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Cidades

Histórias e dramas por trás da polêmica sobre aborto de anencéfalo

Fabiano Arruda e Aline dos Santos | 13/04/2012 18:20
Janine, com a filha Grazielly ao fundo no coloco da vó: bebê teve diagnóstico de anencefalia e a mãe decidiu prosseguir com a gravidez. (Foto: Minamar Junior)
Janine, com a filha Grazielly ao fundo no coloco da vó: bebê teve diagnóstico de anencefalia e a mãe decidiu prosseguir com a gravidez. (Foto: Minamar Junior)

O País parou no meio de semana para assistir ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o aborto de fetos anencéfalos, em que a Corte decidiu, após dois dias, que a mulher tem direito a interromper a gravidez nestes casos sem que a prática configure crime.

Os debates se espalharam sobre o polêmico tema. O Campo Grande News encontrou histórias que mostram dois extremos: uma mulher que conseguiu abortar o filho com diagnóstico de anencefalia e outra que decidiu levar a gestação adiante.

Em Maracaju, a 160 quilômetros de Campo Grande, a defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz conseguiu na Justiça, em dezembro do ano passado, que uma mãe, de 35 anos, abortasse o filho com diagnóstico de anencefalia.

A jovem, de família pobre, já tinha dois filhos biológicos e um adotivo e estava grávida de seis meses, quando resolveu procurar a defensoria com um laudo de anencefalia em mãos. Antes, para conseguir o aborto no País, ela teria que ingressar com liminar na Justiça.

A partir do pedido, a defensora solicitou mais dois exames: um para investigar o caso de anencefalia e outro que analisava a saúde psicológica da mãe.

O primeiro reforçou a doença, enquanto a avaliação apontou uma jovem depressiva e angustiada pela situação do filho que carregava. O quadro foi motivo de tentativa de suicídio.

O laudo com os detalhes do caso foi enviado ao MPE (Ministério Público Estadual), que deu parecer favorável ao aborto, autorizado posteriormente pela Justiça. Dez dias depois a mãe interrompeu a gravidez em procedimento realizado em Maracaju.

Segundo Eni Maria de Souza, o caso comprova a dificuldade que a mãe tem que suportar e lidar com sentimentos como receio e culpa.

“O sofrimento é muito grande na família da mãe. São nove meses preparando o enterro”, resume a defensora. “O que é mais importante: o sofrimento da mãe de um filho que não vai sobreviver?”, completou.

A decisão de prosseguir - Janine e Grazielli são mãe e filha, mas, além dos laços de sangue, dividem uma mesma valentia. Cada sorriso, gracinha ou movimento do bebê de quatro meses desperta mais do que alegria. Para a jovem mãe, cada dia de vida da criança é a prova de um milagre. Na 23ª semana, Janine descobriu que sua primeira gestação não seria normal.

“Fiz o ultrassom e percebi que o médico ficou muito quieto, não falava nada”, conta Janine Rivarola Saito. Curiosa, abriu o exame e deparou com as informações de que o feto não tinha calota craniana, tampouco estrutura cerebral, o diagnóstico foi anencefalia (ausência de cérebro).

“Na hora, não entendi o que era e pedi para o meu marido procurar na internet”, relata. A informação de que o filho poderia morrer ainda dentro de sua barriga logo após o parto levou a jovem no mesmo dia ao consultório do obstetra.

A semana seguinte foi de dúvidas, lágrimas, tristeza e fé. Além de conversar com a família, ela procurou o padre da paróquia Santo Afonso, local que já frequentava. “O padre disse: ‘quem somos nós para interromper a vida’”, relata.

Uma semana depois da notícia, o casal Janine e Rafael decidiu prosseguir com a gravidez. A mãe conta que comprou algumas poucas peças de roupa. Não havia berço à espera do bebê. A gestação avançava e Janine se via obrigada a driblar as perguntas corriqueiras destinadas a uma gestante, como se era menino ou menina ou quando o bebê ia nascer. Orientada pela mãe, criou uma resposta padrão. “Só dizia que estava tudo bem”.

No dia 28 de novembro do ano passado, Grazielli nasceu na maternidade Cândido Mariano. A mãe conta que parte da equipe médica não acreditou que a criança sobreviveria. “Deixaram ela num cantinho, sem alimentação. Tive que brigar para que ela fosse atendida pelo neurologista. Só quando meu marido a pegou no colo e começou a cantar, é que tocou o coração deles”, relata.

