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Polícia Judiciária: instrumento de garantia do Estado Democrático de Direito

Roberto Gurgel de Oliveira Filho (*) | 10/04/2013 11:34

O Poder de Polícia do Estado se encontra concretizado através dos Órgãos Policiais. O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 enumera as Instituições Policiais que perfazem a Segurança Pública em cada um de seus níveis. Já os parágrafos do referido artigo deixa expresso as atribuições e competências de cada órgão policial. Diante da simples análise do artigo 144 resta clara a intenção do constituinte em estabelecer em nosso ordenamento jurídico a Polícia Judiciária bem como a Polícia Administrativa.

As investigações de infrações penais cometidas se dão por meio da chamada investigação criminal ou preliminar. Esta é formalizada por meio do Inquérito Policial cuja competência é exclusiva da Polícia Judiciária. Esta regra se excetua para os casos de crimes militares.

No entanto, não há que se negar a existência, inclusive disposta na Carta Magna, da prática de atos investigativos por outros órgãos que não a Polícia Judiciária. Podemos citar como exemplo de tais atos os Inquéritos Civis Públicos, os Processos Administrativos Disciplinares, as Comissões Parlamentares de Inquérito e os Inquéritos Policiais Militares. Ocorre que, todos esses procedimentos possuem claras diferenças entre suas finalidades e sujeitos com as existentes no Inquérito Policial conduzido pela Autoridade Policial no seu exercício de Polícia Judiciária.

É com base neste raciocínio e argumento principal que compete de forma exclusiva, aos órgãos de Polícia Judiciária a investigação de crimes e a reunião e produção de elementos probatórios que irão servir de alicerce para o futuro processo penal. É através do processo penal que se instrumentaliza o jus puniendi do Estado. Sendo assim, a fase pré-processual deverá ser realizada por órgão imparcial, independente e não integrante do mencionado processo penal, pois somente assim se distingue de forma clara o ente investigativo, do acusador e do julgador do Estado, visando, com isso, resguardar os direitos fundamentais dos cidadãos bem como os princípios que formam e norteiam o Estado Democrático de Direito.

2- O poder de Polícia Estatal: Evolução histórica – É na Idade Média, mais precisamente no Período Feudal, onde o poder conhecido como jus politiae pertencia ao príncipe que se verifica a origem do Poder de Polícia. Tal poder permitia ao príncipe estipular ao povo normas e regras sem ele príncipe se ver obrigado a cumprir tais atos normativos.

No entanto, os princípios do Liberalismo deram origem ao Estado de Direito verificando-se o surgimento de um novo período onde a sociedade é organizada e regida pelo Princípio da Legalidade ficando até mesmo o Estado sujeito à legislação que ele mesmo Estado estipulou.

Seguindo esta linha de raciocínio, é possível afirmar que o Poder de Polícia conferido ao Estado tem a finalidade precípua de cumprir a lei e suas finalidades, restringindo até mesmo direitos dos cidadãos quando em conflito com a política do Estado, a preservação da ordem pública e a segurança da coletividade. Esta ação estatal pode ser colocada em prática tanto de forma preventiva como de forma repressiva.

Ou seja, as investigações criminais nada mais são do que atos de Poder de Polícia do Estado, agindo de forma cautelar contra a criminalidade preparando a ação penal para o Ministério Público ou querelante impedindo que os elementos dos crimes se diluam no tempo.

Ocorre que, não há como deixar de mencionar que o combate à criminalidade como meio de atuação precípua do Estado ocorreu ao longo dos anos, de forma intensa nos séculos XVII e XIX. O momento de destaque neste processo se verifica com a criação de instituições que exercem o poder de polícia, prevenindo e reprimindo a criminalidade e que não se confundem com o representante físico do Estado.

Já no Brasil, foi no período colonial que tivemos um esboço de Polícia, por meio dos chamados alcaides. Estes exerciam as atividades de Polícia Administrativa e Judiciária e eram vinculados aos magistrados.

Somente no ano de 1841, através da Lei 261, regulamentada pelo Decreto 120/1942, que criou a Polícia Judiciária e o cargo de Delegado de Polícia é que as funções de Polícia Administrativa e Judiciária foram elencadas de forma distinta.

