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Educação, formação de professores e identidade camponesa

Por Aldalgiza Campolin e Alberto Feiden (*) | 02/12/2010 11:48

Fruto principalmente da luta política dos trabalhadores e movimentos sociais nos últimos anos, a educação do campo alcançou visibilidade política e obteve avanços teóricos.

Os avanços teóricos fundamentaram a conquista de certa flexibilidade legal, permitindo o exercício de uma educação que considere o campo como lugar de produção de saberes com identidade própria, a identidade de quem vive, produz e se reproduz a partir de sua relação direta com a natureza.

Reconhecemos o êxito das várias experiências que vem se desenvolvendo em diferentes regiões, com diferentes enfoques, na perspectiva de garantir uma educação que qualifique o campo como local não só de trabalhar, mas também local de viver e de viver com dignidade.

Entendemos, no entanto, que no cotidiano da escola do campo há muito ainda a se fazer, há muito que caminhar em termos de práticas pedagógicas que reforcem a consciência de classe e, por conseguinte, contribuam para a reconstrução da identidade camponesa.

Também há muito a conquistar em relação à infraestrutura, tanto em termos de espaço físico quanto de acesso à escola com, no mínimo, estradas transitáveis, transporte adequado e seguro e condições de trabalho docente.

Por outro lado, a demanda por novas práticas e saberes que possam contribuir na solução da grave crise socioambiental por qual passa a humanidade está repleta de desafios às mais diferentes esferas da sociedade, dentre as quais se inclui a da educação. Espera-se da educação uma contribuição significativa na construção de relações mais harmoniosas dos seres humanos com a natureza.

Nesse cenário, a agricultura camponesa passa a ser reconhecida como detentora de um saber fazer agricultura de forma inteligente, racional e estável.

Isso demonstra que os camponeses sobrevivem, apesar de crises ambientais e econômicas e, mais ainda, estão contribuindo para resgatar práticas agrícolas que garantam a sustentabilidade de seus agroecossistemas.

Essa tradição, esse saber camponês contribui, inclusive, para fundamentar pesquisas no campo da Agroecologia, ciência que busca responder às demandas por tecnologias mais sustentáveis na produção agrícola. Nessa experiência acumulada pelos camponeses durante séculos está a base de sua identidade, construída nas relações que estabelecem com a natureza.

No entanto, essa experiência e conhecimento não são valorizados ou reconhecidos nem pelos próprios agricultores e menos ainda pela população em geral. É comum também que muitos técnicos e educadores desprezem o conhecimento que os agricultores possuem a respeito dos ecossistemas em que vivem e das potencialidades que os recursos naturais que eles conhecem podem ter para a construção de um novo modelo de agricultura.

Estes preconceitos acabam sendo incorporados pelas próprias populações camponesas, que acabam abandonando muitas práticas tradicionais por considerá-las obsoletas e, em consequência, muitos conhecimentos acabam se perdendo. Recuperar e reavaliar essas experiências dos agricultores tradicionais exige conhecimentos e métodos que, na maioria das vezes, nem técnicos nem educadores possuem.

É comum ouvirmos de professores do campo que eles não são preparados para serem educadores no campo. Essa não preparação se reflete nas práticas pedagógicas e contribui para a perda da identidade camponesa por crianças e jovens. A formação de professores é, ainda, um entrave no avanço da educação do campo.

Com exceção de cursos específicos, negociados pelos movimentos sociais com algumas Universidades, a maioria dos professores do campo tem origem urbana e é formada para atuar em escolas urbanas. Dessa forma os professores destinados às escolas do campo se deparam com uma realidade desconhecida e acabam frustrados e desencorajados na sua atuação porque efetivamente não sabem como adequar conteúdos e práticas pedagógicas à realidade de seus alunos.

Essa situação traz resultados desastrosos na construção da identidade de alunos do campo, contribuindo para desvalorizar sua cultura e o campo enquanto território de vida e de trabalho para si e suas famílias.

A Embrapa Pantanal, em parceria com a Secretaria Executiva de Educação do município de Corumbá e a Estação Experimental do Campo, atendendo demanda de educadores e das famílias camponesas, tem contribuído para a formação de professores do campo.

Há quatro anos, respeitando os limites e especificidades da Embrapa enquanto empresa de pesquisa agropecuária, participamos dos Cursos de Formação Continuada para professores do campo, seja com cursos teórico-práticos, palestras ou debates de cunho conceitual, abrangendo temáticas como Caracterização e Histórico da Agricultura Camponesa, Juventude e Educação no Campo, Agroecologia, entre outras. Essa experiência vem evoluindo ao longo do tempo na perspectiva de construção coletiva do conhecimento agroecológico.

A resposta dos professores tem sido gratificante, refletindo no desenvolvimento de diversos projetos escolares que auxiliam tanto na reconstrução da identidade camponesa quanto na melhoria das relações professor-aluno. Além disso, as escolas participam ativamente de eventos destinados à agricultura familiar, como a Mostra da Agricultura Familiar, dias de campo, cursos apoiados pela Estação Experimental do Campo, refletindo a necessária integração entre escola e comunidade.

Esses resultados têm ampliado a demanda pela continuidade do programa de formação, o que indica que estamos no caminho certo. O que podemos, por enquanto, apreender dessa experiência é que quando os gestores de políticas públicas, no caso a Secretaria Executiva de Educação, a comunidade e os professores se comprometem com a qualidade da educação no campo e com a melhoria das condições de vida dessas famílias, a máxima freiriana de que “Ninguém nasce feito: é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos” dá sentido ao esforço de cada um de nós pela valorização da identidade camponesa.

(*) Aldalgiza Ines Campolin é pedagoga, mestre em Educação e pesquisadora da Embrapa Pantanal e Alberto Feiden é engenheiro agrônomo, doutor em Ciência do Solo e pesquisador da Embrapa Pantanal.

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