ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 24º

Comportamento

Barbara tem 7 tatuagens, de quem partiu e quem ainda vive para ver homenagem

Tatuagens poetizam saudade e mostram que homenagem é mais bela em vida

Paula Maciulevicius | 10/11/2016 07:26
Bárbara carrega toda a família junto consigo nas andanças que faz pelo Brasil, nas sete tatuagens. (Foto: Luana Chadid)
Bárbara carrega toda a família junto consigo nas andanças que faz pelo Brasil, nas sete tatuagens. (Foto: Luana Chadid)

O nome da mãe, os dizeres que a tia transcreveu, as flores do tio. A assinatura do avô, a frase vindo do padrasto e a fé da avó. No corpo de Barbara, a saudade virou traços, primeiro para ressignificar a perda e depois como lição, de que as homenagens se tornam muito mais belas quando o prestigiado pode vê-las, se emocionar e sorrir. Aos 26 anos, Bárbara carrega toda a família junto consigo nas andanças que faz pelo Brasil, nas sete tatuagens.

A primeira delas foi em outubro de 2011, quando fazia um ano que Tânia, a mãe, tinha partido por conta de um câncer.

"Tatuei a assinatura que ela colocou numa carta para mim quando eu tinha uns 12 anos e a gente estava morando em cidades separadas por um tempo. Eu queria homenagear ela e tirar a dor da data de um ano, mudar o significado do dia", conta a empresária Bárbara de Oliveira, de 26 anos. 

O lugar escolhido foi a nuca, por representar à filha a proteção materna. 

Tânia. A assinatura que a mãe não viu como tatuagem. (Foto: Arquivo Pessoal)
Tânia. A assinatura que a mãe não viu como tatuagem. (Foto: Arquivo Pessoal)
As flores e a frase dos tios foram a segunda remessa de homenagens. (Foto: Arquivo Pessoal)
As flores e a frase dos tios foram a segunda remessa de homenagens. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em janeiro de 2016, depois de uma luta de pouco mais de 1 ano, da tia materna contra a leucemia, a frase que ficou transcrita entre papeis e memórias de Fabiana, serviram de inspiração. O texto era de Caio Fernando de Abreu e o material foi encontrado depois da despedida. "É um texto bem bonito, ela transcreveu. Senão me engano, quando já estava curada, mas era um período delicado e penso que ela achou esse texto bonito, sentiu que tinha uma mensagem ali e escreveu. Quando eu parei na última frase, ali era a resposta para tudo".

"Que não nos falte fé e amor", ganhou o braço de Bárbara. À época, era exatamente o que a família precisava para ter força e uma frase que seria a resposta mesmo que a voz de quem o escreveu não estivesse mais ali.

"Eu fiz porque queria ter uma mensagem que me fortalecesse e também fiz com as flores do marido dela, meu tio. Quando você me perguntou o por que das tatuagens, eu fiquei pensando..." E as palavras da filha, sobrinha, enteada e neta, Bárbara ficam no ar.

As cerejeiras desenhadas pelo tio vieram com um ar oriental e lembram à Bárbara a sabedoria que ela aprendeu com a tia. "O que ela me passou durante toda a campanha, toda a doença dela. Então as cerejeiras vieram em homenagem e o traço, por ser do meu tio, eu sentia que precisava deles na minha pele", explica. Era o que lhe fazia sentido. O tio, Daniel, é o autor das memórias mais sublimes da Bárbara criança, quando a casa da avó era inundada pelo cheiro de tinta. Pintor, fotógrafo e jornalista, Daniel influenciou a sobrinha na criatividade e merecia estar ao lado da esposa na homenagem.

Frase escrita pelo padrasto: "por onde flor, florescerá". (Foto: Luana Chadid)
Frase escrita pelo padrasto: "por onde flor, florescerá". (Foto: Luana Chadid)
Primeiras letras é da mãe e o "acredite" carrega toda a fé da avó de Bárbara. (Foto: Luana Chadid)
Primeiras letras é da mãe e o "acredite" carrega toda a fé da avó de Bárbara. (Foto: Luana Chadid)

"Me veio essa vontade, depois, de homenagear as pessoas em vida. Eu olhava a tatuagem da minha mãe e queria que ela tivesse visto, da minha tia... A gente tem aquela cultura de endeusar as pessoas quando elas morrem, como se não soubéssemos dar valor em vida", reflete.