Atualmente, como dito, a Lei Maior definiu os órgãos policiais, tanto administrativos como judiciários, bem como cada uma de suas funções.

3 – Titularidade da investigação preliminar e o ordenamento constitucional - A Administração Pública exerce o seu poder de polícia por meio das polícias administrativas e judiciárias, sendo que os objetivos e atribuições destes órgãos policiais são dispostos na Constituição da República bem como na legislação infraconstitucional.

A Polícia Administrativa busca cumprir o seu mister constitucional agindo de forma preventiva, enquanto que a Polícia Judiciária atua de forma repressiva na busca de elementos que possam identificar a autoria e materialidade delitiva. Este é o marco que distingue a atuação das Instituições Policiais.

A Polícia Federal e a Polícia Civil são os órgãos policiais instituídos constitucionalmente como órgãos de polícia judiciária e cabe a elas a atividade repressiva aos crimes. Tais fatos podem ser facilmente concluídos pela análise do artigo 144, §§ 1º e 4º da Carta Constitucional. Ademais, não restam dúvidas que o constituinte originário conferiu, de forma exclusiva, o poder de investigar e apurar crimes à Polícia Judiciária.

A legislação extravagante, por sua vez, seguiu esse preceito constitucional ao dispor que o inquérito Policial é o meio de se formalizar as investigações criminais. Tal fato vem disposto nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal Brasileiro que ainda faz menção clara e direta à Autoridade Policial (Delegado de Polícia) como sendo o presidente do Inquérito Policial, apto a praticar e determinar os atos de investigação criminal, bem como o representante estatal para tal mister.

Há ainda que se ressaltar que o objetivo, a finalidade da investigação criminal consiste na elucidação de um delito praticado, constatando-se a sua existência através da autoria e materialidade delitiva. Assim a ação da Polícia Judiciária deve se restringir à busca e reunião de provas capazes de esclarecerem os fatos, independente de tais provas serem úteis ou não para o Estado-acusador.

Assim, o Inquérito Policial busca auxiliar tanto o órgão acusador como o órgão julgador da necessidade da existência de um processo criminal relacionado aos fatos apurados durante as investigações preliminares.

Neste sentido, Denílson Feitoza (2008, p. 171) assim leciona: O inquérito policial é “mera peça informativa”, podendo o titular da ação penal ter elementos suficientes ao oferecimento da denúncia por outros meios, motivo pelo qual se diz que ele pode ser dispensado (veja arts. 12, 27, 39 par. 5 e 46, par. 1 do CPP).

Em outras palavras, o inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal.

Assim, verifica-se com facilidade tanto na doutrina como na jurisprudência processual penal de nosso país a idéia do inquérito policial se tratar de uma simples peça de informação, sendo prescindível para a instauração da ação penal.

No entanto, a prática não dos dias atuais, mas de muito tempo vem nos mostrando que esta não é a realidade vivida no dia-dia dos titulares da ação penal, uma vez que, são raríssimos os casos em que se vê uma ação penal, pública ou privada, interposta sem as provas reunidas em um inquérito policial. Ademais, tal assertiva pode ser também aplicada a julgamentos e condenações calcadas em provas produzidas no inquérito policial. Tal fato, inclusive, teve que ser “corrigido” através da nova redação dada ao artigo 155 do Código de Processo Penal pela Lei 11.690/08 que proibiu os magistrados de proferirem sentenças condenatórias com fulcro exclusivo nas provas produzidas na fase da investigação preliminar.

Assim, a doutrina e a jurisprudência pátria acabaram reconhecendo o valor do inquérito policial para a persecução penal.

Novamente Denílson Feitoza (2008, p.171) leciona: O inquérito policial, do ponto de vista prático, todavia, é de suma importância numa variedade enorme de casos, sem o qual nunca se conseguiria propor a ação penal.

Ser uma “peça informativa”, quando comparado ao processo penal, em nada diminui o valor das autoridades policiais e de seus agentes, que é medido pela capacidade de realizar uma boa investigação, tampouco o valor do inquérito policial, que é medido pelo efetivo cumprimento das suas finalidades próprias.

