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Em Pauta

Maio de 68: abrir a mente com tanta frequência quanto o zíper

Mário Sérgio Lorenzetto | 12/08/2017 08:19
Maio de 68: abrir a mente com tanta frequência quanto o zíper

O ano de 1968 foi um ano de revoluções em todos os aspectos, de Paris a Praga, de São Paulo a Pequim. Mas o fator comum de todas essas rupturas ao duopólio de poder da Guerra Fria era a juventude. Em raras ocasiões, nos tempos atuais, as pessoas entre 15 e 24 anos representaram uma parcela tão grande da população quanto na década pós-1968.

Os jovens alcançaram um pico de 17% em meados dos anos 1970 em todo o mundo. Ao mesmo tempo, a expansão da educação universitária alcançou níveis nunca imaginados: 3% de toda a população norte-americana e número similar na Europa. E uma pressão imensa pelo ingresso na universidade no Brasil. Eram jovens numerosos, educados e prósperos. Eles tinham todos os motivos para serem gratos à geração de seus pais, que havia lutado por liberdade e de quem herdaram oportunidades. Em vez disso, eles se revoltaram.

Maio de 68: abrir a mente com tanta frequência quanto o zíper

A revolução eclode na França e transforma o sexo

Em 22 de março de 1968, os estudantes franceses ocuparam a sala dos professores da Universidade de Paris em Nanterre - "Nanterre, a louca", como ficou conhecido o feio campus de concreto. Em maio, dezenas de milhares de estudantes, incluindo os da elite da Sorbonne, entraram em confronto com a polícia nas ruas de Paris. Uma greve geral tomou conta do país quando os sindicatos aproveitaram a oportunidade para reivindicar melhores salários a um enfraquecido governo. Cenas similares varreram o mundo. Até mesmo no Brasil da ditadura militar os estudantes foram às passeatas e os operários paulistas às greves.

À primeira vista, essa revolta jovem foi dirigida contra a guerra no Vietnã. A geração de 68 também apoiou o movimento pelos direitos civis dos negros. Mas grande parte da linguagem de 1968 foi marxista, representando quase todo o conflito, de Israel à Indochina, como uma luta anti-imperialista. De acordo com os líderes estudantis mais doutrinários, como "Danny, o Vermelho", o objetivo era a insurreição nos centros do capitalismo. Os dois maiores líderes estudantis já mantinham polos diferenciados. José Serra era um revoltoso católico e José Dirceu, um marxista.
Na Europa, ainda que o ideário fosse marxista, os jovens dirigentes propugnavam um ideal anarquista: "Ne travaillez jamais" (Trabalhar, jamais). Mas tudo isso - derrotado ao longo do tempo - não tinha a força de outra demanda que foi vencedora. Era uma demanda mais prática que dizia muito sobre os verdadeiros objetivos da quase totalidade de insurrectos: o acesso masculino irrestrito aos dormitórios femininos - daí o ditame de "abrir a mente com tanta frequência quanto o zíper". Se todo o pensamento marxista ou anarquista não passou de uma bolha insurrecional, a sexual foi conquistada a ferro e fogo, ou melhor, a pílulas anticoncepcionais e calças abaixadas pelo mundo afora. As estudantes eram encorajadas a experimentar graus de exposição que até então eram tabus. Dos pijamas sem forma dos guardas vermelhos chineses às calças boca de sino dos hippies, a revolução de 1968 foi toda sobre roupas. Das minissaias aos biquínis, a revolução sexual foi toda sobre a ausência das roupas.

Maio de 68: abrir a mente com tanta frequência quanto o zíper

A ironia do "faça amor e não a guerra" ter virado um movimento violento

O "blue jeans" - remodelado com cintura baixa e pernas boca de sino - continuou sendo o uniforme da rebelião juvenil. As gravadoras de disco continuaram a fornecer a trilha sonora. Beatles e Rolling Stones tocavam as musicas dos jovens. Calças jeans e discos de vinil: esses estiveram entre os produtos de maior sucesso do capitalismo do fim do século XX. E, assim como nos anos 1920, uma política de proibição de bebidas alcoólicas - dessa vez de maconha - ofereceu um novo campo de oportunidade para a indústria do crime. Mas aqueles que se rebelaram contra o capitalismo em Paris estavam subestimando de maneira brutal os benefícios que eles próprios colhiam do sistema. Com exceção dos golpes ocasionais desferidos pelos cassetetes dos policiais simplórios e grosseiros que desprezavam os cabeludos da classe média privilegiada, as autoridades europeias e norte-americana concederam aos estudantes liberdade para protestar. Tal liberdade não ocorreu no Brasil. De fato, as universidades europeias e dos EUA cederam às exigências dos estudantes. As portas dos dormitórios femininos estavam abertas para sempre. Outra ironia foi o fato de um movimento jovem que defendia "fazer amor e não a guerra" acabar sendo associado a tanta violência: conflitos raciais nos EUA, aumento na taxa de homicídio por causa do tráfico de drogas e terrorismo na Europa Ocidental e Oriente Médio. Uma nova era começou em 23 de julho de 1968, quando a Organização para Libertação da Palestina - OLP - sequestrou uma aeronave israelense da El Al que partia de Roma para Tel Aviv. Não tardou muito para que o turbante "keffiyeh" defendido pelo líder da OLP, Yasser Arafat, se tornasse tão em voga quanto a boina de Che Guevara. Mas, a medida que a violência crescia, os jovens iam para suas casas, abandonavam a revolução.

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