria defesa, fazendo justiça por conta própria, com a privatização do poder de polícia, corremos o risco de uma guerra civil.

O próprio governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin reconhece que, em virtude da incidência de muitos crimes, o governo é obrigado a dedicar grandes somas à polícia e ao sistema judiciário. Melhor fariam, é claro, se pudessem colocar esses recursos para melhorar o atendimento educacional, oferecendo uma solução de raiz, que falta à cidade de São Paulo. Via de regra, a repressão é apenas temporariamente removida, não tardando a reinstalar-se.

Detalhe apavorante: têm a média de 10 anos e, nas conversas, revelam um precoce e triste desprezo pela vida humana. Estão fazendo vestibular para se tornar os grandes assaltantes de amanhã. Sob as vistas complacentes das autoridades e até mesmo de muita gente fina da nossa melhor sociedade, que acha tudo isso natural numa democracia.
São Paulo é uma cidade desenvolvida e com um nível de vida apreciável convivem com outras, totalmente desassistidas, onde a pobreza, a ignorância, a violência e a miséria fazem parte de seu cotidiano.

Uma das realidades mais tristes da capital Paulista é a verificação de que se trata mesmo de um Estado de muitos contrastes caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show.

Um aspecto que é preciso enfatizar: a grande maioria dos delinquentes infanto-juvenis provém de lares desfeitos ou que jamais se constituíram como tal. Quando se luta para que a educação seja dada no lar e na escola, como tantas leis determinaram, o que se vê na prática é a ruptura desse princípio - e os resultados são rigorosamente catastróficos.

Gostaria de voltar à prioridade de recursos para a atenuação dos graves problemas sociais que enfrentamos. Ninguém pode condenar a ideia de se ter penitenciárias com o rigor desejado, nesse eufemismo da "segurança máxima".

O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos - educação máxima - a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.

Em matéria de documentos oficiais, não podemos nos queixar. Estamos com uma bonita coleção, que vai desde a Declaração Universal dos Direitos da Criança, passando pela nossa Constituição, até chegar ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tudo muito bonito, mas efetivamente inócuo.

Com enorme tristeza e preocupação verifica-se que o número de crianças maltratadas no Brasil cresce a cada dia. Além das que se encontram fora da escola, o total de mortes ultrapassa 100 mil por ano.

Diante do elevado grau de violência existente nas ruas, é duro verificar que a própria família, dentro de casa, também contribui para agravar essa situação. Espancamentos, negligência nos cuidados com a alimentação e medicamentos, cárcere privado e até abusos sexuais, que vem aumentando sensivelmente, são algumas das reações dos adultos para "repreender e corrigir" menores que tenham cometido algum delito.

As ocorrências registradas estão ligadas principalmente às populações de baixa renda. Mas segundo pesquisas já realizadas, a violência no lar abrange toda a sociedade, inclusive famílias de maior poder aquisitivo e com grau de instrução elevado, que não costumam fazer as denúncias para evitar constrangimentos. De acordo com pedagogos, psicólogos e pediatras, o problema é mais comum em pessoas com deficiências comportamentais como o alcoolismo e o uso de drogas, e também pelo desequilíbrio na relação do casal, que acaba por afetar os filhos.

O Brasil situa-se na posição, no mínimo desagradável, de terceiro colocado mundial em maus-tratos infantis. Em congressos e seminários, demonstra-se que é preciso haver uma mobilização da sociedade em defesa dos menores e, especialmente, mudanças radicais na legislação do país, com a adoção de medidas punitivas mais rígidas a todos os que, por insensibilidade ou por ignorância, abandonam os menores à própria sorte ou cometem contra eles violências inadmissíveis.

Um trauma contraído em tenra idade pode perdurar por toda a vida, transformando aquele ser humano num marginal. Não custa consignar-se este grito de alerta, enquanto é tempo.

As consequências da violência doméstica acompanham suas vítimas até a vida adulta. As crianças geralmente se tornam nervosas, agressivas e, na maioria das vezes muito melancólica. Sem falar no prejuízo em termos intelectuais, o que pode provocar, em pouco tempo, dificuldades na aprendizagem escolar.

Ao participar de um debate na Faculdade Cásper Líbero – a primeira Escola de Jornalismo da América Latina, sou inquirido sobre os meninos de rua. Lembro a tragédia que isso representa, não só pelo número crescente deles, como pela absoluta falta de perspectivas. Os menores infratores perambulam livre pelos bairros da cidade. São presos e libertados duas esquinas adiante. Os policiais têm a explicação na ponta da língua: “De que adianta levá-los? Vão ser soltos mesmo. Isso não tem jeito!”

Mesmo sendo um contingente muito numeroso, seria viável elaborar um projeto de profissionalização para essas crianças. Talvez com a ajuda de instituições da maior credibilidade, como o Senai e o Senac. Ao lado da aprendizagem de uma profissão, lições que abranjam o respeito aos cidadãos, a prevalência do mérito sobre a esperteza. Sinto que por aí possa existir um caminho de resultados apreciáveis.

Veja-se o caso mencionado do Estatuto da Criança e do Adolescente. Prevê uma grande assistência em matéria de educação, saúde, lazer, alimentação, profissionalização etc. Em termos teóricos, uma beleza. Mas quais são os municípios brasileiros que terão a devida independência financeira (ou sobra de caixa) para se envolver significativamente em tais projetos? Não se pode afirmar que seja algo demagógico, porém, a sua viabilidade ficará condicionada à soma abundante de dinheiro, sem o que se tornará quimera inalcansável. Como tantas outras que ocuparam o noticiário, deram nome nos jornais, e desapareceram na poeira do tempo, sem deixar vestígios notáveis.

Ainda no debate da Faculdade Cásper Líbero, o professor Erasmo de Freitas Nuzzi me inquiriu sobre o seguinte fato: uma criança passa três horas na escola, dentro de uma realidade, e o restante do tempo ela dedica ao meio em que vive, ou seja, ao mundo do crime, das drogas, da violência.

O que pode fazer a educação para contornar o problema?

Enquanto não se acabar com a marginalidade – e aí há razões sociais econômicas a serem consideradas – é preciso lutar para que se amplie o número de horas das crianças em nossas escolas. Muitas delas, às vezes, nem sequer tem um lar regularmente constituído. Se fosse possível reter as crianças por mais tempo na escola, pelo menos em dois turnos, certamente os valores morais transmitidos pelos mestres funcionariam como elemento redutor das influências nefastas vividas em termos de vizinhança. É um esforço que precisa ser feito.

A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência.

(*) Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor

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