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Capital

Plano que torna prefeitura 'dona' da cidade será questionado na Justiça

Criação de taxa, novo IPTU Progressivo e 30% de área permeável também viram polêmica

Aline dos Santos | 09/12/2016 14:42
Venda de terrenos deverá ser precedida de consulta se prefeitura tem interesse na compra. (Foto: Gerson Walber/Arquivo)
Venda de terrenos deverá ser precedida de consulta se prefeitura tem interesse na compra. (Foto: Gerson Walber/Arquivo)

Criação de taxa, ampliação do IPTU Progressivo e a prefeitura “dona” de todos os terrenos da cidade. As medidas – que integram o projeto do novo plano diretor de Campo Grande - têm forte resistência de entidades, serão questionadas na Justiça, são acusadas de travar o mercado imobiliário e, na voz dos opositores, ganham classificação de “bomba ”.

O maior volume de criticas vai para o direito de preempção (precedência na compra), coeficiente de aproveitamento, aumento do índice de permeabilidade, aplicação do IPTU Progressivo em toda a cidade e criação de fundo com 1% do orçamento para ser administrado pelo Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano).

“O problema é aprovar a toque de caixa. Sem discussão. No direito de preempção, para vender qualquer terreno acima de 250 metros quadrados você tem que informar se a prefeitura quer comprá-lo ou não. Isso vai ser bom para o município? não sabemos", afirma o presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial, Alípio Oliveira. A comissão faz parte da OAB/MS (Ordem dos Advogados só Brasil), que vai acionar a Justiça para barrar o plano diretor.

"Para o contribuinte será ruim, porque isso já sabemos. Não chega a ser confisco, mas se sobrepõe ao direito de propriedade. Cria um problema imobiliário no município”, acrescenta Oliveira.

Presidente do Secovi (Sindicato de Habitação de Mato Grosso do Sul), Marcos Augusto Netto exemplifica que para vender um terreno, em qualquer bairro da cidade, a pessoa terá que entrar com requerimento solicitando a manifestação do município, que dirá se vai exercer ou não o seu direito de preferência.

“O cartório só vai fazer a escritura com a certidão anexada. Vai ter que esperar dois, três meses pela resposta. Com a cidade inteira fazendo consulta, terá que ter uma secretaria nova só para responder. E claro que a prefeitura não quer comprar, não tem condições nem para pagar o 13º salário. Vai travar o mercado imobiliário. Não compra e nem vende com a velocidade necessária”, diz Marcos.

Para Ângelo Arruda,  mudança na taxa de permeabilidade expõe falta de planejamento. (Foto: Gerson Walber/Arquivo)
Para Ângelo Arruda, mudança na taxa de permeabilidade expõe falta de planejamento. (Foto: Gerson Walber/Arquivo)

Considerando que 250 metros quadrados corresponde à metragem do lote mínimo, a prefeitura pode ganhar o título de “dona da cidade”.

Para o coordenador do Observatório de Arquitetura e Urbanismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Ângelo Arruda, utilizar essa ferramenta, prevista no Estatuto das Cidades, em toda Campo Grande é equivocado. “Eu [Poder Executivo] quero construir um prédio público em um bairro que não tem mais área pública. Então, o proprietário é avisado que não pode vender sem oferecer para a  prefeitura”, afirma, sobre a utilização adequada desse recurso. 

Nova cobrança – Outro ponto polêmico é aplicação do coeficiente de aproveitamento, número que, multiplicado pela área do lote, indica a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser construídos. “Aqui em Campo Grande são 13 zonas urbanas e o coeficiente varia de 1 a 6, dependendo da zona. Agora, querem que todos fiquem 1”, diz o presidente do Secovi.

De forma resumida, em um terreno de mil metros quadrados e aplicado o coeficiente 1 pode-se construir mil metros. Com coeficiente dois, 2 mil metros. Caso o proprietário desse terreno de mil metros queira construir 3 mil metros, ele terá que comprar dois mil metros do município.

“É a venda de outorga onerosa do direito de construir. Usa uma fórmula para calcular o valor. Todo mundo vai ter prejuízo, vai afetar o preço dos imóveis, a arrecadação do IPTU, veja a gravidade”, afirma.

