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Comportamento

Campo Grande, 115 anos: uma linda cidade de árvores, ventos e brisas

Andrea Brunetto | 24/08/2014 08:11
Avenida Afonso Pena. (Foto: Marcos Ermínio)
Avenida Afonso Pena. (Foto: Marcos Ermínio)

Nessa terça-feira Campo Grande fará aniversário: 115 anos. E em 2014 completa 30 anos que vivo aqui. Gostaria de fazer-lhe uma homenagem. E o farei respondendo a uma amiga que sempre me pergunta: por que tanta alegria quando volta para sua cidade, depois de cada viagem?

Em primeiro lugar, é “minha” por adoção, pois nasci em Rio Brilhante e mudei-me para cá aos quase dezesseis anos, para cursar psicologia.

Viajei para muitos lugares e a saudade de casa sempre me invade nos últimos dias da viagem. Há até um dito popular de que viajar é bom, voltar é melhor. Todos sentem-se assim? Quase todos. Tenho uma amiga, companheira de muitas viagens, que se sente triste com a volta, faz até uma brincadeira com o nome de sua cidade, uma analogia com o nome de uma prisão. E surpreende-se que eu fique tão alegre por voltar a Campo Grande. Ela crê que eu sou bem livre e poderia viver onde quisesse. O que te prende a Campo Grande, Andréa?

Para responder a minha amiga, explico como é Campo Grande. É uma cidade morena, grande, expandida para todos os lados, e nos últimos anos, cada vez mais para o alto. Sem tanta necessidade, pois tem espaço para crescer horizontalmente. É capital de um Estado desmembrado de outro, então, relativamente jovem. Construída por aqueles que são “nativos”, indígenas, e também por famílias que estão aqui há gerações, que vieram de fora. E por uma migração mais recente.

Escuto muitas reclamações de pessoas que se mudaram recentemente para cá: que os campo-grandenses são fechados, reservados demais, não é fácil fazer amizades, demora constituir um círculo de amigos. Por que esse temperamento do campo-grandense, já que é uma cidade em que todos vieram de fora – menos os índios, que estavam aqui desde o começo? Os que não vieram de fora, seus antepassados vieram. Não entendo direito esse comportamento dos campo-grandenses, vendo os que aqui chegam como forasteiros.

É uma capital com ares de província, em que se sabe de tudo, todo mundo se conhece, e gostam de sair nas colunas sociais, e andarem chiques até mesmo para ir ao cinema e ao shopping. E dirigirem carros muito chiques. Com uma forte cultura bovina, e clubes do laço, e leilões de gado. E caminhonetes circulando por suas ruas largas, lindas e arborizadas.

Já tem problemas que todas as capitais do país têm: a criminalidade aumenta dia a dia, o trânsito piora, a saúde pública não está boa. Todo dia escuto no noticiário falta de atendimento nos Postos de Saúde. E o sistema de transportes precisa melhorar.

Entendeu porque adoro viver em Campo Grande minha amiga? Nada? Continuo a explicar então. Adoro viver em uma cidade com muitas árvores, e em um apartamento com janela para a lagoa, e ser acordada às seis horas da manhã por duas araras que pousam no muro em frente de minha janela. Dias atrás fui ao Parque dos Poderes e muitas capivaras estavam atravessando a rua, tantas que pareciam várias famílias juntas, e tive que esperar – mesmo elas estando fora da faixa de pedestres. Em que cidade do país você vai resolver um problema em uma Secretaria de Estado e à frente vê um desfile de capivaras? E que o ar é puro? E que a lua é mais gigante do que nos outros lugares? E que tudo é plano até onde seu olhar alcança? E suas ruas são largas, lindas? E esse povo reservado, fechado, quando conquistado, é amizade só.

E outro motivo: hoje saí de casa para ir ao trabalho e a geografia percorrida durou três músicas de Ivan Lins. A primeira começou ao sair de casa: “Quero falar de amor\ Nesses tempos de ensandecer\ Amor devastador| Impossível de se conter”. Termina a primeira música, toca a segunda e começa a terceira: “Quem me dera te dar\ Bons ventos e brisas\ Se tanto precisas\ Te dar calma, te encher de mistérios, te dar desafios\ Te dar sonhos, mexer no teu tédio.\ Te dar meus navios.” Termina a terceira música e já cheguei ao trabalho. Mesmo aqueles que não trabalham tão perto e tem de pegar ônibus, não é tanto tempo assim como os que vivem nas metrópoles e passam parte da vida dentro de ônibus.

Um homem desconhecido com o qual conversei em um navio, no ponto mais sul da terra, no encontro entre dois oceanos, contou-me que tinha decidido viver em Ushuaia depois de uma viagem de turismo. Apaixonou-se pela cidade, pela língua – só sabia algumas palavras de castelhano quando foi lá pela primeira vez – e resolveu fazer dela sua casa. Voltou para Riga, na Letônia, organizou as coisas, retornou e abriu uma fábrica de sardinhas e agora era feliz na cidade. Eu perguntei de dois ou três jeitos porque fez aquela mudança – essa é muito maior, gigantesca, do que a minha de Rio Brilhante para Campo Grande. Deixou um país báltico para ir viver nessa cidade posicionada no fim do mundo. Olhando-me com seus imensos olhos azuis, sorria e só conseguia me responder assim: porque sim, porque sim, porque sim.

E assim respondo a minha amiga o porquê adoro viver em Campo Grande, e mesmo com seus defeitos – que expus aqui – e suas tantas qualidades: por que sim. O amor é assim: se ama porque se ama, porque sim. Também posso explicar jogando com as palavras das músicas de Ivan Lins, que escutei hoje: amor incontido por essa cidade de ventos e brisas, que me dá sonhos e desafios, e calma e mistérios, de que tanto preciso.

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