Esta valorização do inquérito policial bem como da atividade de Policia Judiciária deve ser feita constantemente, não por simples vaidade, capricho ou demagogia, mas por ser a instituição que mais se aproxima da verdade real dos fatos tão buscada pelo processo penal brasileiro. É a Polícia Judiciária a primeira a ter contato, de forma técnica, com o evento criminoso tendo, com isso, meios de produzir as provas de forma capaz de se aproximar ao máximo da verdade real dos fatos.

Tais assertivas mais uma vez servem para destacar a importância e o valor das provas reunidas no inquérito policial sendo de grande relevância para demonstrar ao órgão acusador e ao órgão julgador a autoria e materialidade delitiva, circunstâncias e motivos do crime entre outros aspectos que interferem na atuação técnica destes órgãos.

Assim, diante destes fatos e argumentos, percebe-se que aos poucos esta idéia de ser o inquérito policial mera peça informativa vem perdendo força. Há doutrinadores, como por exemplo, Manoel Pedro Pimentel (Advocacia Criminal – Teoria e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p.3) que já entendem que o inquérito policial é um processo (procedimento) preparatório, em que existe formação de prova, dispondo a autoridade policial de poderes para investigação.

Somam-se a estes fatos as provas consideradas técnicas que são realizadas durante as investigações criminais e acostadas ao inquérito policial que, por uma questão prática não se verifica a oportunidade de serem novamente realizadas em juízo e, da mesma forma que as produzidas em juízo, são capazes de instruir o processo penal. Assim, restaria apenas o interrogatório, oitiva de testemunhas e vítimas além de outros meios de provas para serem refeitos e revalidados em juízo.

Diante de todos estes fatos, lições, assertivas e da legislação, a investigação criminal preliminar deve servir para a aferição da viabilidade da aplicação do poder de punir do Estado, devendo, com isso, ser realizada por ente independente, autônomo e que não ocupa nenhum dos pólos do processo penal.

4- Investigação criminal e sua legitimidade - Conforme ficou assentado, a mudança do tratamento e a importância dispensada ao Inquérito Policial, formalizador da investigação criminal, tem refletido em grandes disputas de órgãos e instituições em todos os entes federativos no que se refere à legitimidade da investigação criminal. Isto significa dizer que a partir do momento em que se passou a valorizar e a dar importância às investigações policiais, outras instituições, cada qual com seu motivo justificador, se viram no direito de também realizar investigações.

Vejamos dois exemplos desta clara e evidente usurpação de funções.

A Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul editou no ano de 2000 a Portaria nº. 172 permitindo que a Brigada Militar lavre os Termos Circunstanciados de Ocorrência das infrações de menor potencial ofensivo quando vítima e autor dos fatos estiverem presentes no momento do registro da ocorrência. Dois esclarecimentos: por razões históricas no Rio Grande do Sul permaneceu a nomenclatura Brigada Militar e não Polícia Militar; já a justificativa de tal portaria consiste no auxílio da referida Brigada à Polícia Civil.

No Estado de Mato Grosso do Sul, em algumas comarcas era freqüente a realização de Relatórios de Investigações realizados pela Polícia Militar que serviam de base para Pedidos de Busca e Apreensão feitos pelo Ministério Público. Porém, após serem deferidos os pedidos o seu cumprimento se dava também pelos Policiais Militares.

Essas e outras práticas acabaram perdendo força após a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública editar a Resolução nº. 246 de 26 de janeiro de 2001, onde determina que as ocorrências policiais de menor potencial ofensivo devem ser apresentadas à Polícia Judiciária para que a autoridade competente, Delegado de Polícia, decida e determine a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Ocorre que, não restam dúvidas acerca do Termo Circunstanciado de Ocorrência ser procedimento típico de investigações o qual tem por finalidade apurar delitos de menor potencial ofensivo, conforme disposto expressamente na Lei 9.099/95. Sendo procedimento típico de investigação, independente de ser de pouca gravidade o delito a ser apurado, trata-se de atividade de Polícia Judiciária e deve ser realizada, obviamente, pelas Policias Civil e Federal, através dos Delegados de Polícia.

Assim, com esta tendência de usurpação das funções definidas na própria Constituição Federal e pacificada, inclusive, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não há que se falar em Termo Circunstanciado de Ocorrência, Pedido de Busca e Apreensão e até mesmo lavratura de Auto de Prisão em Flagrante Delito perpetrados por policiais militares, salvo nas hipóteses de crimes militares.