Mostrar o valor que tinha só depois que perdeu, virou lição à Bárbara. "Aí me veio a vontade de tatuar as coisas do meu avô, da minha avó, porque eu queria que eles vissem em vida", justifica. E foi no Hard Work Tattoo, na última segunda, que Bárbara completou as sete tatuagens pelas mãos do tatuador Thom Rech.

Bárbara mora em Campo Grande, mas os avós estão em São Paulo e o padrasto, em Minas Gerais. Por telefone, ela pediu para cada um deles escrever, as frases e enviar para ela. Do avô, a formalidade em pessoa, seu José Geraldo deu a assinatura. "Ele trabalhava na área de imobiliária, sempre foi todo formal, então a assinatura é a cara dele e eu coloquei no pé direito. Sentia que ia me dar sorte e proteção", descreve.

Da avó, dona Selma, veio a palavra "acredite", que fala muito de uma senhorinha que tem fé na vida. "É a cara dela, minha avó tem muita fé nas pessoas, nas coisas, em tudo. Eu queria que fosse uma mensagem, como que não nos falte fé e amor. Não é que não é para faltar, não vai faltar, não é que seja para acreditar, é acredite", narra.

A neta se preocupou se o pedido seria bem recebido, ou se eles encarariam com olhares tortos. "E foi totalmente ao contrário, eles apoiaram e ficaram muito emocionados, comemorou a neta.

Do padrasto que a escolheu como filha, quando Bárbara tinha 15 anos, a letra é linda e a fala, mais ainda. Agrônomo, depois que se aposentou, Valterley planta e colhe flores no sítio lá em Minas, o que justifica a frase. "Não sei de onde ela veio, mas depois que tatuei as flores, comecei a olhar para elas de outra forma, ver poesia. Então floresceu: 'por onde flor, florescerá'", conta.

E o local escolhido foi o mais visível possível, na região da clavícula. "Para mim é como se fosse um escudo, uma benção. Ele entrou na minha vida quando eu tinha 15 anos e por isso nosso laço ficou mais forte ainda. Ele me escolheu como filha e eu o escolhi como pai, ele me deu minhas irmãs e fez minha mãe feliz demais. Os últimos anos dela foram ao lado dele", define. 

Como escudo, fortaleza e lembrança, Bárbara sabe quem é em cada traço. (Foto: Luana Chadid)
Como escudo, fortaleza e lembrança, Bárbara sabe quem é em cada traço. (Foto: Luana Chadid)

As primeiras tatuagens fortalecem Bárbara até sem que ela perceba. Quando a avó paterna se foi, a menina se pegou segurando a frase "que não nos falte fé e amor". "Aí eu vi como eu mesma via as minhas tatuagens, lembrando das pessoas que me amam". E a que mais lhe amou nessa vida, Tânia, ganhou novo traço.

Depois que a mãe morreu, a filha encontrou na carteira uma prece e se encantou por um dos dizeres "que a estraga erga ao encontro do seu caminho" e na letra dela, o ensinamento e o desejo de Tânia à filha foi eternizado. 

"Eu estou sublimada ainda. É muito forte essa frase da minha mãe. A assinatura do meu avô, a letra da minha tia", descreve. O trabalho do tatuador foi ao encontro do que Bárbara queria transformar. "Até a falta de simetria, os defeitos da escrita, ele reproduziu tudo. Representou 100% do traço da pessoa, respeitou a arte, não só o momento", agradece a jovem. 

As tatuagens começaram pela mãe, a fizeram refletir sobre as homenagens em vida e se tornaram um caderno de memórias e uma grande lição. "Eu não queria mais ter essa sensação, de que eu queria fazer essa coisa para o fulano, mas ele não está mais aqui. Não, vou fazer tudo agora. Passei a olhar meus avós de outra forma. Queria algo do coração e que fosse ontem, porque a gente nunca sabe quando vai ser..."

O que ficou de quem partiu? Tânia e Fabiana fizeram da família, um legado. "Eu sempre fui mais passarinho, mas com o passar do tempo, estou cada vez mais dependente desse afeto da família. Cada dia que passa eu viro mais neta, mais filha e mais sobrinha".

Curta o Lado B no Facebook. 

As últimas feitas em Campo Grande, são do tatuador Thom Rech.
As últimas feitas em Campo Grande, são do tatuador Thom Rech.
Nos siga no Google Notícias