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Artes

Olhar feminino e íntimo faz da arte de Priscilla Pessoa algo singular em MS

Naiane Mesquita | 12/12/2015 07:35
Da série Todo Santo Dia, o retrato feminino
Da série Todo Santo Dia, o retrato feminino

As mulheres de Priscilla Pessoa, 37 anos, estão sempre no comum. No tanque lavando os cabelos, segurando o telefone nas mãos ou sentadas no banheiro, contemplando o silêncio infinito entre um banho e outro. A artista que nasceu em Campo Grande e trilhou toda a sua carreira em terras morenas é apaixonada pelo cotidiano e seus mistérios.

Uma mulher lava os cabelos no tanque
Uma mulher lava os cabelos no tanque

Com repetidas representações da mulher, a artista diz que nunca planejou focar tanto na figura feminina e confessa que no fundo retrata apenas o íntimo. “Meu assunto, olhando retrospectivamente para minhas séries, sempre foi o íntimo. Não foi uma escolha consciente, mas quando me dei conta, sempre voltava meu processo criativo para falar de algo relacionado à intimidade, como a banalidade do cotidiano ou, no caso das fábulas, a exposição de um "falso"íntimo em redes sociais”, afirma.

Para ela, ser mulher é a única explicação plausível para surgir tantos “eus” em suas pinturas. “Não previ tantas figuras femininas no meu trabalho, mas elas estão lá e são muitas! A única explicação que encontro para tanta mulher é o fato de eu ser mulher e só conseguir falar de intimidade com mais segurança através do feminino”, frisa.

Priscilla ressalta que apesar do crescimento das discussões em torno das questões feministas, principalmente, nas redes sociais, nunca foi uma intenção fazer o trabalho ideológico. “Meu trabalho não tem qualquer intenção ideológica; me vejo mais como uma cronista ou comentarista, às vezes um pouco ácida”, ri.

Segundo a jovem artista, o íntimo é o seu ponto de partida. “A melhor explicação que encontro é essa mesma, as mulheres estão lá pois é delas que entendo um pouco no campo da intimidade. Até se você notar, das tantas figuras femininas, tem poucas loiras, ruivas, negras, orientais... são quase todas morenas de pele clara, que é a minha aparência física”, descreve.

O telefone em mãos, o descanso no corredor
O telefone em mãos, o descanso no corredor

O desejo pela arte fez com que Priscilla se dedicasse a muitas séries. “Todo Santo Dia”, que retrata o íntimo, “Fábula Instantânea”, sobre a obsessão atual em postar fotos nas redes sociais. Nesse caso, todas as pessoas aparecem como metade humano e metade conto, com aparências animalescas de coelhos e até super-heróis.

“Eu amo dia-a-dia, rotina, desde criança; coisas de virginiana! E sempre gostei muito também de observar o cotidiano dos outros, não os momentos de glória, mas em seus momentos mais insignificantes, no banheiro público, na fila. É desses momentos que é feita a vida, e a primeira vez que falei sobre isso no meu trabalho foi em 2005, com a série A Vida não é Filme. Na série Todo Santo Dia eu proponho um jogo entre as narrativas do sagrado (através de títulos e elementos da iconografia cristã) e do insignificante (inserindo esses elementos em narrativas absolutamente banais)”, explica.

O trabalho segue com Nus, em que a exposição é substituída pelos segredos. Durante três anos, Priscilla colecionou pequenos textos secretos, que pedia para que as mais diferentes pessoas escrevessem anonimamente e depositassem em uma caixa lacrada. Do desejo de não fazer sexo com a mulher acima do peso até a saudade da anorexia, muitas coisas foram reveladas em porta retrados pendurados no Marco (Museu de Arte Contemporânea).

Verdades da série "Nus" de Priscilla Pessoa
Verdades da série "Nus" de Priscilla Pessoa

Durante todo esse processo, Priscilla nunca abandou a academia. Formou em Artes Visuais pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e cursou o mestrado de Linguagens na mesma instituição. Agora se divide entre a criação e a paixão por lecionar.

“Para mim foi fundamental essa formação. Um diploma de bacharelado não torna necessariamente ninguém um artista, isso depende de muitos outros fatores, como uma vontade imensa de sê-lo e uma certa sensibilidade nata para ver as coisas do mundo. Mas, se você acredita que tem alguns desses fatores, e eu vou morrer acreditando, a formação superior em Artes Visuais é uma oportunidade de passar 4 anos mergulhada no estudo e prática de arte”, diz.

A artista durante a exposição do seu trabalho (Foto: Pamela Paine)
A artista durante a exposição do seu trabalho (Foto: Pamela Paine)

Com esse sentimento, ela diz que a maioria dos artistas que saíram recentemente da academia conseguem se destacar no cenário da arte contemporânea brasileira, mas sofrem com o desgaste do mercado difícil e sem reconhecimento.

“Dos nomes que surgiram como novidade nos últimos 20 anos na arte contemporânea, uma boa parte saiu da UFMS. Esse panorama reflete o que observo no Brasil, tenho desenvolvido uma pesquisa sobre pintores que despontaram no cenário brasileiro recentemente e grande maioria cursou o ensino superior em Artes. Mas, o que noto também é que muitos desses nomes desaparecem depois de um ou dois anos de atividade. Aí já entramos em outro assunto, como a falta de um mercado de arte local, o tamanho diminuto do nosso circuito de arte contemporânea, enfim, desistir é mesmo muito tentador”.

As pesquisas, lecionar e a busca por uma reformulação da arte a deixou longe dos quadros recentemente. “Atualmente eu estou fazendo experimentações com materiais, estilos, vendo muita referência. Não sei muito bem como será minha próxima série, então até me apaixonar por alguma ideia, estou repensando a visualidade do meu trabalho. A minha produção, que já tem um ritmo naturalmente bem lento por conta das minhas outras atividades, está parada. Só experimentando”.

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