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Capital

Beneficiários viram corretores e fazem melhorias para valorizar a venda

Paula Maciulevicius | 24/03/2012 11:14

Aposentada pede na casa R$ 50 mil e justifica que os interessados precisam considerar as melhorias nas casas e a isenção de IPTU

Apesar do anúncio, moradora desconfia e diz que fogão que está à venda, mas depois abre negociação. (Fotos: Marlon Ganassin)
Apesar do anúncio, moradora desconfia e diz que fogão que está à venda, mas depois abre negociação. (Fotos: Marlon Ganassin)

O problema existe desde que as casas em conjuntos habitacionais começaram a ser entregues. Antes a venda era mais descarada, placas anunciando e tudo mais. Hoje é, como se diz, mais por baixo dos panos. Em uma volta pelo Residencial Nova Serrana, no Jardim Noroeste, o Campo Grande News encontrou o anúncio de "vende-se" escrito na própria parede de uma casa verde, na rua Curupá.

De imediato, a equipe desceu, se passando por compradores. A dona, uma aposentada, primeiro negou que estivesse vendendo o imóvel. Questionada sobre a placa improvisada, ela respondeu que se tratava da venda do fogão. A equipe fez que ia embora, dizendo que procurava uma casa. A senhora chama e pergunta se a procura é mesmo verdadeira e a partir daí inicia uma pré-negociação.

A aposentada pede na casa nada mais, nada menos do que R$ 50 mil. Bem acima da média que os próprios moradores comentam que vale, em torno de R$ 20 mil. Ela argumenta dizendo que os interessados precisam considerar as melhorias nas casas. "A minha é toda reformada. Eles entregam para a gente só com as paredes. Eu que fiz piso, coloquei PVC, fiz o fundo todo, e ergui muro", justifica.

A equipe diz que ainda assim o preço é elevado e ela conta que quem comprar não vai precisar pagar IPTU. "Eu sou isenta de IPTU, então a pessoa que comprar não vai nem ter que pagar por isso". A frase dá margem para entrar no quesito de documentação. Ela diz que está pago, que não deve nada à Emha e que por conta disso, pode vender sim. "A gente vai no cartório e faz o contrato. Passa como escritura de uma casa normal. Eu fiz assim já, eu comprei essa casa assim".

A aposentada que hoje põe a casa à venda não chegou a ser a beneficiada, comprou o imóvel da família que realmente havia sido contemplada.

Ela insiste na negociação, dizendo que tem várias pessoas interessadas, mas que só aceita à vista. "Nem por carro eu troco, isso eu já tenho".

Questionada sobre o porque quer se mudar, se é por conta da vizinhança, ela responde que não, que ali é tranquilo, que ela só precisa vir mais para o centro para atender aos clientes. A aposentada trabalha fornecendo marmitas.

Andreia mora em casa de tábua e já recebeu proposta para comprar imóvel no residencial Nova Serrana.
Andreia mora em casa de tábua e já recebeu proposta para comprar imóvel no residencial Nova Serrana.

Nesta mesma rua, Curupá, não está à venda só a casa da aposentada. Os dois vizinhos do lado também, um pede R$ 25 mil e o outro R$ 35 mil. "Eles também estão vendendo, o de lá até que fez reforma, esse aqui foi mexendo, mas a casa está toda inclinada".

A aposentada oferece também a casa do filho. "Ela está toda murada, com portão eletrônico, essas melhorias que a gente faz é para vender". A casa fica na mesma quadra, um pouco mais à frente.

A Curupá não é exceção. Existem inúmeras casas à venda e também beneficiários que depedendo da proposta, aceitam negociar. Na rua Baluarte, o Campo Grande News bateu em uma casa de esquina onde havia a denúncia de venda. O dono que atende diz que não. Nega que a casa tivesse sido colocada à venda e afirma categoricamente que é o beneficiado.

"Se tem casa à venda aqui? Eu não sei, aqui não pode vender", responde.

A equipe bate um pouco mais à frente e um vizinho aponta para uma casa "ali o dono quer vender". Chegando lá, o beneficiado explica que colocou à venda, mas não está mais, desistiu. Com o andar da conversa, ele pergunta qual é a proposta. A equipe ofereceu um carro como troca e o restante em dinheiro. O dono fala que pedia R$ 18 mil, R$ 20 mil, mas que se pagar 30% do valor à vista, o resto pode ser negociado.