Segundo ele, isso é aplicado em apenas quatro das 5.570 cidades brasileiras. Uma delas é São Paulo. “Tem empresários planejando vir para Campo Grande, mas estão aguardando a decisão. O pessoal de São Paulo parou de construir. Nós queremos isso?”, questiona o presidente do Secovi.

“Vai ter que pagar 5% sobre o valor do custo de metro quadrado. Esse dinheiro seria de imposto para Campo Grande, mas vai diminuir a construção. Não podemo comparar São Paulo com Campo Grande. Se for bom, não tem problema. Mas tem que ser discutido com sociedade e não foi”, afirma o advogado Alípio Oliveira, que preside a comissão da OAB.

Possibilidade de nova cobrança acende alerta no setor da construção. (Foto: Marcos Ermínio)
Possibilidade de nova cobrança acende alerta no setor da construção. (Foto: Marcos Ermínio)

Sem construção – Atualmente, é preciso deixar 12,5% sem construir para que o terreno absorva a água. A proposta é aumentar a taxa de permeabilidade para 30%. Para Ângelo Arruda, a mudança expõe falta de planejamento. “Não é um único solo. Desde 1988 uma carta geotécnica apontou isso. A prefeitura não estudou a cidade inteira e diz que todo mundo é 30%”, enfatiza.

Avanço do IPTU – Apesar de não ser aplicado nem na região central, onde existe a previsão legal, e dormitar na gaveta do poder público há sete anos, o IPTU Progressivo ganhou “upgrade” na proposta. O plano agora é abrir a possibilidade de majorar a cobrança do imposto em lotes acima de 360 metros, que tenha menos de 20% de taxa de ocupação.

“Pode aplicar na cidade toda. A família tem há 20 anos um imóvel, uma casa de 60 metros, é passível de aplicação porque não tem 72 metros”, afirma o presidente do Secovi.

Quando aprovado, em 2008, a aplicação de uma cobrança diferenciada como antídoto aos vazios urbanos seria restrita ao Centro da cidade. Houve muita discussão entre o limite de querer engordar os cofre públicos ou forçar o fim da especulação imobiliária, fazendo com que a cidade “cresça para dentro”.

A regra prevê imposto maior para terrenos que não sejam utilizados, com alíquota de até 15% do valor venal do imóvel, caso ele fique cinco anos sem qualquer utilização.

Fundo milionário – Outra ponto questionado é a criação de um fundo com 1% da arrecadação. “Como a arrecadação gira em torno de R$ 300 milhões por mês, o Planurb vai gerir R$ 3 milhões, podendo pagar extras, produtividade, bônus para os funcionários. Eu entendo com o ilegal e inconstitucional. Mas precisa ser discutido se isso é bom ou ruim”, diz Alípio Oliveira.

Campo Grande é dividida em sete regiões urbanas. (Fonte: Planurb)
Campo Grande é dividida em sete regiões urbanas. (Fonte: Planurb)

Silêncio – Diante das críticas, referendadas por 30 entidades, a prefeitura rebate que o Planurb participou de 28 consultas públicas, mas sem colaborações. “Em referência ao manifesto, temos que dizer que efetuamos e participamos de 28 consultas públicas,inclusive na OAB,CAU e CREA, e essas entidades não colaboraram com nenhuma proposta. Quanto a outras entidades apresentaram propostas, foram incluídas nos estudos”, informa a assessoria de imprensa da prefeitura de Campo Grande.

De acordo com o Poder Executivo, o Direito de preempção e outorga onerosa constam no atual plano. Ainda conforme a assessoria, o Planurb não pensa em adiamento do plano diretor e o trabalho é acompanhado pelo Ministério Público, que “sabe que temos nos empenhado para o cumprimento dos prazos”.

A administração também defende a criação do fundo, considerado necessário para que a população tenha acesso à infraestrutura.

O plano – A revisão do plano diretor é feita a cada 10 anos. Em tese, o documento deveria ter sido aprovado até outubro deste ano. Contudo, a minuta ainda é discutida e há reuniões de grupos técnicos agendadas até 16 de dezembro. Campo Grande tem perímetro urbano de 35.903,52 hectares, sere regiões urbanas. 74 bairros e 743 parcelamentos.

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