Corroborando este posicionamento a lição de Fernando da Costa Tourinho Neto (2008, p. 75 e 76,): “Que Autoridade Policial tem competência para determinar esse Termo Circunstanciado (TC)? Sempre se entendeu, entre nós, que Autoridade Policial é o Delegado de Polícia. O art. 144, § 4º, da Constituição dispões que “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto militares”(. . .)

Este também é o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci, ao comentar o artigo 69, da lei 9099/95: (2008, p. 750)

“Autoridade Policial: na realidade é apenas o delegado de polícia, estadual ou federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial. Portanto, o correto é que o termo circunstanciado seja lavrado unicamente pelo delegado. Assim, também, a posição de Cesar Roberto Bitencourt, Juizados Especiais Criminais Federais, p. 59-60.(...)”

Não bastassem essas usurpações praticadas pela Polícia Militar realizando atos típicos de Polícia Judiciária, existe no cenário nacional também a questão do poder de investigação do Ministério Público quanto à titularidade da investigação criminal.

A discussão ganhou corpo e destaque em nosso ordenamento jurídico e no meio acadêmico resultando, inclusive, em diversas argüições de inconstitucionalidade seja pela via concentrada seja pela via difusa.

A Adepol do Brasil – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.309 em face ao Estatuto do Ministério Público da União – LC 75 bem como em relação à Resolução 77 de 2004, a qual regulamenta o artigo 8º da referida lei e concede poderes investigatórios ao parquet. Já a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3836 em face da Resolução 13 de 2006 do Conselho Nacional do Ministério Público a qual além de conferir poderes de investigação ao Ministério Público legisla sobre matéria de direito processual penal.

Muitas são as justificativas apresentadas para sustentar o posicionamento favorável a instituições alheias às Polícias Judiciárias possuírem legitimidade para conduzirem investigações criminais. O direito comparado é uma delas quando se visa justificar a pretensão do Ministério Público.

Países como Espanha e França adotaram o sistema do juiz instrutor, sendo ele o responsável pelas investigações. Já Portugal, Alemanha e Itália adotaram o sistema do promotor investigador.

Neste sentido o Professor e Procurador de Justiça Denílson Feitoza (2008, p. 186) assim aduz: No mundo, parece-nos que há apenas dois países inexpressivos em que a polícia tem exclusividade de apuração de infração penal. A tendência mundial é a de fortalecimento do poder investigatório do Ministério Público, como ocorreu, por exemplo, na Alemanha, Itália e Portugal.

Ocorre que tal ensinamento, data vênia, deixa de lado a realidade do ordenamento jurídico pátrio e as grandes mudanças legislativas que ocorreram nos sistemas jurídicos dos países citados. Para que o Ministério Público daqueles países tivessem poder de investigação foi necessária uma grande mudança e reforma em suas leis processuais penais. Com isso, o poder de investigação conferido ao parquet não afronta o sistema constitucional daquelas nações. Este fato, por sua vez, não se repete no Brasil tendo em vista não termos vivenciado uma grande reformulação em nosso ordenamento processual penal em nível constitucional e na legislação esparsa.

Isto significa dizer que diante do nosso ordenamento, que confere com exclusividade e de forma expressa o poder de investigação à Polícia Judiciária não há que se falar em legitimidade do Ministério Público de investigar crimes.

Outro argumento apresentado é o da existência, com previsão legal, de outros procedimentos de natureza investigatória que não são de competência das Polícias Judiciárias como, por exemplo, os Processos Administrativos Disciplinares, as Comissões Parlamentares de Inquérito, os Inquéritos Civis Públicos e os Inquéritos Policiais Militares.

Porém, este argumento acaba sem inócuo a partir do momento em que se constata que referidos procedimentos não tem a mesma finalidade, sujeitos e objetos do inquérito policial. Tais procedimentos não visam, como o inquérito policial realizado na função de Polícia Judiciária, a apuração de crimes.

