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Provas no Processo Penal, por Thiago Guerra

Por Thiago Guerra (*) | 23/08/2011 06:01

Conta uma antiga história da época das ordálias, que um homem falsamente incriminado de ter praticado um roubo foi conduzido à presença de um magistrado, por um rico comerciante que se qualificava como vítima.

Na praça pública, perante todos os demais cidadãos, o juiz ouviu a sumaríssima acusação, bem como a defesa. Em seguida, pegou dois pedaços de papel de seu bolso direito e disse:

Numa dessas cédulas encontra-se o veredicto de culpado e na outra de inocente.

Em seguida, dirigiu-se ao acusado dizendo-lhe:

_ Você deverá escolher um desses veredictos e nele estará sua liberdade ou sua condenação, pois assim é a vontade de Deus.

Ciente de que as duas cédulas continham a pecha de culpado, pois nunca vira outro cidadão ser considerado inocente dessa forma, o homem escolheu um dos papéis e rapidamente colocou-o na boca, engolindo-o.

Nesse momento, todos que estavam na praça, inclusive o juiz e o comerciante, ficaram abismados com a atitude do acusado, quando então o magistrado apregoou para todos:

_ Agora não teremos como saber se o réu é de fato culpado ou inocente!

Mas imediatamente, clamou o cidadão:

_ Pois muito bem senhor juiz, basta ler o que diz o veredicto que se encontra em suas mãos, porque o que eu escolhi e engoli continha a vontade divina e desta forma far-se-á a Justiça.

Essa singela história demonstra como era facilmente manipulável e injusto o sistema das ordálias, em que os acusados muitas vezes ficavam a mercê da sorte, verbi gratia quando amarrados e jogados num rio para se saber se eram culpados ao afundarem, ou inocentes se flutuassem.

Nessa época, o processo era extremamente precário e as provas, muitas vezes forjadas ou colhidas unilateralmente, tinham por finalidade quase que exclusiva a condenação dos réus.

O desenvolvimento das sociedades humana acarretou a conseqüente evolução dos diversos ordenamentos jurídicos peculiares a formação social de cada povo.

Com isso, o processo ganhou sistematização, princípios e preceitos, passando por diferentes fases até chegar ao estágio atual, em que se divide basicamente em três fases: postulatória, instrutória e decisória.

No entanto, a importância das provas é tão grande que se faz sentir em todas as fases do processo.

Afinal, a denúncia ou queixa é sempre oferecida com algum respaldo probatório, servindo este também a formação da convicção do juiz para apuração da existência ou não de justa causa, tipicidade ou interesse de agir na aceitação ou rejeição da exordial.

Posteriormente, a fase probatória visa possibilitar a acusação e a defesa a colheita de novos ou melhores elementos probatórios.

Na decisão, ponto culminante do processo, “o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova” e “não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”, devendo, porém sempre indicar as razões de fato e de direito que o fundamentam.

Sem embargo, dentro do tema das provas encontramos a questão da prova penal ilícita. Quer nos parecer, que as provas penais ilícitas, sua aceitabilidade ou não no exercício da função jurisdicional penal, tem se revelado como uma das mais tortuosas questões da nova realidade jurídica brasileira.

Isto porque, a busca pelo equilíbrio harmônico entre a proteção dos direitos fundamentais consagrados pelo constituinte de 1988 e algumas diretrizes de proteção social tem levado à reavaliação da interpretação usualmente dada à cartesiana regra da absoluta inadmissibilidade das provas ilícitas.

Este fato ocorre, porque a Carta Magna brasileira elevou ao nível de princípios constitucionais sensíveis o devido processo legal, a presunção de inocência, o direito à intimidade e a vida privada, a proibição de utilização de provas obtidas por meios ilícitos, o contraditório e a ampla defesa, entre muitos outros.

Diante disso, boa parte da doutrina brasileira, encabeçada por Ada Pellegrini Grinover, a partir de sua obra “Liberdades Públicas e Processo Penal: as interceptações telefônicas”, tem firmado posição na defesa intransigente do direito à intimidade (sigilo e segredo) em uma perspectiva de liberdades públicas.

Mas, o reconhecimento nas leis constitucionais dos direitos econômicos e sociais e o advento da “teoria da proporcionalidade”, fizeram com que o procedimento de interpretação da Lei Maior merecesse sensíveis alterações, forçando a idéia de que a aplicação de um princípio constitucional não deve ser conducente à simples exclusão dos demais potencialmente incidíveis na matéria, vislumbrando-se o equilíbrio do conjunto e não apenas de uma de suas partes.

(*) Thiago Guerra é advogado, especialista em Processo Penal.

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