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Comportamento

Atirar no olho do irmão foi culpa durante anos, até autoperdão chegar com amor

Thailla Torres | 06/07/2016 08:38
Para Nivaldo, nada passou de uma fatalidade e jura que nunca existiu rancor. (Alcides Neto)
Para Nivaldo, nada passou de uma fatalidade e jura que nunca existiu rancor. (Alcides Neto)

Os irmãos Nivaldo e Lázaro eram adolescentes quando juntos se divertiam com as brincadeiras que mais agradavam aos meninos. Entre as bolinhas de gude, sempre havia muita gargalhada. Até que um dia, a brincadeira virou fatalidade e acabou marcando para sempre a vida dos dois.

Com a espingarda velha de um primo, e pedras no lugar do chumbinho, Lázaro disparou a arma e atingiu em segundos o rosto do irmão. Nivaldo perdeu a visão do olho direito e Lázaro passou a carregar a culpa. Para um, o jeito foi se adaptar ao mundo com a visão limitada. Para o outro, o autoperdão exigiu anos.

Naquele tempo, os irmãos moravam em Cuiabá com a família. O pai era militar e estavam sempre vivendo em cidades diferentes. A ideia de brincar com a espingarda foi para matar a curiosidade, eles sabiam do risco de mexer em um objeto velho, mesmo assim, resolveram arriscar. “No início, foi muito frustrante pra mim, durante muitos anos eu carreguei essa culpa, a situação se tornou um fardo na minha vida e isso me impedia de seguir”, descreve Lázaro da Rosa Teles, hoje com 38 anos.

Enfrentar a nova condição do irmão não foi nada fácil. Mas, apesar da culpa, Lázaro se manteve ainda mais perto de Nivaldo, que nunca levantou a palavra para julgá-lo. Aprender a lidar com um acidente que muda para sempre a vida de alguém tão próximo foi a grande conquista dos irmãos.

Triste foi o julgamento fora de casa. "O principal reflexo foi o afastamento dos amigos. Eu procurava ficar isolado, porque muitas pessoas começaram a me dar adjetivos que nem convém falar, mas me culpando e me julgando. Ouvir que eu fui o culpado pelas pessoas e os olhares diferentes, me causavam mais remorso e foi aí que a culpa passou a ser uma companheira inseparável", descreve. 

O processo de autoperdão foi acontecendo naturalmente, com o carinho da família e o apoio do irmão. "Ele não me acusava e a nossa relação nunca mudou após o ocorrido. Isso ajudou para que eu fosse abandonando a culpa. Ao lado dele, da família e, principalmente, a fé em Deus, fez eu me sentir mais aliviado  entendendo que tudo não passou de uma infeliz brincadeira", comentou. 

Hoje Lázaro não carrega mais a culpa e até conta a experiência em reuniões da igreja que discutem a importância do perdão. "Em uma das reuniões comecei a ouvir muitas histórias semelhantes, mas em que as pessoas não conseguiam perdoar. A minha foi diferente, e por isso eu aceitei falar o que eu senti, para que talvez as pessoas entendam o que é perdoar", pontua. 

Nivaldo e Lázaro superaram juntos as dificuldades. (Foto: Arquivo Pessoal)
Nivaldo e Lázaro superaram juntos as dificuldades. (Foto: Arquivo Pessoal)

O carinho aparentemente continua firme, como nos tempos de infância em que brincavam juntos. “Eu vi que é possível superar as situações. E a nossa situação é a prova disso e me fez entender que perdoar não é esquecer o que aconteceu, mas sim se lembrar do acidente sem nenhuma dor ou sentimento ruim”, descreve Lázaro.

Agora com 37 anos, Nivaldo da Rosa Teles lembra o quanto sofreu ao perder a visão na adolescência. Ele conta que só percebeu que estava cego no dia seguinte, após a cirurgia. “Na hora eu não senti dor, quando a pedra atingiu o meu olho, foi como se ele estivesse murchado. Depois da cirurgia ficou uma cavidade e o médico disse que eu não voltaria a enxergar”, narra.

Com 16 anos, a estética foi o que mais abalou Nivaldo. “A gente estava numa fase onde a aparência contava muito. E quando nós saímos do hospital, precisei tratar uma inflamação e o olho não ficava bonito de ver. Eu fiquei um bom tempo usando tampão, depois só saia na rua com óculos escuro para que as pessoas não olhassem”, conta.

Depois de um tempo, a família finalmente conseguiu uma prótese semelhante ao olho esquerdo. O que diminuiu o impacto visual e fez com que Nivaldo recuperasse a autoestima.

Mesmo assim, ainda precisou lidar com as dificuldades por conta da limitação. A visão monocular afeta principalmente atividades em que ele precisa enxergar com profundidade, em alguns casos, o que na sua visão parece estar perto, na verdade já está longe. “A distância era algo terrível para adaptar. Por conta da visão eu errava o copo d’agua, era difícil para comer e até para cumprimentar as pessoas. Hoje eu sempre cumprimento um pouco mais devagar”, explica.

Adaptado a prótese, ele afirma que não sente receio e nem vergonha de falar do assunto. “Encontro algumas pessoas que nos conheceram na época do acidente e falo numa boa sobre que aconteceu. Algumas pessoas ficam curiosas quando olham para o meu olho, porque é fácil perceber a diferença, já que os olhos não ficam no mesmo sentido ao mesmo tempo”, comenta.

Adaptado, hoje leva uma vida normal ao lado da família. E deixa claro que o acidente já ficou no passado. “Nunca joguei na cara do meu irmão porque eu sempre acreditei que ele não teve culpa. Agradeço pela minha vida e nós sabíamos do risco. Hoje isso é um aprendizado, porque são instrumentos que nenhum pai poderia permitir ficar na mão de crianças”, enfatiza.

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