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O diabo e a economia brasileira

Por Renato Baumann (*) | 27/03/2011 08:00

O diabo mora entre os paralelos 15 e 45 do Hemisfério Norte. Tradicionalmente sua atuação esteve concentrada nos Bálcãs, origem de alguns quantos conflitos, inclusive a deflagração da Primeira Guerra mundial. Mais recentemente ele se mudou para o Oriente Médio, onde começamos a ver surpreendentes movimentos que levaram a mudanças de governo em alguns países, e massacres em outros, como na Líbia. Nos últimos, dias ele moveu-se um pouco mais a Leste e virou o Japão de cabeça para baixo. Há elementos, portanto, para se começar a imaginar seu endereço.

Independente de investigações residenciais e da perplexidade que acompanha a leitura das últimas notícias, o aspecto relevante a se considerar é que consequências essas artimanhas podem ter sobre a economia brasileira.

O primeiro elemento é indiscutivelmente o impacto sobre o preço do petróleo, uma vez que há uma concentração de problemas na principal região produtora. De fato, a cotação do óleo cru deu um salto expressivo e ainda não é certo se já se terá chegado ao limite. Seja como for, essa elevação por si só tem múltiplas consequências.

De imediato, encarece o transporte de mercadorias, uma vez que o grosso dos produtos no Brasil é transportado por malha rodoviária. Na medida em que o preço do óleo diesel sobe, isso puxa os demais preços. Por outro lado, o Brasil produz e exporta derivados do petróleo. Com isso, se perde de um lado ao ter de importar um tipo de óleo mais caro, ganha por outro, que também terá sua cotação elevada. É difícil se afirmar a priori o impacto líquido sobre a balança comercial.

A médio prazo, a economia brasileira pode ter um benefício substantivo, se os conflitos na zona produtora de petróleo e os problemas nucleares no Japão levarem os países a reconsiderarem suas matrizes energéticas. É razoável imaginar que a alternativa de combustíveis renováveis deve voltar a ser considerada com mais atenção por diversos países. Uma indicação disso são os recentes investimentos significativos ingleses em plantas produtoras de etanol no Brasil.

Outro conjunto de impactos deriva dos preços dos demais produtos primários. Se isso já começa a provocar crise alimentar em diversos países, para as economias da América Latina em geral, ricas em recursos naturais, isso provavelmente deverá resultar em ganhos em seus preços de exportação. O desafio é, evidentemente, se apropriar desses ganhos sem comprometer outras exportações, como as de produtos manufaturados.

Por último, um canal importante de transmissão dos efeitos da crise é o mercado financeiro. Mantidas as taxas de juros baixas dos últimos tempos, economias como a brasileira hoje continuam a ser atraentes para investidores externos. Ao mesmo tempo, a incerteza naturalmente associada a situações de conflito e agora com a provável necessidade de captação de recursos por parte da economia japonesa, para sua reconstrução, podem provocar um deslocamento das paridades relativas do dólar, contribuindo para aliviar ao menos em parte a excessiva valorização da moeda nacional, que tem afetado tanto a competitividade dos produtos brasileiros.

Os efeitos reais das manchetes alarmantes que temos visto nas últimas semanas só serão vistos daqui a algum tempo. Mas existe a desconfiança de que eles não serão pequenos.

(*) Renato Coelho Baumann das Neves é professor do Departamento de Economia, da Universidade de Brasília. Possui graduação e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília e doutorado em Economia pela University of Oxford.

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