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Arquitetura

Na periferia, Evelin viabiliza sonho de reformar casas com alternativas baratas

No Jardim Botafogo, a engenheira civil é a exceção à regra e depois de conquistar o diploma voltou para crescer junto com o bairro onde sempre viveu.

Kimberly Teodoro | 26/11/2018 07:14
Evelin conquistou o diploma de engenheira civil, hoje o sonho é ver a periferia crescer junto com ela (Foto: Arquivo Pessoal)
Evelin conquistou o diploma de engenheira civil, hoje o sonho é ver a periferia crescer junto com ela (Foto: Arquivo Pessoal)

Apesar de jovem, Evelin Mello tem na bagagem experiências da rotina na periferia pobre. Aos 24 anos, concluir o curso de Engenharia Civil não a afastou do passado. Pelo contrário, é perto de casa que ela quer crescer profissionalmente. Criou a "Digna Engenharia", startup focada no desenvolvimento social de comunidades periféricas, assim como o Jardim Botafogo, bairro onde morou a vida inteira.

Trabalho é um conceito que Evelin entende desde cedo. O primeiro emprego foi aos 16 anos no Programa Jovem Aprendiz. Com dinheiro do salário, ela se lembra de ter comprado uma bicicleta, para além da “independência” financeira, também conseguir mais mobilidade pelo bairro e ser de uma vez por todas, “dona do próprio nariz”.

Sempre positiva, Evelin carrega frases motivacionais para onde vai, inclusive na capa de celular "Tudo passa, tudo muda, quando a gente se ajuda" (Foto: Kimberly Teodoro)
Sempre positiva, Evelin carrega frases motivacionais para onde vai, inclusive na capa de celular "Tudo passa, tudo muda, quando a gente se ajuda" (Foto: Kimberly Teodoro)

Coincidência ou não, também foi nessa época que ela ouviu falar em Engenharia Civil pela primeira vez. Questionada sobre o futuro pelo atendente do banco em uma conversa durante o processo para abrir a primeira conta, Evelin disse já ter certeza de que queria fazer faculdade de Engenharia, porque sempre teve afinidade com os números na escola.

“Na minha cabeça, eu queria estudar Engenharia Mecânica, ou mecatrônica e fazer grandes projetos como os que se vê em filmes. Foi aí que ele me disse para pesquisar sobre Civil, porque tinha uma área de atuação muito maior, principalmente, aqui no estado. Isso ficou na minha cabeça e quando, finalmente, fui atrás do assunto, me encantei pela profissão”, relembra.

Durante os primeiros semestres da faculdade, Evelin não tinha uma bolsa integral e apesar de ter conseguido uma boa colocação para entrar no curso, ela ainda precisava trabalhar dois períodos para pagar o restante da mensalidade.

A custo acessível, a Digna faz obras na periferia (Foto: Arquivo Pessoal)
A custo acessível, a Digna faz obras na periferia (Foto: Arquivo Pessoal)

Casada há 5 anos, a primeira filha nasceu ainda no começo da faculdade. Apesar de inesperada, Maria Luiza, hoje com 4 anos, foi a força que Evelin precisava para não desistir do diploma.

Chegar à formatura dependeu do apoio do marido Weslei e dos pais, que se revezavam para cuidar de Maria Luiza. A compreensão dos professores e colegas de sala foi fundamental, já que a filha acompanhou Evelin em muitas aulas ao longo do curso.

“Eu levei 6 anos e meio para me formar, entendo que cada pessoa tem seu tempo e que algumas pessoas vão levar mais que isso, outras menos. É claro que já tiveram os momentos em que pensei em desistir, mas aí eu olhava para a minha filha e tinha certeza de que não podia, minha missão também era garantir um futuro para ela”, conta.

Foi com o fim do curso que a ideia da Digna Engenharia surgiu. No começo, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) era voltado para materiais de construção civil alternativos, que ajudassem pessoas de baixa renda em situação de risco. Durante a pesquisa, o ideal foi aumentando e alimentando sonhos antigos que ela tinha de ajudar a melhorar o próprio bairro.

Foram 10 projetos nos primeiros 7 meses e mais 10 contratos só no último mês (Foto: Arquivo Pessoal)
Foram 10 projetos nos primeiros 7 meses e mais 10 contratos só no último mês (Foto: Arquivo Pessoal)

Conversa vai, conversa vem, o “pontapé” que precisava veio do professor e orientador, Vítor Gustavo Amstalden, que apresentou as teorias sobre o que Evelin já tinha mais ou menos um conceito formado: Empreendedorismo voltado para a Engenharia social.

“Em uma das nossas discussões sobre o projeto, ele me disse para tomar coragem, fazer um cartão de visitas e ir para rua conversar com as pessoas. Que não era um momento para eu me preocupar com um escritório ou outras formalidades, eu podia trabalhar de casa, ir em uma lanhouse se fosse preciso, mas precisava começar. E foi o que eu fiz”.

Atualmente a Digna, nome pensado para refletir sobre o propósito da Engenharia, de levar mais dignidade à vida das pessoas, trabalha com projetos pequenos de reformas de banheiro, varandas, portões, buscando suprir necessidades que parecem triviais para quem já está acostumado a ter esses confortos, mas que significam muito para quem economiza há bastante tempo para tornar a obra realidade.

