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O novo faroeste caboclo do Mato Grosso do Sul

Samia Roges Jordy Barbieri | 11/06/2013 17:17

Importante analisar a situação em que vivemos em Mato Grosso do Sul, nas questões relacionadas ao Direito Indígena. Sou procuradora municipal concursada desde 1991. Após os meus estudos, tanto no Mestrado como no Doutorado, queria que meu trabalho acadêmico refletisse a realidade local e que esses mesmos trabalhos pudessem demonstrar a importância do Princípio da Dignidade Humana no Direito, em especial ao Direito Indígena. Digo isso porque ninguém que more em Mato Grosso do Sul, lugar onde vivo com minha família, pode dar as costas para o que vivemos como a luta dos povos indígenas. Luta e resistência por suas terras, com tanto sangue derramado no conflito, com morte de várias lideranças, impunemente.

Vivemos um período de crises e de insegurança jurídica quando recebemos a notícia de mandados de reintegração de posse contra índios em Mato Grosso do Sul, porque assistimos ao acirramento do ódio étnico entre povos indígenas e ruralistas. Isso gera angústia para ambos os lados, e se iniciam os maiores conflitos de que se tem notícia.
Importante salientar que como operadora do Direito, Presidente da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS, a única comissão permanente do país, não admitimos o descumprimento de qualquer ordem judicial. Digo isso porque isso foi dito pela Polícia Federal de MS, em nota pública.

Como observadores da causa indígena, a COPAI jamais incitou qualquer população indígena, o protagonismo é dos povos indígenas e, assim, tratamos a questão indígena, respeitando a autodeterminação, a cultura e o direito à alteridade desses povos na sua luta infindável por sua tekoha.

O Poder Judiciário como um dos pilares do Estado Democrático de Direito deve ser respeitado em suas decisões. E nessas decisões proferidas pelo Poder Judiciário relacionadas ao Direito Indígena devem ser observados, em primeiro lugar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, as normas específicas como direito à alteridade e à diferença, autodeterminação, consulta livre, prévia e informada, repartição justa e eqüitativa dos benefícios, e ainda as ciências humanas como antropologia, sociologia e história, para entendermos a sistemática e a completude da situação e o por que de tanto conflito.

Nunca havia assistido a tal situação em que estamos vivendo, assistindo à reintegração de posse sem a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, com armamentos letais e sem o cuidado de manter a todo o momento o diálogo, para que se evite a morte de ambos os lados. O resultado foi a morte de Oziel Gabriel e a internação de Joziel Gabriel, que foi alvejado com um tiro na nuca, podendo ter risco de tetraplegia.

Cabe salientar, por oportuno, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana significa a conquista da humanidade após a barbárie de duas guerras mundiais em que a humanidade através da Carta da ONU de 1945 e da Declaração Universal de Direitos do Homem buscou resguardar como princípio universal e geral a proteção da humanidade aos horrores das guerras, como esperança última de guarida dos direitos humanos e das liberdades individuais.

A demarcação das terras indígenas faz parte do mandamento constitucional. Temos o direito indígena permeando todo o ordenamento constitucional não-somente os artigos 231 e 232, que são a base do direito indígena, como também: o artigo Art. 1.º, inciso I, art 3°, inciso IV, art 4°, inciso III, § único, art 5°inciso LV, art 20, XI, § 2°, art 22 inciso XIV, art 49 inciso XVI, art 109 inciso XI, art 129 inciso V, art 174 § III e IV, art 176 § 1°, art 210 § 2°, art 215 § 1°, art 216 § 1° e 2°, além do art 225 que trata do meio ambiente, pois onde existem os povos indígenas há a preservação do ecossistema e da diversidade.

Contudo, o que mais importa neste momento, é o que determina o artigo 67 do ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição Federal de 1988, no ADCT, onde está disposto que em cinco anos da promulgação, as terras indígenas deveriam ser demarcadas. É o que preceitua a Constituição.

Não podemos rasgar o texto da Constituição e assistirmos a dizimação e o genocídio cultural dos habitantes originários. A luta e sua resistência dos povos indígenas são louváveis. Precisamos situar a questão indígena para nos posicionarmos. A população indígena constitui cerca de 0,3% da população nacional em aproximadamente 11% do território nacional.

Por que o Estado Nacional até agora não conseguiu resolver esta situação? Obviamente, por questões capitalistas ligadas ao poder econômico, 'a morosidade do processo de demarcação, e mais uma infinidade de recursos intermináveis por ambas as partes, que procuram resguardar os seus direitos, e a indefinição do julgamento pelo Poder Judiciário.
Necessitamos, urgentemente, de uma CULTURA DE PAZ para o Estado de Mato Grosso do Sul, esta é a missão da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS e de todos nós, sociedade civil, que não agüentamos viver em uma terra de sangue derramado, um verdadeiro nazismo ou apartheid social das populações indígenas, donos de uma cultura vastíssima e de uma resistência infindável.Nós que vivemos em MS bem sabemos.

Precisamos da definição de políticas públicas de governo para dirimir o conflito, porque a insegurança jurídica faz duas vítimas: os povos indígenas e fazendeiros que adquiriram suas terras de boa-fé, enquanto a União assiste ao verdadeiro massacre entre seres humanos, aparecendo na área de conflito apenas em caso de mortes, para voltar num próximo massacre.

Samia Roges Jordy Barbieri
Advogada, procuradora municipal, Presidente da COPAI - OAB/MS; Suplente do Conselho Federal da OAB; Membro Consultivo da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da OAB.

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