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Lei de Alimentos e urgência de reforma para realidade das famílias brasileiras

Por Otavio Fonseca Pimentel (*) | 17/03/2024 13:30

A Lei de Alimentos, datada de 25 de julho de 1968, segue como principal fonte de direito material para a temática de pensão alimentícia no Direito de Família e não teve relevantes reformas e alterações em mais de 50 anos de vigência. E tudo isso enquanto a sociedade passou de fato — pelos 50 anos talvez mais dinâmicos na história da organização das famílias, com imensurável diversificação nos núcleos familiares.

O texto legal, à época, trouxe ao ordenamento jurídico um sistema concebido em caráter especial para prescrever procedimento específico, prioritário e eficiente, combinando preceitos de direito material e processual, voltado a proporcionar maior celeridade na prestação jurisdicional àqueles que necessitam da fixação de pensão alimentícia, ou seja, para aqueles que precisam contar com o Poder Judiciário para resolver questões ligadas à manutenção das despesas básicas.

Na ocasião de sua publicação e entrada em vigor, as características absolutamente predominantes da sociedade brasileira terminavam por ocasionar que a lei seria aplicada em praticamente 99% das relações processuais para fixar pensão alimentícia à ex-esposa que dependia financeiramente do marido, muitas vezes por prazo indeterminado ou vitalício, e para fixar a pensão alimentícia devida pelo pai aos filhos que permaneceriam sob a guarda unilateral materna.

Considerando a enorme disparidade de renda e, por conseguinte, a pluralidade de faixas e patamares de padrão de vida social, não há como definir de forma segura qual seria o modelo atual predominante de convivência e economia doméstica de casais separados com filhos menores.

Perfeitamente possível, porém, afirmar que uma parte considerável das famílias atualmente é formada por cônjuges ou companheiros que trabalham e constroem cada um suas carreiras profissionais, dividindo custos e tarefas domésticas e de criação dos filhos de forma sensivelmente mais equilibrada do que se fazia 50 anos atrás.

Perfeitamente possível, porém, afirmar que uma parte considerável das famílias atualmente é formada por cônjuges ou companheiros que trabalham e constroem cada um suas carreiras profissionais, dividindo custos e tarefas domésticas e de criação dos filhos de forma sensivelmente mais equilibrada do que se fazia 50 anos atrás.

Sobre o tema, importante reconhecer e frisar que a mulher muitas vezes ainda enfrenta situações de severo desequilíbrio, pois mesmo em situações de distribuição de responsabilidades, divisão de despesas com ambos trabalhando e divisão de tarefas domésticas, em muitas ocasiões os desafios da mãe para conciliar carreira e maternidade são bastante superiores aos enfrentados pelos homens.

Dois alimentantes - Por outro lado, forçoso reconhecer a existência de cenários mais equilibrados, além do fato de que mesmo nas dinâmicas ainda desiguais, em grande parte das demandas enfrentadas pelo Poder Judiciário não há pensão alimentícia entre cônjuges ou companheiros e ambos os genitores devem contribuir financeiramente para o sustento dos filhos, dentro de suas possibilidades.

Eis a circunstância mais sensível e importante que merece maior destaque nos dias atuais: o fato de que em inúmeras ocasiões o Poder Judiciário é obrigado a solucionar ações de alimentos que possuem por finalidade fixar pensão alimentícia a ser paga para filhos menores, tendo por alimentantes tanto o genitor quanto a genitora.

Em vista do contexto histórico da época, a Lei de Alimentos ainda em vigor foi concebida para tratar sempre de relações jurídicas que compreendiam somente a figura de um alimentante.

Os filhos menores ingressavam com ações de alimentos representadas pela genitora guardiã (hoje a guarda é compartilhada na maioria dos cenários), e veiculavam requerimento de pensão alimentícia em face do genitor não guardião e único alimentante na relação jurídica. Por ser personalíssimo o direito a perceber alimentos, só seriam admissíveis processos judiciais entre alimentante e alimentandos.

Os alimentandos, filhos menores, eram representados pela genitora guardiã que contratava seu advogado e litigava contra o ex-consorte, pai dos filhos comuns, sendo certo que a disputa sempre se deu, em verdade, entre os genitores exclusivamente.

O envolvimento direto dos filhos, enquanto alimentandos em processo judicial, raramente ocorre, uma vez que muitos processos se desenvolvem enquanto são menores impúberes e, nas situações em que os filhos ou um deles completa 16 ou 18 anos, normalmente há negativa de envolvimento para não haver desgaste com o pai ou a mãe.

Diversos operadores do Direito de Família devem ter passado por situações em que simplesmente não há disputa em juízo quando se apresenta a necessidade de que filhos maiores de 16 anos assinem uma procuração. Por vezes existe uma pretensão legítima a ser discutida entre os genitores, mas pela necessidade de envolvimento direto dos filhos, ela não acontece.

E, atualmente, se ambos os genitores separados necessitam discutir em processo judicial a proporção da contribuição de cada um com base em seus ganhos, sem o envolvimento direto de um filho menor ou a assinatura de procuração por filhos maiores de 16 anos, não existe ação possível prevista no ordenamento.