Questionado se não havia mais casas à venda num valor menor, ele explica que depende da pressa. "Tem gente que passa por R$ 4 mil, até R$ 2 mil". A equipe pergunta se não há problema com fiscalização, ele responde "eles até batem, mas não dá nada. Aquela ali, ele mudou tem uns meses, comprou também". A casa a qual ele se refere é a mesma que o Campo Grande News foi, a da esquina e que o dono negou que tivesse comprado.

O beneficiado tenta justificar a venda de casas colocando a culpa nos problemas do bairro. "A gente não tem linha de ônibus, asfalto, nem escola e posto de saúde perto e o presidente do bairro não faz nada pela gente, aí quem consegue, vende".

Depois de andar pelo residencial, o Campo Grande News foi até as casas de tábua, na comunidade próxima ao aterro. Conversando com a dona de casa Andreia Rodrigues dos Santos, 49 anos, ela conta que ainda não se cadastrou na Emha por falta de documentos, mas que isso não foi impecilho para que ela, se quisesse, conseguir uma residência.

"Me ofereceram por R$ 12 mil em dezembro do ano passado, uma bem ali. A dona parece que conseguiu vender, era uma senhora que tinha saído daqui, foi para lá, vendeu e voltou para cá. Acho que agora ela está tentando no nome da filha. Eu não comprei porque não vale a pena, depois se eles tomam. Eles (beneficiados) querem dinheiro, não a casa, se fica sabendo que alguém quer comprar, vende por R$ 1 mil, R$ 1,5 mil", diz.

No residencial Ronaldo Tenuta, das 430 casas entregues, 60% já estão à venda. (Foto: Simão Nogueira)
No residencial Ronaldo Tenuta, das 430 casas entregues, 60% já estão à venda. (Foto: Simão Nogueira)

No residencial Ronaldo Tenuta, no bairro Portal Caiobá, entregue há pouco mais de sete meses, das 430 casas, segundo a Emha, 60% delas estão à venda. O número evidencia o comércio que se criou em volta de programas habitacionais. Por lá, mesmo se passando por compradores é difícil achar alguém que aceite negociar de primeira. Depois de muita conversa, uma moradora pergunta "mas você é da Caixa?" ao ouvir o não, ela começa a apontar casas que estão à venda.

Uma das casas que ela aponta, a vizinha explica que é porque a mulher tem chácara e o marido só fica mais por lá, parece que ele não se adaptou. Entre as demais relacionadas, ela fala das melhorias, "eles colocaram muro, calçaram, tem portão eletrônico". Sobre a faixa de preço, ela responde que varia "tem por R$ 2 mil, R$ 10 mil, R$ 18 e até R$ 20 mil".

A equipe bate em outra casa, uma aposentada recebe dizendo que o que mais acontece ali são as vendas. "Os sorteados são de tudo quanto é bairro, mas volta e meia eles estão mudando. Tem um que me explicou que ele tem casa no nome dele, que a mulher dele tem e o filho também, daí a daqui, ele vendeu".

Fiscalização - Segundo o diretor-presidente da Emha (Empresa Municipal de Habitação), depois da entrega das casas, o domínio passa a ser da Caixa Econômica. "A gente faz o trabalho, antes de entregar tem trabalho técnico social, depois fica 180 dias trabalhando com eles. Mas os beneficiados não aguentam ver R$ 5 mil, R$ 10 mil, R$15 mil reais", afirma Matos.

Do projeto Minha Casa, Minha Vida, a Emha conta que os beneficiados estão negociando mais caro, na média de R$ 15 mil. Paulo Matos ressalta que quem for denunciado por compra e venda de casas populares uma única vez, nunca mais será beneficiado no Brasil, por conta do cadastro nacional de habitação.

"A fiscalização e a retomada são importantes porque inibe o comprador. Se ele for comprar sabendo que vai perder dinheiro, não compra", diz.

A Emha tem conhecimento das vendas e principalmente dos instrumentos usados pelos vendedores.

"O pessoal chega anunciar em jornal, põe placa de vende-se. Hoje, ele recebe a casa, vende e procura área pública para receber outra casa, mas não vai poder ficar ocupando áreas. Agora a gente aperfeiçoou isso. Hoje é feito cruzamento de renda familiar e o benefício que tem nos programas federais, se faz triagem diante de todas essas informações e aí consegue traçar o perfil correto para ver quem precisa", explica.

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