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Comportamento

Briga por causa do WhatsApp leva pais e filhos à hora da verdade na Justiça

Naiane Mesquita | 09/11/2015 06:23
Justiça Restaurativa promove encontros entre as vítimas e os jovens infratores para tentar resolver o problema de forma amigável (Foto: Fernando Antunes)
Justiça Restaurativa promove encontros entre as vítimas e os jovens infratores para tentar resolver o problema de forma amigável (Foto: Fernando Antunes)

Por volta das 15 horas de uma quinta-feira chuvosa, quatro jovens se reúnem na sede da Justiça Restaurativa em Campo Grande. Na recepção, ao lado dos pais e responsáveis, eles mal conversam, nem sequer trocam olhares. O semblante é sério, o corpo denuncia impaciência, com pés que repetem movimentos precisos e regulares. Alguns chegaram cedo, com até duas horas de antecedência, outro teve problemas no caminho, o que atrasa em 20 minutos o início da reunião.

O boné é um item de moda obrigatório, todos carregam um exemplar, mas apenas um retira a peça no momento em que reunião acontece. Os rostos são diferentes, olhos claros, peles morenas, pulseiras nos braços. De longe, nenhum deles parece ter se envolvido em problemas, mas a história é diferente.

Em agosto de 2014, os quatro foram parar na delegacia após uma briga na saída de uma escola no bairro Monte Castelo. A história é confusa. Dois amigos, Victor e Luis, de 15 e 17 anos, foram buscar uma amiga na instituição de ensino. A jovem teria recebido no whatsapp uma mensagem de Carlos, 15 anos, que estava acompanhado de João, de 17, o único deles que não estudava no local. Nesse ponto, ambos se acusam de iniciar uma discussão sobre a mensagem, que gerou uma briga feia, pancadaria e um processo demorado.

Na quinta foi a primeira vez que todos se encontraram após a confusão que foi parar na delegacia. A conversa é uma proposta da Justiça para resolver impasses de maneira amigável e com o envolvimento da família de adolescentes infratores. O Lado B resolveu ver de dentro como funciona esse projeto, participando do encontro.

Quem media a reunião é a psicóloga Marineide da Silva Pedreira, 38 anos, que há 5 trabalha na Justiça Restaurativa. Ela conhece com antecedência cada um dos envolvidos por meio de atendimentos individuais, momento em que descobre a história de cada um, onde e como vivem, motivações, problemas cotidianos e a estrutura familiar em que o jovem está inserido.

“É uma reunião que envolve a família, a comunidade, é um procedimento que possibilita levantar a necessidade, o que motivou aquilo, o que estava acontecendo na vida da família”, explica Marineide.

Cada adolescente tem uma característica específica. A psicóloga ressalta que não há diferenciação de classe social ou escolaridade, mas que muitos jovens sofrem com problemas familiares.

“Já teve mãe que disse, ‘naquela época que aconteceu a infração eu estava separando do meu marido, nossa vida estava daquele jeito’. Tem uma jovem que realizou um furto e na época estava sofrendo violência doméstica e desenvolvendo a cleptomania, ou seja, ela precisava de atendimento psiquiátrico. Outros casos em que a mãe confessa que o filho sempre apanhou muito, tem caso de alcoolismo do pai na família, o adolescente têm dificuldades de se relacionar, mal consegue conversar no círculo”, afirma Marineide.

À primeira vista, o atendimento parece uma grande terapia em grupo. Os envolvidos e responsáveis são convidados a expor seus sentimentos, que no início da reunião, se resumem a esperança e ansiedade. Alguns relatam momentos difíceis, arrependimentos do passado. Um dos pais, emocionado, contou da adolescência, em que perdeu um dos irmãos.

“Me arrependo de não ter evitado a briga do meu irmão e de ainda ter me envolvido. Ele acabou levando um tiro e faleceu. Eu falo para ele que não desejo para ele essa dor, não quero que ele sofra dessa forma, que se envolva em uma briga, porque pode ter um final muito ruim”, diz.

A cada história pessoal, cheia de sinceridade e compaixão, é difícil não se deixar tocar pelo momento. Para participar do círculo, precisei participar como uma espécie de conciliadora e representante da sociedade civil. Normalmente, as vítimas e ofensores podem convidar alguém de confiança, como um parente ou até um professor. "De preferência alguém que eles escolham ou que nós consideramos que possa contribuir na ação educativa, como o representante de alguma instituição", explica Marineide.

Fui convidada a expor uma situação de vida em que eu me arrependi de ter cometido. Apesar de alguns pais se negarem a dizer, eu fui sincera e relatei o desentendimento com uma amiga. Depois, precisei falar dos meus sentimentos como todos os meninos, reparava que eles me olhavam quando eu falava. Foi difícil dar um conselho ou uma sugestão, optei pelo estudo como uma forma de motivá-los, apesar de saber que cada um deles tem uma vida diferente e por vezes complicada. Alguns já trabalham ou buscam um emprego apesar da pouca idade, para ajudar no sustento da família, um deles havia deixado a escola ainda no 7º ano. Agora, prometeu voltar.

Em breve, outra reunião será realizada, dessa vez com o retorno após a atividade sócio-educativa. Foi decidido por sugestão de um dos pais que eles cumprissem o trabalho voluntário em uma instituição que atende usuários de drogas.

Essa é a parte mais demorada do processo, todos tem horários diferentes e nada é feito por imposição. O interessante é que fica evidente a diferença de cada pai ou responsável neste momento em especial. Uma avó insistia que o neto não tinha horários. O rapaz já cumpre um medida sócio-educativa as terças-feiras e trabalha. Nesse ponto interferi de forma voluntária, lembrando que sobrava os domingos para o jovem.

Ao observar a família, tive a impressão de que para eles tudo já estava resolvido, o menino no último ano havia "tomado jeito". Enquanto, em outro extremo, um jovem só dizia que tinha o trabalho e não podia faltar, mas não fez objeções quanto ao final de semana. A mãe dele, sempre com a aparência de esgotamento, só queria que tudo aquilo passasse o mais rápido possível.

Por fim, ficou resolvido o local e o melhor horário para prestação de serviços comunitários. Uma das mães intermediará a situação. Na saída, enquanto aguardavam as autorizações para levar o pedido de até a instituição, as famílias conversavam. Um retrato bem diferente do início. Parece que, pelo menos, nesse sentido, ninguém mais é inimigo por ali.

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