ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SÁBADO  04    CAMPO GRANDE 28º

Comportamento

Água de coco, visita de mãe. Os últimos desejos de quem enfrenta o câncer

Paula Maciulevicius | 16/06/2014 07:00
Cada gota faz as horas passarem mais rápido para o outro lado. (Fotos: Cleber Gellio)
Cada gota faz as horas passarem mais rápido para o outro lado. (Fotos: Cleber Gellio)

Eles colocam em palavras o que gostariam que fossem números. Mais uns anos, uns meses, mais uns dias, para que pudessem cumprir o que pedem por eles mesmos, fora das camas, dos soros, dos medicamentos. Longe dos médicos e do quadro de enfermagem, os profissionais para quem, na maioria das vezes, desabafam o que se tornam os últimos pedidos.

Pacientes que enfrentam o câncer, alguns na reta final. É esta a rotina, há 1 ano, da enfermeira Tânia Mara Gonçalves, de 38 anos, no Hospital do Câncer em Campo Grande. Sorridente, é das mais apegadas aos pacientes e procura trazer o riso no rosto para quem já tem tanto sofrimento.

A ela, o último pedido feito por um homem era para que entrassem em contato com a mãe dele. “Para que ela viesse se despedir. Era uma senhorinha de idade, a gente ligou, ela veio no período da tarde. Ela veio 2h, ele faleceu às 5h”, conta.

Sorridente, enfermeira Tânia distribui alegria aos quartos de todos os pacientes.
Sorridente, enfermeira Tânia distribui alegria aos quartos de todos os pacientes.

Entre um cuidado e outro, ela havia comentado, despretensiosamente com uma paciente que tinha um coqueiro em casa. “Ela me perguntou se ele estava produzindo. Falei que na segunda eu trazia, infelizmente não deu tempo. Cheguei e a notícia era de que ela tinha falecido”, lembra Tânia.

Na verdade os pedidos, os desejos, nunca são os últimos. Ou pelo menos não saem da boca deles para serem as últimas palavras. Elas ganham esta posição ou título com o tempo e em poucas horas. O que se descobre no dia a dia num hospital destinado a tratar o câncer é que, a medida em que a medicação sai para a veia, a ampulheta corre. Cada gota faz as horas passarem mais rápido para o outro lado.

“Não posso dizer que ele sente vou morrer, mas o que a gente observa quando começa a pedir para ligar para mãe, cortar cabelo. A gente se comove, a impressão que dá é que eles estão sentindo”, expressa a enfermeira Laiane Rodrigues Procópio, 27 anos.

Nas mãos dela veio parar a decisão de autorizar um corte de cabelo a uma paciente. “Ela pediu para cortar, a gente autorizou no final de tarde, à noite ela veio à óbito. Era uma senhora de 50 e poucos anos, vaidosa”, descreve.

Laiane e Daicson, experiências de quem já ouviu corte de cabelo como último pedido.
Laiane e Daicson, experiências de quem já ouviu corte de cabelo como último pedido.

O fato é que do lado de cá, de quem cuida, trabalha, convive, não se sabe se aquele é o último desejo. Se por aquele pedido, tão simples, saíram as últimas palavras em vida. Mas a prática vai ensinando que o que se pede, deve ser atendido. “Não foi para mim, mas uma mulher pediu para a enfermagem ligar para o ex-esposo. Ela queria falar com ele, era uma paciente que estava há três dias em estado crítico. A gente achava hoje ela vai... E ela não ia. Depois que ela falou com ele, foi à óbito”, narra Laiane.

O pedido que Amanda Casagrande, de 32 anos atendeu não foi expresso em palavras. Talvez pelo olhar da mãe que antes de descansar, precisava se despedir. “Deixei os três filhos dela verem, eles não entraram, só viram. Ela não respondia mais ao tratamento, já estava em falência de órgãos. Eles só se comunicaram com a mãe de longe, e ela faleceu em 40 minutos”, recorda.

O tamanho dele assusta, mas o carinho com os pacientes logo aproxima o que a altura deixa tão distante. Técnico de enfermagem e hoje fisioterapeuta, Neumar Santos Vitoriano, de 37 anos, viu o pedido não ser atendido.

“Era fase terminal, a filha morava em Rondônia e todos os dias ele vinha resistindo. Quando a filha chegou, ele ainda estava no quarto, não tinha muito tempo. A filha ajoelhou e falou pai, porque o senhor não esperou? Fazia anos que eles não se viam e ela não conseguiu ver ele vivo”. Neumar não encheu os olhos de água, mas esboçou o peso de ver o que o tempo fez, de não permitir ao pai o reencontro com a filha.

O último pedido às vezes não sai. Não tece formato de palavras. Não tem força para sair de dentro. “Nessas horas você pegar na mão do paciente e fazer oração, pedir a Deus que ele conforte e descanse, em paz, o paciente daquele sofrimento. Este é o pedido”, responde Neumar.

Grande no tamanho e no carinho, Neumar pega na mão, ora e entrega a Deus. Num dia a dia destes, é impossível não crer em algo.
Grande no tamanho e no carinho, Neumar pega na mão, ora e entrega a Deus. Num dia a dia destes, é impossível não crer em algo.
Nos siga no Google Notícias