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Comportamento

As mil e uma histórias que o edifício Dona Neta tem para contar

Paula Maciulevicius | 08/01/2014 06:12
Dois blocos, 104 apartamentos e histórias dos moradores da melhor idade que hoje vivem na Dona Neta. (Fotos: Cleber Gellio)
Dois blocos, 104 apartamentos e histórias dos moradores da melhor idade que hoje vivem na Dona Neta. (Fotos: Cleber Gellio)
O pequeno portão cinza. É ali a entrada de um dos mais tradicionais prédios de Campo Grande.
O pequeno portão cinza. É ali a entrada de um dos mais tradicionais prédios de Campo Grande.

Embaixo, uma galeria da década de 60. Acima, duas torres dos anos 80. O comércio e a residência dividindo um só nome: Dona Neta. Na avenida Afonso Pena, entre as ruas 13 de Maio e 14 de Julho, o que os 104 apartamentos têm de história para contar, tem de idade também. O pequeno portão cinza, ao lado da empresa de ônibus, leva quem dedica tempo para ver e ouvir, às antigas construções de edifícios e a velhos moradores.

Dividido em dois blocos, são em torno de 300 vizinhos. Na primeira torre são apartamentos maiores, dois por andar, já na segunda, os cômodos diminuem, mas comparado aos de hoje, ainda são luxo. Uma sala para dois ambientes, quartos, banheiros, cozinha, lavanderia e quarto e banheiro de empregada na área de serviço. Fátima, a diarista oficial do edifício é quem deve adorar ter um quarto para cada dia de trabalho. É que no prédio, uma moradora foi indicando a outra e Fátima passa a semana toda limpando apartamentos na Dona Neta. As donas de casa ‘dividem’ a faxineira.

O prédio parece ter saído de cena de filme. A maioria dos moradores são idosos, aposentados e mulheres que batem ponto diariamente no Alemão, depois das caminhadas matutinas. O prédio tem salão que só recebe bingos da terceira idade. Das centenas de apartamentos, há, no máximo, seis crianças que perdem o ranking para o número de chineses, que já estão em oito famílias. Por estar no centro do comércio de Campo Grande, Dona Neta passou a ser a escolha deles apenas para dormir. Apesar do Lado B ter ido quatro vezes ao edifício, não encontrou nenhum chinês sequer. Isso porque, pelo que nos disseram, a rotina de trabalho deles é das 6h da manhã às 10h da noite e de domingo a domingo.

De suspensórios, 'seo' Daniel ou coronel Carneiro é síndico há duas décadas e hoje está com 80 anos.
De suspensórios, 'seo' Daniel ou coronel Carneiro é síndico há duas décadas e hoje está com 80 anos.

Daniel - O primeiro contato que, obrigatoriamente, tivemos de fazer foi com o coronel Daniel Carneiro. Baiano, militar reformado e sistemático. Dos 80 anos de idade, as duas últimas décadas foram passadas ali, fazendo o que ele parece ter nascido para fazer: ser síndico. Por isso que era obrigação visita-lo primeiro.

Militar, médico veterinário, advogado, sanitarista, ex-seminarista e ex-estudante de Medicina. Se a gente passasse a tarde ali, só da vida dele o Lado B já teria uma boa história. Nascido em Salvador, foi pelas atividades para a pátria que foi pulando de estado em estado até chegar em Mato Grosso do Sul. “Me casei aqui e geralmente o homem mora junto da família da mulher, não é mesmo? Meus amigos brincava, quem faz carreira no mato é veado”, conta.

As mudanças de casa na Capital o trouxeram para o prédio em 1982, logo que o alvará saiu. “Vim mudando, morando em alguns edifícios e gostei. Aqui tem quartos bem amplos e boa localização”.

Da história do edifício, ele fala que a construção é bem antiga, de 1965 ou 1966. “A base, os pilares e essa galeria estavam desde o início, depois incorporou”. Antigos também são os moradores. “Se somar as idades aqui, dá uns 17 mil anos, você retorna à Idade da Pedra”, brinca.

Daniel é um dos poucos homens de Dona Neta. A vizinhança é formada mesmo por mulheres já viúvas, talvez com histórias como a de Neta, a dona de um amplo sobrado e de um imenso terreno que começava na Afonso Pena e ia até a Barão. Antônia de Moraes Ribeiro Corrêa da Costa é quem dá o nome à galeria e ao edifício. O apelido Neta vem de família, já o dona, o tempo se encarregou de dar.

Por dentro, a decoração dos apartamentos não muda muito, revelando que ali, os vizinhos têm os mesmos gostos.
Por dentro, a decoração dos apartamentos não muda muito, revelando que ali, os vizinhos têm os mesmos gostos.
Na porta de casa, Ana, que brinca que está no asilo Dona Neta.
Na porta de casa, Ana, que brinca que está no asilo Dona Neta.
Maria se orgulha em dizer que faz 90 anos em maio. Sabe que não parece ter a idade que tem.
Maria se orgulha em dizer que faz 90 anos em maio. Sabe que não parece ter a idade que tem.

A homenagem não foi dada à toa. Antônia e a família compraram um palacete inacabado em 1915. Segundo a Fundação Edson Contar, eles se mudaram para a casa nova, que na época era uma das mais finas de Campo Grande. Ela morreu ali, em 1963 e no lugar do palacete, os herdeiros mandaram construir o prédio. Dona Neta foi erguida pelas mãos do engenheiro Annes Salim Saad.

Ana - O bom humor em pessoa. A senhora do sorriso aberto. Quando Ana de Moraes revela a idade, 81 anos, pergunto se só para morar ali, é preciso ter passado dos 80 e se por acaso, ela conhece quem tenha menos. “Deve ter, mas as que eu conheço é de 80 pra lá. 80, 84, 85, 89. Aqui é o asilo Dona Neta, desde quando eu mudei, já morreu bastante velha”.

Dona Ana morava no bairro Giocondo Orsi. Mas a filha casou, o marido morreu e ela acabou por comprar um apartamento ali, onde tem muitas amigas e com quem faz as caminhadas pela manhã. Ela é uma das que divide a diarista Fátima com mais não “sei quantas” e é vizinha de porta de um dos chineses. “Agora tem bastante. Alguns falam com a gente, mas não dá para entender nada, você não sabe se eles estão te xingando. Mas eu respondo o que deve ser o bom dia. São vizinhos bons, não mexem com a gente”.

Maria - Honrando a faixa etária, Maria Selem Dib completa 90 anos em maio. A moradora encontrou na Dona Neta um lar há 17 anos. No coração da cidade, na avenida Afonso Pena e com todas as amigas vizinhas. A primeira iniciativa, depois de desencaixotar a mudança, foi de vender o carro. “Eu morava longe, aí tinha que ter condução, mas aqui? Para que eu quero carro? Não tem necessidade”.

Para ela os cumprimentos no elevador e as idas até o Alemão não escondem de ninguém. Na Dona Neta só moram idosos. “É difícil ver casa que tem estudante. Agora no Alemão, você chega e a Dona Neta em peso está lá”.

Para morar de aluguel no edifício, inquilino paga em média, R$ 1,2 mil incluindo condomínio e IPTU. A taxa aos condôminos não sobe, permanece abaixo de R$ 300 para acompanhar a aposentadoria. Lá tem apartamentos para alugar. Mas poucos locatários. Quem muda, se apaixona e acaba comprando uma partezinha da Dona Neta.

A Dona Neta também dá uma bela vista da Cidade Morena.
A Dona Neta também dá uma bela vista da Cidade Morena.
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