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Mais inteligência, menos arapongagem

Por Alexandre Pereira da Rocha (*) | 19/09/2013 09:11

Por quais motivos o serviço de inteligência norte-americano espionou o governo brasileiro? O presidente Barack Obama ficou devendo explicações. Tal fato irritou a presidente Dilma Rousseff, que ameaçou impor retaliações políticas, além de sugerir à Organização das Nações Unidas (ONU) a criação de um marco regulatório para os sistemas de vigilância entre países.

O incômodo da presidente Dilma procede. Afinal, esse tipo de espionagem é um evento que fere a soberania nacional. Mas possivelmente, o caso se restrinja às simplórias justificativas da Casa Branca, sem, no entanto, mudanças substanciais do poderio e nas atuações espúrias das agências de inteligência norte-americanas.

Os verdadeiros motivos que colocaram o Brasil na posição de alvo de espionagem dificilmente serão revelados. Aliás, o segredo faz parte desse jogo. Todavia, há uma regra básica no campo da inteligência: só se torna alvo quem possui algum elemento, recurso ou informação sensível. A escolha do Brasil não foi aleatória, porém orientada segundo interesses de quem demandou a sondagem.

Não é de hoje que o Brasil desperta o interesse, pois, gradativamente, o país vem obtendo destaque no cenário internacional. Essa situação, ainda que precária, representa uma ameaça ao poder hegemônico dos Estados Unidos. Destarte, para a Casa Branca é inteligente ter os países com aspiração à liderança sob constante vigilância.

No entanto, para além do imbróglio entre os presidentes Dilma e Obama, vale frisar que os casos de espionagem revelaram a vulnerabilidade do sistema de inteligência brasileiro. O problema aqui não é a espionagem norte-americana em si, todavia, como as autoridades e as organizações brasileiras estão indefesas.

A busca por informações sigilosas entre Estado é uma prática milenar. Isso não ocorre apenas entre Estados inimigos ou em período de guerras. Ao contrário, mesmo entre Estados de boa convivência ou em tempos de paz, há acirrados conflitos políticos, econômicos, comerciais etc. Nesse ambiente, para ficar seguro deve-se providenciar mecanismos de defesa – mais precisamente de contrainteligência – capazes de identificar e neutralizar ameaças.

É fato. Insurreições mundo afora dificilmente mudarão de imediato os meios de espionagem adotados pela Casa Branca. Para manter a condição de potência, os Estados Unidos necessitam de informações sigilosas de outros países, inclusive do Brasil. Assim, resta aos demais países fazerem o dever de casa: formar sistemas de inteligência capazes de proporcionar desenvolvimento e segurança no âmbito interno ou externo.

O Brasil está preparado? É triste. Os aparelhos de inteligência brasileiros têm priorizado tensões internas, como, por exemplo, a atuação de movimentos sociais e grevistas; ou ainda, trabalhos escusos de espionagem política. Por conta disso, ao invés de darem suporte ao desenvolvimento do país, os serviços de inteligência são discriminados pelos atos de arapongagem.

Ademais, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e responsável por "planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do país", perde-se num emaranhado de competências desnecessárias e tem de medir forças com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Em resumo: as legislações e as instituições que fundamentam o Sisbin não firmaram uma efetiva doutrina de inteligência de Estado capaz de suplantar os atos de espionagem, ou pior, os de mera arapongagem. Superar esse paradigma herdado dos anos de ditadura militar não foi plenamente possível na nova era democrática brasileira.

O governo brasileiro precisa retirar algum aprendizado dessa história. No caso em questão, só a revolta da presidente Dilma não é solução. É preciso planejar e executar medidas para fortalecer a inteligência de Estado no Brasil. Para início de conversa bastaria: mais inteligência, menos arapongagem.

(*) Alexandre Pereira da Rocha é doutorando em Ciênciais Sociais no Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília. Tem Graduação e Mestrado em Ciência Política pela UnB. Experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.

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