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Capital

Por quê a culpa sempre cai na mãe em casos de abandono de criança?

Elverson Cardozo | 19/10/2012 20:46
O maior problema, explicou a juíza Katy Braun, é lidar com casos em que a parternidade é desconhecida. (Foto: Minamar Junior)
O maior problema, explicou a juíza Katy Braun, é lidar com casos em que a parternidade é desconhecida. (Foto: Minamar Junior)

Aos 19 anos, ela ficou grávida. Nesta semana, quatro anos e seis meses depois de a criança nascer, ficou conhecida como a mãe que abandonou o filho sozinho por cinco dias para trabalhar como prostituta, enquanto a criança só tinha mangas para comer. O pai, nesta história, ninguém sabe, e ninguém procurou, realidade mais do que comum em casos de abandono de criança.

O menino nem sabe quem é ele. Na certidão de nascimento, o registro foi feito apenas no nome mãe. Responsabilizar o pai, neste caso, é praticamente impossível. Está aí o principal desafio da justiça em casos do tipo.

Para a juíza Katy Braun, da Vara da Infância, Juventude e do Idoso, em Campo Grande, assim como a mãe, o pai pode ser responsabilizado e de duas formas: com a perda do poder familiar - a guarda do filho - ou por ações movidas contra ele, pelos próprios filhos, que podem entrar, no futuro, com pedido de danos morais por falta de amparo e assistência, situação que está se tornando cada vez mais constante.

Mas quando não há reconhecimento de paternidade, não há como penalizar o pai, explicou. É o caso da mãe que abandonou o filho no bairro Concórdia. Quando ficou grávida, o pai do menino não aceitou a criança e foi embora sem deixar notícias.

Para a jovem, que teve de criar o garoto sozinho, muita gente, na hora de julgar, esquece do pai. “Para a sociedade o filho é só da mãe, que dá a luz, amamenta, que leva, passa e cozinha”, disse. “Eu errei, reconheço. Pisei na bola feio, mas é porque eu nunca gostei de pedir favores”, completou.

Para Naura Clivia, psicóloga do TJ-MS, a cobrança em cima da mãe é cultural. (Foto: Minamar Junior)
Para Naura Clivia, psicóloga do TJ-MS, a cobrança em cima da mãe é cultural. (Foto: Minamar Junior)

A pressão social em cima das mães que apresentam desvio de conduta é uma realidade que chama a atenção. Nesse cenário, o pai surge apenas como reprodutor. A mulher, na avaliação da juíza Katy Braun, ainda carrega o peso de ser a dona de casa que cuida dos filhos e por isso o parceiro acaba sendo “protegido”, mesmo quando a responsabilidade cai sobre ele.

Voluntária do projeto Padrinho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, advogada Adriana de Oliveira Melo, de 31 anos, vê todos os dias, na prática da profissão, a ausência de responsabilização em cima dos homens.

Na grande maioria dos casos, afirmou, a paternidade é desconhecida, o que torna a situação ainda mais complicada. “O ônus social é da mãe", resume.

“O ônus social é da mãe”, disse a advogada Adriana de Oliveira. (Foto: Minamar Junior)
“O ônus social é da mãe”, disse a advogada Adriana de Oliveira. (Foto: Minamar Junior)

"Ela fica com a responsabilidade”, ressaltou, acrescentando que, mesmo ciente dos direitos e da divisão da responsabilidade com o parceiro, a mulher assume a culpa. “O homem não é tocado pelo cordão umbilical como somos”, exemplificou.

Psicóloga do TJ-MS, Naura Clivia, de 40 anos, acredita que a questão, além do laço afetivo, é cultural. Aos olhos da sociedade, a mãe sempre foi a responsável e, por conta dessa cobrança, acaba aceitando sozinha, sem questionar, o peso do compromisso. “Eu percebo que elas pegam para elas”, relatou.

Mas essa situação caminha para uma mudança, acredita. "O que falta é conhecimento", disse. Adriana de Oliveira também acredita em um novo comportamento. Para a advogada, o primeiro passo seria trazer o assunto à tona, pela mídia, de forma lúdica, utilizando o alcance que novelas, minisséries e seriados têm, por exemplo. “Atinge muito mais pessoas dessa forma”, ressaltou.

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