Após o nascimento, foi diagnosticada “encefalocele”, defeito do tubo neural, ao contrário da anencefalia que chegou a ser detectada na gravidez. Constatou-se que o bebê tinha uma pequena parte de cérebro, mas que estava para fora da cabeça e por isso não aparecia nas imagens.

O calvário durou três meses de internação no El Kadri até a realização de cirurgia para inserir o “pedaço” do cérebro para dentro da cabeça da criança.

Em janeiro, Grazielli recebeu alta e a casa passou a viver a alegria de tê-la no lar e a dificuldade da nova rotina de sessões com fisioterapeuta e fonoaudiólogo.

O médico responsável pela bebê ainda não sabe precisar qual a quantidade, bem como qual parte do cérebro foi afetada.

Mesmo com as condições de vida precárias, a família desejou o nascimento da criança com a mentalidade de dar a melhor qualidade de vida possível.

Agora, em casa, Grazielli, que está com pouco mais de seis quilos, recebe o carinho de todos da família. Um álbum de fotos, da cor rosa, está pronto. Textos e imagens mostram a trajetória da menina.

Ciência - Uma em cada mil gestações no Brasil são casos de anencefalia. O número é alto, segundo o médico ginecologista Edvardes Carmona Gomes, ex-membro da Comissão Nacional de Violência Sexual e Aborto Permitido em Lei.

Segundo ele, 80% dos casos ocorrem por falta de ácido fólico na gravidez da mulher, enquanto outros 20% são em decorrência da genética.

Nos últimos quatro anos, Carmona conta que registrou cinco casos de fetos anencéfalos. Em todos eles as mães recorreram à Justiça para garantir o direito de interromper a gravidez.

Quando a gestante decide seguir com a gravidez, os riscos aumentam, afirma. Em casos normais, o bebê ingere líquido e urina e nos casos dos anencéfalos o feto não elimina o líquido amniótico produzido pela mãe. Neste quadro o útero da mãe pode romper e aumenta o risco de pré-eclâmpsia, problema marcado pela elevação da pressão arterial.

O ginecologista orienta, desta forma, que as mulheres que planejam ter filho procurem o médico antes. E durante a gestação, a partir da 12ª semana, é possível detectar se o feto tem massa encefálica ou não.

Sobre a decisão do STF, o médico considera como ótima, pois afasta a paixão religiosa da questão. Ele afirma que agora é preciso esperar a publicação do acórdão do Supremo com os padrões de exames para detectar a anencefalia.

Em Mato Grosso do Sul, o procedimento de aborto nestes casos é realizado apenas pelo Hospital Regional, no entanto, Carmona acredita que o SUS vai ampliar o atendimento após a decisão do STF.

Dom Dimas afirma que, para a Igreja, a vida humana é sagrada da concepção até a morte natural.
Dom Dimas afirma que, para a Igreja, a vida humana é sagrada da concepção até a morte natural.

A igreja - Na ponta contrária do assunto, o arcebispo de Campo Grande, Dom Dimas, reforça a posição da Igreja Católica frente à polêmica questão.

“Todos nós estamos destinados a nascer e morrer”, afirma, ressaltando que a Igreja é clara ao dizer que a vida humana é sagrada da concepção até a morte natural.

O arcebispo define como perigosa a “abertura da porta” para dizer que tipo de situação pode fazer “uma criança perder o direito de nascer”.

Para Dom Dimas, não existe crianças com ausência total de cérebro. E alguns bebês podem viver horas, meses e anos. Ela também considera que a questão está mais na prevenção sobre o problema e o atendimento adequado para a gestantes nestes casos, em que ele avalia existirem dois pacientes: mãe e filho.

Do outro lado, o pastor Ronaldo Leite Batista, presidente da Associação Evangélica Batista de Mato Grosso do Sul, admite que não há posicionamento definido sobre o assunto na igreja evangélica.

Segundo ele, os evangélicos defendem três correntes. O apoio à mulher interromper a gestação, levar até o fim ou que a decisão que cabe apenas aos pais.

“Particularmente acredito que a decisão deva ser dos pais”, opina, demonstrando, no entanto, preocupação com os desdobramentos da decisão. Para ele é preciso estabelecer critérios rígidos para não tirar a chance de outras crianças nascerem.

“Devem haver regras claras para definir a anencefalia e não confundi-la com outros problemas cerebrais”, explica, defendendo a rigidez no processo para que o aborto não seja burlado por mães com a justificativa da anencefalia.

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