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Comportamento

A menina que não iria nem andar, hoje escreve e faz selfie sobre a microcefalia

Paula Maciulevicius | 25/11/2014 06:13
Em 9 de março de 1991, Carol veio ao mundo e pegou todos de surpresa. (Foto: Arquivo Pessoal)
Em 9 de março de 1991, Carol veio ao mundo e pegou todos de surpresa. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Selfie: em meu autorretrato, a microcefalia é diferença e motivação". É assim que Ana Carolina Dias Cáceres, de 23 anos começa escrevendo a sua história de vida. A menina que, num primeiro diagnóstico médico, nem sequer andaria, conseguiu se imprimir como um autorretrato, mostrando suas cicatrizes, mais do que cirúrgicas, que as duas décadas de vida lhe trouxeram: o fato de fazer amizade somente aos 11 anos e de expor na rede e para si, uma selfie mostrando a sua diferença e motivação. 

Carol está para se formar em Jornalismo. Já apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso, o livro que explica a síndrome com que nasceu, a microcefalia. "Síndrome caracterizada pelo fechamento prematuro das fissuras do crânio, que pode trazer danos ao desenvolvimento cerebral da criança, ocasionando sequelas cognitivas e/ou motoras, além de outras síndromes associadas como a paralisia cerebral, por exemplo", explica. 

O relato dela tem início antes mesmo do nascimento. "Começou o pré-natal, as consultas periódicas, minha mãe fez tudo exatamente como se manda o figurino e os médicos. Nos exames realizados durante a gravidez, nada apontava a microcefalia que me acompanharia pelo resto da vida...", descreve sobre a rotina da mãe Clara, na gestação.

Com a família, na festa de 1 ano. Em seguida ela começaria a andar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Com a família, na festa de 1 ano. Em seguida ela começaria a andar. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 9 de março de 1991, Carol veio ao mundo. O nascimento foi planejado. Mas só até aquele momento. O que viria depois, pegou todos de surpresa. "Aí o obstáculo, que tenho que lidar até hoje, veio à tona. De início, o médico considerou existência de Síndrome de Down até mesmo pela aparência, mas essa ideia veio por terra quando o neurocirurgião entrou em cena", explica.

Ele quem deu o diagnóstico final: "Meus pais descobriram que tinham uma filha com microcefalia. Até hoje algo tão raro de se acontecer que até mesmo os médicos confundem com outras síndromes. Foram as minhas aparências que apontaram algumas características da microcefalia", descreve.

Ana Carolina nasceu com um afundamento frontal de crânio e um entupimento nasal que a impediam de respirar normalmente. A primeira cirurgia aconteceu quando ela contabilizava dias de vida, quando lhe foi retirado 40% da estrutura óssea do crânio na região da frente.

Em casa, com medo e sem saber o que fazer, os pais seguiam com testes simples, para entender com o que lidariam e as surpresas que ainda estavam por vir. "Meu pai fazia assim: falava perto de mim para ver se eu ouvia, ou fazia movimentos para ver se eu olhava".

Aos 7 anos, na comemoração do "Dia do Índio", na escola. (Foto: Arquivo Pessoal)
Aos 7 anos, na comemoração do "Dia do Índio", na escola. (Foto: Arquivo Pessoal)

A primeira vez que ela andou foi o sinal que avisava que a menina nasceu diferente mesmo e que não seria um diagnóstico que a condenaria a não andar.

"Eu fiquei em pé por causa de um cachorro. Levantei querendo ir atrás dele. Ali já era indício de que a teoria de que eu possivelmente não andaria, foi derrubada". E o fato aconteceu dentro da faixa etária esperada, com 1 ano e 1 mês.

A calcificação óssea prematura inspirava receios quanto ao aprendizado e desenvolvimento da menina. Visualmente, o pré-conceito criado era maior do que qualquer consequência.

"A maldade “inocente” marcou minhas futuras decisões". Ana Carolina sofreu bullying muito antes do termo vir à tona. Aos 8 anos, revidou uma das provocações que tanto recebia desde que ingressou na vida escolar. Fã de 'karatê kid', a criança levou o colega até a lousa e deu um golpe, como o que via nos filmes.

"Ninguém falava comigo, mas também não falaram mais sobre mim e nem faziam brincadeiras. Um dia de glória, diria", expressa sobre a solidão em ver que melhor era não ser vista, do que ser enxergada pelos olhos do preconceito. Os amigos vieram mais tarde. "Aos 11 anos foi a primeira amiga que tive, Thays".

Selfie é a surpresa àqueles que um dia disseram que ela não seria capaz por ser diferente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Selfie é a surpresa àqueles que um dia disseram que ela não seria capaz por ser diferente. (Foto: Arquivo Pessoal)

O que a fez vencer a timidez foi a música, a descoberta pelo canto e pelo violino. "O coral me ajudou a descobrir o talento para música que com o tempo de transformou numa forte paixão". Sentimento que por enquanto tem sido de dedicação exclusiva à sonoridade.

No livro, na vida e nas palavras ditas ou escritas, Carol vê um mundo onde a estética, o visual, é o que vale. "Como buscar alguém assim? É mais racional assumir a própria sina do que sonhar com um caminho que não tem pretensão de existir".

Dentro deste pensamento já ouviu da psicóloga que quando conhecerem a menina por trás disso tudo, as coisas irão acontecer.

Em "Selfie: em meu autorretrato, a microcefalia é diferença e motivação", a jornalista tirou 9,6. Mas maior que qualquer nota é a vontade que transpassa em cada selfie de dizer que tudo é possível e surpreender aqueles que um dia disseram que ela não seria capaz de fazer qualquer coisa por ser diferente.

"Definitivamente, após todos os problemas, hoje ninguém imagina, nem mesmo o médico é capaz de acreditar que mesmo com a microcefalia no meu calcanhar, eu seria capaz de tanto. De chegar até aqui. Minha história é só o começo de que o céu é o limite para quem não deixa de acreditar".

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