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Arquitetura

Mauro construiu um ninho em árvore no Centro e mora lá no alto há 3 anos

Naiane Mesquita | 13/10/2015 06:12
Mauro olha para a árvore onde construiu uma cabana há três anos (Foto: Fernando Antunes)
Mauro olha para a árvore onde construiu uma cabana há três anos (Foto: Fernando Antunes)

Pouco antes das 5 horas da manhã de uma sexta-feira chuvosa, o sol começava a despontar em Campo Grande. Enquanto a claridade vencia as nuvens escuras e carregadas do dia, as casas da região central da cidade se tornavam mais nítidas. Naquele cenário urbano e silencioso, com construções abandonadas e árvores do Cerrado, um ninho guardava um homem.

Na árvore que ele acredita ser um jasmim (Foto: Fernando Antunes)
Na árvore que ele acredita ser um jasmim (Foto: Fernando Antunes)

As palhas que se encontravam de forma ordenada formavam uma proteção diante da chuva fininha que começava a cair. Por dentro, uma lona cumpria o papel de proteger o senhor de 42 anos que ali repousava.

Há três anos, Mauro mora em cima da árvore, em uma construção rústica que se assemelha a um ninho, mas que ele faz de questão de frisar que é “uma cabana”.

A árvore não aparenta ser muito forte, tem galhos finos, difíceis de subir para quem perdeu o jeito ao longo dos anos. Mauro acredita que é um jasmim. “Mas não tenho certeza”.

A fala é sempre pausada, de poucas palavras, como quem desacostumou a conversar com as pessoas. Mesmo assim, ele conta que essa não é a primeira vez que constrói uma casa dessa forma. “Uma outra vez também, antes de vir para cá”, explica.

Por dentro, a casa tem lâmpada, que não funciona, um reservatório de água para passarinhos e uma prateleira de corda (Foto: Fernando Antunes)
Por dentro, a casa tem lâmpada, que não funciona, um reservatório de água para passarinhos e uma prateleira de corda (Foto: Fernando Antunes)

Os olhos pretos cobertos por um óculos de grau são sempre focados no chão, onde ele também prefere ficar agachado durante a conversa. No terreno onde mora há muitas árvores, mas prometi não revelar a localização com precisão, e apenas dizer que é no Centro, lá para os lados da Feira Central.

Ali, Mauro diz que a história começa com a construção de uma casinha de madeira, demolida depois de desapropriação do terreno pela prefeitura. “Eu tinha uma casa de madeira, eu vim para cá sozinho e até hoje estou sozinho. É porque eu sou sozinho mesmo, meus pais já morreram”, afirma.

Mauro consegue descer com facilidade da árvore  (Foto: Fernando Antunes)
Mauro consegue descer com facilidade da árvore (Foto: Fernando Antunes)

Procuramos o homem-pássaro por dois dias, até conseguirmos o primeiro contato, na noite anterior. Desconfiado, ele falou algumas informações. Carregava uma janela que encontrou na rua, para tentar instalar no abrigo da árvore. “Eu tenho que colocar direito, é bom para proteger da chuva, mas já tenho uma lona para proteger".

Voltamos no outro dia, dessa vez com uma câmera. A dificuldade em estabelecer um diálogo rapidamente foi devido aos horários. De dia, assim que o sol nasce, Mauro sai para trabalhar com reciclagem. Na região, todos o conhecem, desde os vizinhos que saem para caminhar até o vendedor de frutas em um caminhão na avenida mais próxima.

A ideia de viver no alto, quando não se tem mais qualquer saída, ele buscou na infância. “A cabana fui eu que inventei mesmo, acho que só tinha visto em filme, do Tarzan. Fui fazendo aos poucos. Primeiro o piso de madeira”, explica.

Questiono se ele não tem o desejo de construir uma casa embaixo, no chão. “Não, porque aqui a prefeitura desapropriou, não é mais permitido construir nada aqui no chão”, diz. Ir embora também não é uma opção.

Sem nenhum odor de bebida alcoólica ou indício de uso de droga, Mauro diz que toma banho todo dia, “ali perto”. Às vezes, ele visita um cyber e acessa a internet, sabe ler, tem preferência por gibis que ganha ou consegue na rua, escreve e cursou até o Ensino Fundamental.

“Na internet você já deve ter visto uma casa assim ou em filme, igual o Tarzan. Mas, aqui no Brasil tem, não é muita gente que mora, mas no Paraná tem, no interior de São Paulo tem. Em Campo Grande tem, mas não é improvisada, parece que fica na avenida Ceará. Às vezes eu uso internet, uso o Google”, confirma.

A árvore enquanto ele descansa fica toda fechada com galhos e lonas (Foto: Fernando Antunes)
A árvore enquanto ele descansa fica toda fechada com galhos e lonas (Foto: Fernando Antunes)

Paulistano, Mauro chegou em Campo Grande há 30 anos. Os irmãos ainda moram lá e segundo ele, desconhecem a moradia na árvore. O contato é quase inexistente. 

Sobre os riscos de viver assim, o homem parece otimista. "Não tem perigo não, não tenho medo de raio, nem de chuva. Já caiu temporal e não estragou a cabana. Pode ventar que também não tem risco”, assegura.

Dentro da cabana, ainda há uma rede que se torna estante e uma garrafinha de água caso ele sinta sede durante a noite. Apesar da lâmpada posta, não há eletricidade.

Os beija-flores são bem-vindos e tem até um reservatório especial para eles. Tudo apesar de improvisado, parece ser feito com cuidado e carinho, com o desejo de que ali fosse mais que uma casa... um lar.

O radinho de pilhas é o único barulho de gente à noite. "Não trago ninguém aqui, gosto de ficar sozinho", explica. Sobre encontrar uma companheira, Mauro avisa que não tem qualquer interesse por enquanto, "só se ficar rico".

Como é vizinho de um prédio municipal, Mauro diz que os guardas conhecem sua história e só implicaram no início. “Agora não falam mais nada”. Tranquilo, ele não incomoda os moradores e vice-e-versa. “Gosto daqui, acostumei né”, diz, caminhando devagar para mais um longo dia de trabalho.

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