O Processo Administrativo Disciplinar tem como finalidade única a investigação e apuração da ocorrência de infrações de natureza disciplinar perpetradas por funcionários públicos. Tal mister é de incumbência da corregedoria do órgão cujo servidor encontra-se vinculado. No entanto, cabe ressalvar que todos os atos de investigação, do processo e punitivo, tem natureza eminentemente administrativa. Isto significa dizer que na hipótese do servidor praticar uma infração disciplinar em concurso com um crime definido na lei penal, tais informações deverão ser repassadas ao órgão competente, no caso a Polícia Judiciária para a devida apuração do fato criminoso que, por sua vez, poderá servir de base para o futuro processo penal.

Já as Comissões Parlamentares de Inquérito possuem poder investigatórios previstos na própria Magna Carta (artigo 58, §3º.). Para as CPIs a Constituição Federal outorgou poderes parecidos com os conferidos aos magistrados uma vez que é permitido, por exemplo, decretar a quebra de sigilo telefônico, fiscal e bancário. No entanto, mais uma vez voltamos às finalidades de tais investigações. As CPIs buscam apurar atos de improbidade administrativa e quebra de decoro parlamentar e não crimes, aplicando, consequentemente punições disciplinares. A ocorrência de crimes, quando são constatados durante as investigações de uma CPI, deve ser imediatamente relatada à Polícia Judiciária que deverá instaurar o Inquérito Policial, realizando diligências, prisões, indiciamentos e, posteriormente, o envio ao Poder Judiciário para o inicia do processo criminal.

A Ação Civil Pública, por sua vez, confere sim ao Ministério Público o poder de investigação para a instauração de Inquérito Civil. Ocorre que referido poder de investigação tem como finalidade a preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico bem como ao meio ambiente e demais interesses difusos. Assim, não há que se confundir o poder de investigação do MP em sede de ação civil pública com o poder de investigação criminal das Polícias Judiciárias. Tal fato se reforça pelo fato de não ser possível em um inquérito civil, por exemplo, a representação de prisão provisória ou qualquer outra medida cautelar de caráter investigativo-criminal.

No caso dos inquéritos policiais militares, estes servem para a apuração de crimes militares e possuem justiça própria para isso, inclusive, com previsão constitucional. Porém, mais uma vez nos deparamos com penas de natureza administrativas. Isto significa dizer que se trata de uma justiça de natureza administrativa, até porque, na hipótese do militar cometer um crime comum será julgado pela justiça comum, federal ou estadual, conforme o crime. Assim, também não há que se confundir o poder de investigação da Polícia Judiciária com o poder investigatório exercido em âmbito de inquérito policial militar.

Diante desta breve análise de cada um destes procedimentos usados como argumento para se conferir o poder de investigação a outros órgãos que não os de Polícia Judiciária e, verificando-se que os poderes, sujeitos, objeto e finalidades não se confundem uma vez que nenhum deles apuram diretamente crimes e não visam à aplicação de sanções penais, não há que se falar em investigação criminal senão a realizada pela Polícia Civil e Federal.

Além do direito comparados e dos procedimentos acima citados, ainda é utilizado como argumento para se conferir poder de investigação ao Ministério Público a chamada Teoria dos Poderes Implícitos.

Através desta Teoria, argumenta-se que se o Ministério Público é o titular da ação penal, possui também poderes para dirigir e instrumentalizar as provas que servirão de base para a eventual propositura.

No entanto, se este raciocínio fosse correto não deveria existir a Polícia Judiciária, nem mesmo o Ministério Público, cabendo ao Juiz investigar, propor a ação penal e julgar, pois, uma servirá de base para a outra. Ademais, se tal raciocínio fosse aplicado ao querelante nos casos de crime de ação penal privada, estaríamos diante de pessoas físicas com poderes de investigação, o que nos parece um absurdo completo.

Há que se ressaltar ainda que é inaceitável o argumento da aplicação da Teoria dos Poderes Implícitos quando se verifica no ordenamento jurídico a previsão expressa de determinada atribuição a determinados órgãos. A Lei Maior foi clara e direta ao conferir, de forma exclusiva, tal poder de investigação criminal à Polícia Judiciária no artigo 144, §1º, assim como fez em relação ao Ministério Público no que se refere à propositura da ação penal pública e requisição de instauração de inquérito policial (artigo 129, incisos I e VIII).

Por todas essas assertivas, verifica-se que todos os argumentos apresentados em favor do poder de investigação a outras instituições que não as Polícias Judiciárias não condizem com o disposto na Constituição da República, na legislação processual penal e nas teorias jurídicas, ficando pacificado que a investigação criminal é atribuição exclusiva da Polícia Judiciária.

