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Voto feminino, primeira conquista

Por Tania Navarro Swain (*) | 02/03/2012 06:03

As mulheres brasileiras votam há quase um século. 80 anos hoje, para ser mais precisa.

Em sua luta pelo direito de voto as sufragistas brasileiras foram ridicularizadas, vilipendiadas, pois “mulheres decentes” não poderiam ter aspirações políticas.

Nas discussões sobre o voto feminino na Constituinte de 1891 invocou-se o biológico para afastá-las da cena política, afinal sua “natureza” as destinava ao âmbito doméstico, aos afazeres próprios ao feminino. “Rainha do lar”!

Afastar as mulheres do político, das questões de caráter público evidenciava o medo do patriarcado (sistema de domínio dos homens sobre as mulheres) de perder o controle sobre elas, pois direitos políticos implicariam em abrir comportas às reivindicações femininas.

O direito de voto, entretanto, não assegurava por si só uma plena cidadania às mulheres.

O direito à educação plena, direito ao trabalho, direito de receber seu salário em mãos próprias, de dispor de seus ganhos, direito de ir e vir, direito de decidir sobre seu domicílio, direito à guarda de filhos, direitos de um sujeito político independente foram sendo conseguidos aos poucos pelos movimentos de mulheres e pelos feminismos, retirando parcelas de poder que os homens exerciam sobre elas.

Se hoje existe a presunção de igualdade entre mulheres e homens, na realidade isto não se concretiza: os salários continuam a ser inferiores aos dos homens para trabalho igual e tanto no espaço público quanto no privado as mulheres sofrem violências múltiplas, materiais e simbólicas, pelo fato de serem mulheres.

Quem dá aos homens o direito de aterrorizar e maltratar mulheres e crianças em suas casas senão a condescendência social do patriarcado?

Quem dá a eles a possibilidade de violentar e prostituir meninas e mulheres, senão a aprovação implícita do social?

Foi preciso uma mulher ficar paralítica pela violência de um homem, foi necessário um julgamento do Supremo Tribunal para impor como constitucional a lei Maria da Penha, que pune tais violências. Isto depois de décadas em que assassinos de mulheres eram inocentados pela “defesa da honra”.

No imaginário patriarcal as mulheres são ainda sinônimas de corpos a serem dominados/utilizados e o direito ao governo de seu próprio corpo é um bastião que tarda a cair, sobretudo sob as influencias religiosas, que fazem em torno do ventre das mulheres seu campo de batalha.

Não espanta os ataques virulentos vindos de deputados “religiosos” contra a nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Eleonora Meniccuci, incansável defensora dos direitos das mulheres, entre os quais o direito ao aborto: o controle dos corpos das mulheres representa pedra fundamental da vontade de poder do patriarcado.

E a hipocrisia religiosa esconde mais de um milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil, como foi estimado pela ONU nos últimos dias; neste caso, a mortalidade materna não entra no famoso “direito à vida”. Assim como não tinham direito ao voto, as mulheres ainda hoje não dispõem legalmente de seus corpos.

Conquista do voto: primeira etapa de conquistas múltiplas a serem alcançadas. Falta ainda um longo caminho.

(*) Tânia Navarro Swain é professora do Departamento de Históira, da Universidade de Brasília, possui graduação em História-Bacharelado e Licenciatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutorado nas Universidade de Montréal e Québec à Montréa, doutorado em Sociétés Latino-américaines-Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) e mestrado em História da América Latina - Université de Paris X, Nanterre. Áreas de atuação e pesquisa: epistemologia feminista, sexualidade, gênero, história das mulheres, teoria e metodologia da história.

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