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Cidades

Repasse de cestas básicas a índios pode ser suspenso

Redação | 01/02/2008 15:13

Aos quatro meses o menino Nani carrega no olhar a satisfação em ter uma mãe cuidadosa. Ele a observa enquanto é amamentado alheio ao ambiente em que nasceu, alheio à dor dela que recupera-se de uma arriscada cirurgia para a retirada de uma bala da costela, alheio à fome dela e, ainda, alheio ao fato de ter nascido guarani. A realidade vai, porém, ser incorporada como um turbilhão à vida do pequeno porque a mãe, já fraca, não sabe como serão as duas próximas semanas em que terá que alimentar-se uma vez por dia com uma mistura de fubá e água, à espera de uma cesta básica entregue pelo governo federal por meio da Funai (Fundação Nacional do Índio). Na família dele, foi assim nos últimos cinco meses: são 15 dias de comida do prato e outros 15 de fome.

As cestas básicas de alimentos entregues ao povo guarani-caiuá localizado na região sul de Mato Grosso do Sul vão terminar neste mês de fevereiro, segundo a administração da Funai em Dourados, município distante 221 quilômetros de Campo Grande. De acordo com a administradora Margarida Nicoletti, o convênio com o governo federal que prevê a entrega dos alimentos termina em fevereiro e não tem previsão para renovação.

Margarida explica que desde outubro de 2007 ficou acordado que os indígenas do cone sul receberiam cestas básicas em quatro etapas. Cada etapa representa a entrega de 13 mil cestas em 38 aldeias e 15 acampamentos, em um deles vive Nani com a família, no município de Coronel Sapucaia. Cada cesta possui 24 quilos de alimentos, quantidade que Margarida reconhece, não supre um mês inteiro. "Infelizmente quando acaba eles passam fome".

O que é ruim pode ficar pior. A administradora explica que não sabe como ficarão as coisas a partir de março. A expectativa é de que o convênio que garante a distribuição dos alimentos seja renovado, mas a distribuição ainda é uma dúvida. O convênio foi firmado no ano passado entre a Funai, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Municípios e o governo do Estado não têm colaborado, como ocorria de forma solidária até 2006. Ficou a cargo da Funai a responsabilidade pela distribuição, o que gerou custos de R$ 375 mil para embalo, entrega e frete.

Sem compreender da parte burocrática, Angélica Baio, 22 anos, mãe de Nani que pouco fala o português explica que consegue driblar a fome com algumas colheradas de fubá e água, mas não sabe até quando vai ter a farinha. Nani é alimentado ao seio, mas o irmão Alberto, de 5 anos, também depende de quase meio quilo de fubá que ainda restam na cabana de lona da família.

Com olhar tímido Angélica lembra que não pode desanimar. Tem sangue guerreiro correndo nas veias e compreende que sobreviver a um atentado à bala no ano passado significa que precisa superar a fome enquanto espera a definição da terra indígena Kurussu Ambá.

Histórico de outra violência - No local, em 8 de julho de 2007, o líder guarani-caiuá Ortiz Lopes, na época com 46 anos, foi assassinado. Ele deu a vida enquanto lutava pela Kurussu Ambá, área que correspondente à fazenda Madama em Coronel Sapucaia.

Na briga pelo reconhecimento da terra como área indígena, além da morte de Lopes, os demais integrantes do acampamento assistiram a diversos atentados, um deles foi o que deixou Angélica ferida.

De acordo com o relato dos indígenas, seguranças em um automóvel pampa preto sem placas e de vidros escurecidos atiram a esmo em direção ao acampamento. A situação só cessou em 18 de fevereiro do ano passado quando a Polícia Federal chegou ao acampamento em busca de armas. Os policiais levaram facas e facões usados, segundo os índios, para trabalhos culinários.

A ação surpreendeu as 48 famílias. "Nós saímos correndo. Crianças ficaram assustadas", conta Sandriele Fernandes, 20 anos.

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