5 – Polícia Judiciária e o Estado Democrático de Direito - O conceito de Estado Democrático de Direito já se encontrava na primeira constituição de nosso país, a de 1824, conhecida como Constituição do Império. Porém, referido conceito somente passou a reger de forma efetiva o desenvolvimento e a organização de nossa sociedade a partir de 1988 com a promulgação da chamada Constituição Cidadã.

No Estado Democrático de Direito verifica-se o dever de cumprimento efetivo da lei tanto por parte dos cidadãos como por parte do próprio Estado que editou referidas leis. Isto significa dizer que ninguém esta imune à lei.

Assim cabe destacar algumas das características do Estado Democrático de Direito: império da lei, repartição dos poderes, existência e garantia de direitos fundamentais do cidadão e unidade do ordenamento jurídico.

O Estado Democrático de Direito visa garantir ao cidadão seus direitos e garantias tendo como medida fundamental para isso a divisão dos poderes do próprio Estado, conforme a lição de Montesquieu.

O direito de punir do Estado, ou jus puniendi, tem como base, alicerce a referida divisão de poderes consoante as expressas disposições constitucionais. O Poder Executivo terá a missão de investigar por meio de da Polícia Judiciária. Já ao parquet caberá impetrar a ação penal. A missão do poder Judiciário será a de julgar. Esta divisão proporciona aos cidadãos a necessária segurança jurídica, inclusive àqueles que cometeram delitos uma vez que terão a certeza de que o responsável pela investigação não se confunde com o acusador nem mesmo com aquele que julga.

Permitir que o Ministério Público produza de forma unilateral e preliminarmente as provas acarreta um vício inegável ao referido princípio tendo em vista se tratar o MP de parte no processo e mais, parte acusadora. Assim, teríamos a garantia constitucional do devido processo penal prejudicada, uma vez que referida cláusula pétrea visa garantir todos os direitos dos réus, equilibrando as funções do Estado de investigar, acusar e julgar e o cidadão.

Desta forma, conforme já mencionado, as provas técnicas quando produzidas no inquérito policial não são novamente realizadas em juízo. Desta forma, se produzidas de forma unilateral pelo Ministério Público estaríamos diante de um claro desrespeito ao devido processo legal bem como até mesmo à própria noção de Estado Democrático de Direito.

O Estado Democrática de Direito vê-se constantemente sujeito a riscos com as ações humanas seja no meio político, com ações ditatoriais, seja pela ação de organizações criminosas. Com isso, uma das funções da Polícia Judiciária é a de manutenção do Estado de Direito através da ação repressiva contra as organizações criminosas que, atualmente, tem atuado em todas as esferas de nossa sociedade, bem como através de investigações preliminares e imparciais. Este tipo de investigação busca a verdade real sobre os fatos e não apenas alimentar a pretensão de determinada parte no processo, fato este que colocaria em risco até mesmo a viabilidade do processo.

O estado não tem o direito de colocar o cidadão como parte de um processo criminal sem que tenha um mínimo de indícios ou elementos que lhe autorize a iniciar a ação penal. É aí que consiste o objetivo do inquérito policial, qual seja, reunir elementos e provas que da autoria e materialidade delitiva para que o Estado possa exercer o seu direito de punir ou solicitar o arquivamento dos autos.

Tendo em vista se tratar do principal meio de investigação criminal, o inquérito policial também se reveste da qualidade de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, uma vez que, com ele, se impede que as pessoas sejam submetidas a um processo criminal sem o mínimo de fundamento.

Desta forma, para a garantia do Estado Democrático de Direito não basta apenas à valorização do inquérito policial, ou apenas constatar que ele é de exclusividade da Polícia Judiciária. Para se ter um verdadeiro Estado Democrático de Direito é necessária a autonomia administrativa, financeira e funcional das Polícias Judiciárias, revestindo seus agentes de garantias como a inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios e vitaliciedade.

(*) Roberto Gurgel de Oliveira Filho é delegado de Polícia Civil em MS, pós-graduado em Direito Constitucional pela Unisul/SC, pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera/MS, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/RJ e professor da Academia de Polícia Civil de MS.

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