Violação de direito de um dos alimentantes pelo outro alimentante - O artigo 1.703 do Código Civil, que integra no citado Diploma Legal o Livro IV – Do Direito de Família, Título II – Do Direito Patrimonial, Subtítulo III – Dos Alimentos, prescreve em seus expressos dizeres o que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.”

Dentre todas as consequências jurídicas, direitos e deveres de todas as partes envolvidas em uma relação jurídica obrigacional baseada no instituto da pensão alimentícia aos filhos, vale separar e listar as seguintes e distintas posições, entre outras:

a) Os filhos, dentro dos parâmetros e limites legais, possuem um direito material personalíssimo de buscar a fixação da obrigação de pagamento de pensão alimentícia a eles pelos pais. Eles possuem, portanto, um direito a receber pensão alimentícia, com base no artigo 1.694 do Código Civil, entre outros dispositivos legais de igual espírito e preceito;

b) A fixação do valor adequado como obrigação alimentar, em caso de lide, exsurge da disputa e ponderação que tem em um lado as necessidades de quem possui direito à pensão alimentícia, e as possibilidades de quem possui o dever de arcar com tal obrigação. A permear tais deliberações, sempre presente o respeito à proporcionalidade na interpretação das diferentes posições;

c) Em caso de filhos de pais divorciados, quando as necessidades dos alimentandos são incontroversas entre todos os envolvidos, e sendo também incontestável que ambos os genitores ostentam capacidade financeira para arcar com a obrigação, todo o trabalho de ponderação e deliberação judicial se foca na busca pela distribuição equilibrada do ônus entre os pais, tendo em conta o exame das possibilidades de ambos para dividir proporcionalmente o custo da manutenção da prole comum.

Com base nas posições acima destacadas, como principal ponderação almejada por este artigo, verifica-se que nas hipóteses descritas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ acima, a lide é entre alimentando e alimentante; já na hipótese descrita na alínea ‘c’ acima, a lide é, e sempre foi, entre os alimentantes.

Para cada lide, isto é, para cada pretensão resistida, deveria haver o correspondente direito de ação, que possa dar origem à relação processual da qual necessita o jurisdicionado para fazer valer sua pretensão a quem a ela resiste, caso possua ele um direito material a respaldar seu pedido.

No entanto, o caráter personalíssimo da obrigação alimentar, interpretado em conjunto com o artigo 18 de Código de Processo Civil, segundo o qual não se pode pleitear em nome próprio direto alheio, tem representado óbice intransponível perante o Poder Judiciário para um genitor que tenha a necessidade de ingressar contra o outro para discutir a proporcionalidade da divisão de despesas dos filhos menores, maiores de 16 anos, ou até mesmo após a maioridade em caráter excepcional (universidade), sem o envolvimento dos filhos no processo.

Entende-se, porém, que absolutamente nenhum preceito legal contido nos artigos 1.694 e seguintes do Código Civil, nem mesmo o teor do artigo 229 da Constituição Federal de 1988, possuem qualquer disposição contraditória à devida aplicação e atribuição de plena vigência ao artigo 1.703 do Código Civil, que prescreve expressamente o equilíbrio e proporcionalidade no cumprimento da obrigação alimentar pelos genitores.

E nesse caso, havendo a ausência de disponibilidade ou disposição de um dos genitores para contribuir para o alcance da proporcionalidade e equilíbrio no cumprimento da obrigação alimentar que beneficia os filhos, principalmente nos casos em que o outro supre de forma suficiente as necessidades dos alimentandos, o principal sujeito de direitos prejudicado e atingido pela omissão do outro é o genitor que arca com tudo exclusivamente ou de forma desequilibrada.

O direito violado ou não exercido nesse caso não é dos alimentandos e, sim, de um dos alimentantes. E quem está dando razão fática e jurídica para a violação ou não do exercício de um direito de um dos alimentantes é o outro alimentante. A lide se dá, portanto, entre alimentantes.

Interesse de agir - Trazendo a análise acima para os importantes aspectos processuais relacionados às mais básicas e essenciais condições do exercício do direito de ação, tem-se que o interesse de agir nesse caso é do alimentante prejudicado pela ausência de equilíbrio ocasionada pela omissão do outro, o que viola o preceito contido no artigo 1.703 do Código Civil. O próprio artigo 229 da Constituição Federal em nada conflita com a busca pelo equilíbrio e distribuição da obrigação alimentar dos filhos entre os pais.

Assim, dentre tantos outros aspectos que devem ser ponderados e modernizados no tratamento das relações jurídicas que envolvem pensão alimentícia, essencial reconhecer a consolidação de uma nova realidade constatada a todo tempo nos dias atuais, em que genitores separados dividem as despesas dos filhos comuns, e por vezes deveriam ter o direito de demandar judicialmente entre si para apurar se a distribuição dos ônus está equilibrada em cotejo com os rendimentos de cada um, sem a necessidade do mais remoto envolvimento dos menores alimentandos, que muitas vezes sequer possuem conhecimento da discussão.

(*) Otavio Fonseca Pimentel é advogado com atuação especializada em Direito de Família e Sucessões, ex-membro assessor do Tribunal de Ética da OAB-SP.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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