A sede vai ser a garagem dos pais de Evelin, que passará por reformas para receber os clientes (Foto: Kimberly Teodoro)
A sede vai ser a garagem dos pais de Evelin, que passará por reformas para receber os clientes (Foto: Kimberly Teodoro)

“As pessoas não acreditam que são capazes de realizar uma obra com planejamento e gestão de um engenheiro. Existe um tabu imposto pela sociedade de que isso é apenas para grandes obras e para quem pode pagar, mas eu acredito que acesso à mão de obra de qualidade e condições mínimas de habitação, como ter um banheiro dentro de casa, deve ser para todo mundo”, explica.

Nos primeiros 7 meses, quando ainda era tudo parte do TCC, a Digna fez 10 reformas no Jardim Botafogo. Depois de formada, o desafio aumentou. Evelin inscreveu a empresa e foi selecionada entre 375 outros projetos em um edital da Artemisia, uma incubadora de startups para ajudar o projeto a crescer.

Apesar da conquista, ainda havia outra barreira a superar. Evelin precisava ir até São Paulo representar a Digna no evento da Artemisia. Sem dinheiro para a viagem, ela aproveitou as habilidades da mãe como chapeira e organizou uma noite do lanche que mobilizou todo o bairro. Foram 150 lanches vendidos, cerca de R$ 1,7 mil arrecadados, quase 12 horas de ônibus, e tudo com o apoio de quem acreditou nela.

Necessidade básica, o banheiro da casa de Suely só tem as paredes construídas até o momento (Foto: Aquivo pessoal)
Necessidade básica, o banheiro da casa de Suely só tem as paredes construídas até o momento (Foto: Aquivo pessoal)

A segunda etapa do desafio era dobrar os números da empresa em 1 mês, ou seja, Evelin precisaria conseguir mais 10 contratos em 30 dias para seguir para a próxima etapa e conseguir os R$ 10 mil de prêmio, para reinvestir na Digna.

De volta à Campo Grande, Evelin lançou um vídeo no Facebook, que teve 191 compartilhamentos e 5,7 mil visualizações. O resultado foi um processo seletivo em que Evelin, com a ajuda de Alex da Silva Oliveira, Kenneder Flores Martins e Karla Regina Caldas, amigos da faculdade que embarcaram no projeto com ela, conversaram com os interessados em contratar a Digna, foram conhecer a casa e a vida dessas pessoas, para por fim fechar os 10 contratos. As obras já estão em andamento e as reformas devem ser concluídas até o fim do próximo mês. 

Entre as reformas mais recentes, está a de Suely Joyce Pereira Canhete, 38 anos, a cozinheira conheceu Evelin quando estava procurando um pedreiro que aceitasse terminar a casa, a construção está pela metade e ainda precisa de um banheiro, além da cobertura do telhado que também não está completo.

Para ela, ter uma engenheira cuidando das obras é a garantia de que vai tudo ficar como sempre sonhou, e acrescenta ter sido a “melhor coisa que aconteceu agora no fim ano”, já que atualmente o banheiro só tem as paredes e no espaço só é possível tomar banho, até o momento Suely precisa ir até a casa dos vizinhos para qualquer outra coisa. “Trabalho de formiguinha”, o banheiro é prioridade, mas assim que terminar a obra, o próximo passo é rebocar as paredes e colocar um piso no resto da casa.

 

Amigos feitos na faculdade, hoje também fazem parte do sonho de Evelin (Foto: Aqruivo Pessoal)
Amigos feitos na faculdade, hoje também fazem parte do sonho de Evelin (Foto: Aqruivo Pessoal)
Parceira de Evelin, Karla embarcou no projeto e vai assumir a "vice-presidência"  enquanto a amiga estiver em São Paulo (Foto: Kimberly Teodoro)
Parceira de Evelin, Karla embarcou no projeto e vai assumir a "vice-presidência" enquanto a amiga estiver em São Paulo (Foto: Kimberly Teodoro)

A Digna tem parceria com operários da construção civil, além da equipe de engenheiros que faz o planejamento e orça os materiais para reduzir o preço de custo para o cliente, que precisa dar 30% de entrada e pode parcelar o resto do valor em quantas parcelas couber no bolso. Momentaneamente, com o caixa humilde, a empresa consegue atender um número reduzido de clientes, mas o plano é buscar investidores e aumentar o alcance da empresa.

Por enquanto, Evelin e os parceiros trabalham de casa, mas em breve a Digna contará com um escritório no Jardim Botafogo, a reforma será na garagem dos pais dela, onde a mãe tinha uma lanchonete. A adaptação será feita porque, segundo a engenheira, a Digna não deve sair do bairro, a ideia é que ela se mantenha próxima às pessoas que são o foco da empresa na construção de um lugar em que elas se sintam confortáveis em entrar e se sentir em casa. “Não queremos que a Digna saia da periferia, queremos que a periferia cresça junto com a Digna”, afirma.

Ciente de que é uma exceção à regra, Evelin olha para trás com orgulho dos dias difíceis, sem se esquecer de onde veio. “A sensação depois de formada era a de estar dirigindo um carro para um destino melhor, com emprego estável, um salário alto, mas eu olhava no retrovisor e via todas as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que eu. Aquilo me incomodou ao ponto de precisar dar uma guinada no carro, fazer o balão e voltar para tentar levar comigo quantas pessoas eu puder”.

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Evelin não conseguia olhar pelo "retrovisor do carro" e não fazer nada para ajudar quem nunca teve as mesmas oportunidades que ela (Foto: Kimberly Teodoro)
Evelin não conseguia olhar pelo "retrovisor do carro" e não fazer nada para ajudar quem nunca teve as mesmas oportunidades que ela (Foto: Kimberly Teodoro)

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