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Interior

Terenas cultivam em área disputada e rejeitam ideia de deixar fazenda

Paula Maciulevicius | 27/07/2012 15:24
Dos 2,1 mil hectares de terra, 70 deles já estão sendo plantados. (Foto: Minamar Júnior)
Dos 2,1 mil hectares de terra, 70 deles já estão sendo plantados. (Foto: Minamar Júnior)

No tronco da árvore a data da última retomada, quase já se apagando, marca dia 4 de julho do ano passado. Nas lavouras, feijão prestes a ser colhido e terra preparada para receber o plantio de melancia e abóbora. Algumas estão pelo solo, para ainda serem colhidas. No campo a cena é esta e no espaço onde a sede da fazenda está, rostos apreensivos esperando novamente que a Justiça decida o que se arrasta há décadas, agora perante o pedido favorável de reintegração de posse aos fazendeiros.

Nesta manhã, o Campo Grande News esteve nos 2.1 mil hectares de terra indígena, entre Sidrolândia e Dois Irmãos, que pertencem à reserva Buriti, parte dos 17 mil hectares reivindicados pelos índios Terena e alvo de uma disputa judicial. Quando o anúncio de que a vinda da Polícia Federal com a notificação da retirada foi suspensa, os indígenas não comemoraram. O documento que, segundo a Funai, chegaria a eles hoje não muda o sentimento e a decisão de não deixar a terra.

“Nós não vamos sair, foi suspenso devido à grande quantidade de índios”. Segundo as lideranças, eles estão em mil terenas. “Mais de mil índios acampados de prontidão, aguardando os federais”, completa o cacique Messias Sol, 32 anos.

A retomada foi feita por indígenas das aldeias Lagoinha e Córrego Limpo. Até antes de a decisão vir ao conhecimento deles, eram 350 indígenas, hoje, eles já se colocam como mil na área.

A plantação, segundo eles, é para subsistência. A última colheita de feijão, feita nesta semana deram 118 sacas. Outra parte está quase no ponto e deve ser retirada do solo nos próximos dias. Além do feijão, mandioca, abóbora e melancia têm sementes pela lavoura. A área foi dividida por eles em 200 hectares para plantação, 70 deles já estão sendo usados. O restante, de mil hectares, está dividido pela metade entre pecuária e reserva.

“Em um ano e um mês já conseguimos produzir”, comenta Odair de Castro Mamedes, 35 anos.

Conselheiro da aldeia, Guilherme Gabriel de olho na lavoura e no tempo: corrida contra o prazo dado pela reintegração de posse para colher o restante do feijão. (Foto: Minamar Júnior)
Conselheiro da aldeia, Guilherme Gabriel de olho na lavoura e no tempo: corrida contra o prazo dado pela reintegração de posse para colher o restante do feijão. (Foto: Minamar Júnior)
“Em um ano e um mês já conseguimos produzir, antes a terra era usada só para arrendamento de gado”, mostra indígena Odair Mamedes. (Foto: Minamar Júnior)
“Em um ano e um mês já conseguimos produzir, antes a terra era usada só para arrendamento de gado”, mostra indígena Odair Mamedes. (Foto: Minamar Júnior)

A determinação do despejo dos Terena vem do recurso julgado em junho, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu ganho de causa aos fazendeiros por seis votos a três. A partir dessa decisão, afirmando que a terra deve ser mantida com os proprietários rurais, foram feitos pedidos de reintegração de posse, que vem sendo acatados, mas nenhum deles ainda foi cumprida.

A área é identificada desde agosto de 2001, como Terra Indígena Buriti. No mesmo ano, fazendeiros da região solicitaram a nulidade da identificação antropológica, através de Ação declaratória na Justiça Federal de Campo Grande. Durante este período a demarcação ficou paralisada.

Em 2004, a Justiça Federal de Campo Grande decidiu contra os direitos territoriais dos Terena. Após a decisão, foram movidos recursos pelo Ministério Público Federal e Funai para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que tramitaram até o julgamento definitivo em 11 de setembro de 2006.

Na decisão do TRF, foi modificada a sentença proferida em Campo Grande, reconhecendo que a Terra Indígena Buriti é terra “tradicionalmente ocupada pelo povo Terena”, sendo determinado o prosseguimento normal da demarcação pelo Governo Federal. Em 2005 foram movidos pelos fazendeiros embargos contra a decisão o que causou ainda mais demora na solução do processo.

Com a decisão do Tribunal Regional Federal reconhecendo os direitos territoriais dos terena, após nove anos de espera, em 28 de Setembro de 2010, foi publicada a Portaria Declaratória dos limites da Terra Indígena Buriti pelo Ministério da Justiça.

Em outubro de 2009, houve uma grande mobilização de retomada de terras e em novembro os Terena foram expulsos por ação da Polícia Militar em conjunto com fazendeiros, sem que houvesse qualquer ordem judicial para isso.

Cacique Messias a Funai aguardam decisão da Polícia Federal sobre a vinda com a notificação da reintegração de posse. (Foto: Minamar Júnior)
Cacique Messias a Funai aguardam decisão da Polícia Federal sobre a vinda com a notificação da reintegração de posse. (Foto: Minamar Júnior)

Após a portaria declaratória do ministro, o próximo passo seria que a Funai promovesse a demarcação física dos limites da terra, o que ainda não aconteceu.

Diante de tantas idas e vindas de decisões judiciais, o questionamento é um só e feito ao conselheiro Guilherme Gabriel, 55 anos, como não desistir mesmo depois de décadas de luta e retomadas? A resposta dele é mostrar o que corre no sangue e passa de índio para índio: a vontade de reconquistar.

“Não bate o desânimo. Nossa luta sempre vai ser essa. Ele, daqui cinco anos vai tomar conta e assim sucessivamente. Nós sempre vamos lutar”, responde o conselheiro, apontando para Odair.

Essa é a primeira retomada que Guilherme participa de fato. Mas desde criança acompanha o drama e sabe de quem luta já há muitos anos. “Nós lutamos e vamos lutar. Vamos esperar por ela. Nossos anciões, sete já foram...” diz. A conta de sete anciões mortos é contabilizada só desde a última década.

“Seo” Vicente da Silva Jorge é dos anciões mais antigos, tem 80 anos. Acompanha a luta pelas terras desde os 7, mesmo antes de entender, foi posto fora de onde morava, na reserva Furna da Estrela e desde então tenta encontrar seu espaço na terras, isso há 73 anos.

“Não sei como vai ser”, diz sobre a retirada dos indígenas diante da reintegração de posse.

O cacique Messias, líder à frente da retomada reforça que a fazenda está do mesmo jeito como encontraram. “Só plantamos. A propriedade, está tudo conservado. Do jeito que chegamos aqui”.

À espera de uma decisão da Justiça Federal, as lideranças são unânimes em dizer que o que falta, em todos estes anos, é entendimento entre as pessoas responsáveis.

“Tem fazendeiro que quer negociar, mas as pessoas envolvidas não estão em acordo e nós aqui estamos com a nossa força, a nossa vontade. A gente não vai sair daqui enquanto tem plantação. Pode ter documento que vamos pedir prazo, porque a lavoura não vai ser colhida de hoje para amanhã."

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