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O maior erro judiciário do Brasil: O caso dos irmãos Naves

Por Fábio Andrade (*) | 30/03/2011 14:55

Araguari, 1937. Os irmãos Sebastião Naves, de 32 anos de idade e Joaquim Naves, com 25, eram simplórios trabalhadores que comerciavam bens de consumo, como cereais.

Joaquim Naves era sócio de Benedito Caetano. Este havia adquirido grande quantidade de arroz, trazendo-o para Araguari, onde vende o carregamento por expressiva quantia. Na madrugada de 29 de Novembro de 1937, Benedito desaparece do Araguari, levando consigo o dinheiro da venda do arroz. Os irmãos Naves, constatando o desaparecimento, sabendo que aquele estava de posse de vultosa quantia em dinheiro, comunicam o fato à polícia, que incontinenti dá início às investigações.

O caso é atribuído ao Delegado de Polícia Francisco Vieira dos Santos, sendo ele o protagonista do maior erro judiciário da história brasileira. Militar determinado e austero (era Tenente), o Delegado, no início das investigações, formula a convicção de que os irmãos Naves seriam os responsáveis pela morte de Benedito. A partir daí, segue-se uma trágica, prolongada e repugnante trajetória na vida dos irmãos Naves e de seus familiares.

A perversidade do Tenente Francisco se estendeu aos familiares dos indiciados, sendo a esposa e até mesmo a genitora deles covardemente torturadas, sofrendo ameaças de estupro, caso não concordassem em acusar os maridos e os filhos.

A defesa dos irmãos ficou a cargo do advogado João Alamy Filho, que jamais desistiu de provar a inocência de seus clientes, ingressando com os mais diversos recursos jurídicos disponíveis, na tentativa de provar às autoridades o equívoco em que incorriam.

Iniciado o processo, sob as constantes ameaças do Tenente Francisco, os irmãos Naves são pronunciados para serem levados ao Tribunal do Júri, sob a acusação de serem os autores do latrocínio de Benedito Caetano, ao passo que a mãe dos irmãos, D. Ana Rosa Naves, é impronunciada.

Na sessão de julgamento, começa a surgir a verdade, com a retratação das confissões extorquidas na fase policial e, principalmente, com o depoimento de outros presos que testemunharam as seguidas e infindáveis sevícias sofridas pelos acusados na Delegacia de Polícia.

Dos sete jurados, seis votam pela absolvição dos irmãos Naves. A promotoria, exercendo seu vezo acusatório, recorre ao Tribunal de Justiça, que anula o julgamento, por considerar nula a quesitação.

Realizado novo julgamento, o veredicto anterior se confirma: 6 a 1 pela absolvição. Quando parecia que o infortúnio dos irmãos Naves chegaria ao fim, o Tribunal de Justiça resolve alterar o veredicto (o que era possível, pois no regime ditatorial da Carta de 1937 não havia a soberania do Júri), condenando os irmãos a cumprirem 25 anos e 6 meses de reclusão, reduzidos, após a primeira revisão criminal, para 16 anos. Cumpridos 8 anos e 3 meses da pena, os irmãos obtêm livramento condicional, por bom comportamento, em agosto e 1946.

Joaquim Naves falece, como indigente, após longa doença, em 28 de agosto de 1948, em um asilo de Araguari. Antes dele, em maio do mesmo ano, morria em Belo Horizonte seu algoz, o tenente Francisco Vieira dos Santos.

De 1948 em diante, o sobrevivente Sebastião Naves inicia a busca pela prova de sua inocência. Encontra pistas que o levam a Benedito, em julho de 1952, quando Benedito retorna à Nova Ponte, residência de seus pais, sendo então reconhecido por um primo de Sebastião Naves.

De posse dessa informação, Sebastião dirige-se a Nova Ponte, acompanhado de policiais, vindo a encontrar Benedito, que afirmou não ter qualquer notícia do que ocorrera após a madrugada em que desapareceu de Araguari.

Coincidentemente, dias após sua prisão, toda a família de Benedito morre tragicamente na queda do avião que os transportava a Araguari, onde prestariam esclarecimentos sobre o suposto desaparecimento daquele.

Em nova revisão criminal, os irmãos Naves foram finalmente inocentados em 1953. Como etapa final, iniciou-se o processo de indenização civil por erro judiciário.

Em 1956 foi prolatada a sentença, que mereceu recursos pelo Estado, até que, em 1960, vinte e dois anos após o início dos suplícios, o Supremo Tribunal Federal conferiu a Sebastião Naves e aos herdeiros de Joaquim Naves o direito à indenização.

(*) Fábio Andrade é advogado, especialista em Direito Penal e Processual Penal.

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