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Interior

MPF vê preconceito, apoia júri de índios em SP e revolta acusação

Nove índios do Passo Piraju são acusados de matarem dois policiais civis e deixar outro ferido em 2006, em Dourados

Helio de Freitas, de Dourados | 06/02/2015 16:00
O advogado Maurício Rasslan (à esquerda) durante entrevista coletiva para falar sobre possível transferência do júri para São Paulo (Foto: Eliel Oliveira)
O advogado Maurício Rasslan (à esquerda) durante entrevista coletiva para falar sobre possível transferência do júri para São Paulo (Foto: Eliel Oliveira)

O processo em que cinco índios são acusados de assassinar dois policiais civis e deixar outro ferido, no dia 1º de abril de 2006, em Dourados, a 233 km de Campo Grande, pode ser transferido de Mato Grosso do Sul para São Paulo. O pedido feito pela defesa dos índios recebeu apoio do MPF (Ministério Público Federal), que na ação penal é responsável pela acusação dos réus.

A decisão da Procuradoria da República revoltou o assistente da acusação, o advogado douradense Maurício Rasslan. Na manhã desta sexta-feira, Rasslan reuniu jornalistas em seu escritório e criticou a Procuradoria da República e chamou de “fajuto” o laudo de um antropólogo do MPF que defende o desaforamento do processo por apontar preconceito contra indígenas no Estado em função da disputa por terra.

Os acusados – O processo que pode ser levado para São Paulo tem como réus os índios Carlito de Oliveira, 73 anos, apontado como líder do grupo, seu filho Lindomar Brites de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes e Paulino Lopes. Os demais acusados pelo duplo homicídio – Valmir Júnior Savala, Sandra Arévalo Savala, Márcio da Silva Lins e Hermínio Romero – são réus em outro processo, que foi desmembrado e está em fase mais atrasada porque os acusados estavam em liberdade.

Os índios são acusados de matar a tiros, facadas e pauladas os policiais civis Ronilson Magalhães Bartie, 36 anos, e Rodrigo Lorenzatto, 26. Emerson José Gadani, na época com 33 anos, foi ferido a golpes de faca, mas sobreviveu. Ele acompanhou a entrevista do advogado, hoje de manhã. Gadani está aposentado da profissão. Os réus alegam legítima defesa.

Conforme a investigação da época, os policiais teriam ido ao acampamento Passo Piraju, próximo ao Porto Cambira, às margens da MS-156, à procura do suspeito de matar um pastor evangélico, no dia anterior, na periferia de Dourados. Quando entraram no acampamento, onde um grupo de índios permanece até hoje, os policiais teriam sido cercados e atacados a pauladas e golpes de faca. Os tiros teriam sido disparados com as armas dos próprios policiais.

“Esse processo chegou à última fase antes do júri popular, quando as partes devem se manifestar ou requererem o que é de direito antes do julgamento. De maneira inteligente, a defesa pediu o desaforamento. O juiz da 1ª Vara Federal de Dourados intimou o MPF e a assistência da acusação para se manifestarem. O MPF, órgão acusador, concordou e corroborou o pedido da defesa”, explicou Rasslan.

“O que está acontecendo é uma barbaridade. A defesa pedir o desaforamento para São Paulo é uma tática e já esperávamos. A população de São Paulo não sabe o que acontece em Mato Grosso do Sul. Lá eles acham que índio anda de tanga aqui, não sabe que índio fuma crack, que índio rouba, que índio estupra criança de 9 anos. Não conhece o problema de Sidrolândia, de Miranda. São Paulo está alienado desses problemas aqui, inclusive os desembargadores do TRF. São poucos os que estão por dentro do que está ocorrendo aqui”, afirmou Maurício Rasslan ao Campo Grande News.

“Impregnada de preconceito” – Como o pedido feito pela defesa já era esperado, o advogado afirma ter ficado “extremamente preocupado” com a manifestação do procurador da República, Manoel de Souza Mendes Junior, que faz a acusação dos índios junto com Maurício Rasslan. “Ele concorda com o desaforamento e ainda diz que a população de Mato Grosso do Sul presume-se impregnada de preconceitos por causa das disputas entre fazendeiros e índios. Ele coloca que essa situação abalaria a imparcialidade para a realização do julgamento. Ele coloca que a população inteira de Mato Grosso do Sul tem preconceito contra os índios, o que não é verdade”.

Maurício Rasslan, que é descendente de pioneiros que chegaram em 1917 a Dourados, critica o laudo do antropólogo Marcos Homero Ferreira Lima, analista do MPU (Ministério Público da União), ao qual o procurador Manoel Mendes Junior se baseou para apoiar a transferência do julgamento.

Laudos fajutos – “Esse rapaz cita fundamentação teórica para afirmar em seu laudo que existem fortes razões para que o Tribunal do Júri não seja realizado em Mato Grosso do Sul e cita emoções e preconceitos dos moradores locais e regionais em relação aos índios, afirmando que isso vai interferir no julgamento dos fatos. Ele sim está sendo preconceituoso. De onde ele tirou essa fundamentação teórica e idiota? Ele não é de Dourados, nem de Mato Grosso do Sul”, protesta o assistente da acusação, que chamou os laudos de Homero de “fajutos e de quinta categoria”.

Conforme o advogado, o procurador Manoel Mendes Junior – que no processo tem o papel de fazer a acusação dos índios – concordou com o desaforamento solicitado pela defesa com base nesse laudo do antropólogo e agora cabe ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região decidir se o júri será em Dourados ou em São Paulo. “Como esse cara tem a arrogância de vir aqui para nosso Estado e falar que somos preconceituosos? Quando emitiu esse parecer achando conveniente o julgamento em São Paulo, esse procurador faz uma defesa dos índios e ele figura no processo como acusador. Ele está misturando as bolas. Nesse processo compete ao MPF fazer a acusação desses índios bandidos”.

Voto vencido – O advogado disse que está fazendo sua manifestação na condição de assistente da acusação e vai pedir que o julgamento ocorra na comarca de Dourados. “Só que eu sou voz isolada nesse processo, porque o MPF, órgão acusador, concordou e achou lindo e maravilhoso o pedido da defesa para o processo ir para São Paulo. O MPF está promovendo a defesa dos índios com base em presunção, mas eu como assistente da acusação não concordo”, afirmou Maurício Rasslan. Entretanto, ele considera muito difícil evitar a transferência do júri para o TRF na capital paulista.

O Campo Grande News tentou contato com a assessoria do MPF em Campo Grande sobre as declarações do advogado, mas ninguém foi encontrado.

Em 2011, Ezequiel Valensuela foi preso por tráfico de drogas durante operação da Polícia Federal na aldeia de Caarapó. No dia 15 de janeiro deste ano, Carlito de Oliveira foi condenado a dois anos e seis meses de prisão em regime semiaberto por receptação. A sentença foi proferida pelo juiz Rubens Witzel Filho, da 2ª Vara Criminal de Dourados. Lindomar, filho de Carlito e também réu no processo sobre a morte dos policiais, foi julgado junto com o pai por receptação, mas foi absolvido.

Carlito de Oliveira, líder dos índios do acampamento Passo Piraju, é acusado de participar do assassinato de policiais civis em 2006 (Foto: Daniel Melo/The Vice)
Carlito de Oliveira, líder dos índios do acampamento Passo Piraju, é acusado de participar do assassinato de policiais civis em 2006 (Foto: Daniel Melo/The Vice)
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