ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SEXTA  10    CAMPO GRANDE 24º

Comportamento

Com um pé menor que o outro, ter sapato igual ao do cliente é sonho de engraxate

Thailla Torres | 22/09/2016 06:10
Apesar de não usar um sapato bonito, Antônio se orgulha do que faz. (Foto: Thailla Torres)
Apesar de não usar um sapato bonito, Antônio se orgulha do que faz. (Foto: Thailla Torres)

Já são 26 anos na Avenida Afonso Pena a espera de um cliente para engraxar os sapatos. Antônio Silva, de 54 anos, trabalha como engraxate nas ruas para ganhar uns trocados e, de chinelo, imagina os sapatos que não teve por conta de deficiência que o deixou com um pé menor do que o outro.

“Às vezes eu até coloco um sapato pra dar bom exemplo na cidade, mas o pé fica sobrando muito. O esquerdo é tamanho 40 e o direito 42”, diz o engraxate, mas sem perder o sorriso. A falta de sapato ele justifica no preço. “É muito caro para mandar fazer sapato do mesmo tamanho. Já cheguei na sapataria e quis comprar um pé de cada, mas ninguém fez para mim. Mas tudo bem. Uso o que eu tenho mesmo ”, afirma.

Nascido em Sergipe, teve paralisia infantil e por muito tempo trabalhou apenas em fazendas no interior. Cansado da vida de peão, resolveu conhecer Campo Grande há cerca de 35 anos, quando os patrões da fazenda em que trabalhava moravam na cidade.

“Vim rolando por aí até chegar. Meus patrões moravam aqui e eu era solteiro. Sempre dizia que viria aqui pelo menos ver a cara dessa cidade e hoje amo Campo Grande”, diz.

Usando plástico, foi o jeito que ele encontrou de não sujar a meia do cliente.
Usando plástico, foi o jeito que ele encontrou de não sujar a meia do cliente.

Depois que chegou, nunca mais arredou o pé da Capital. Pai de 3 filhos e com 5 netos, que não moram em Campo Grande, vive sozinho no bairro Dom Antônio Barbosa. Os dias na rua como engraxate são também o jeitinho que ele encontrou de fugir da solidão.

“Tem gente que fala que eu deveria largar, que engraxar sapato não dá nem para viver, mas eu não quero me aposentar de tudo. Ainda ando, falo e enxergo. Quero ser útil e eu venho aqui porque tenho com quem conversar, olhar as pessoas”, justifica.

Apesar de passar a maior parte do tempo esperando por clientes, o pouco das pessoas que atende já serve para mostrar o quanto ele melhorou na profissão que já era sonho de criança.

“Não sei porque, mas desde pequeno eu sonhava em ser engraxate. Um dia eu coloquei minha caixinha nas costas e sai por aí... Mas teve um tempo que eu quis melhorar, mandei fazer essa poltrona aqui, com estilo”, mostra orgulhoso a poltrona de ferro que foi pintada de branco.

Teve até técnica que ele diz que inventou para não perder os clientes. “No começo, eu tinha até vergonha de cobrar, sujava a meia do cliente. Aí um dia eu resolvi usar pedaço de garrafa que coloco em volta da meia e não suja mais”, conta.

Foi um jeito até de garantir também clientes conhecidos, na maioria políticos, que ele lembra com admiração. “Não teve ninguém famoso, mas como é Afonso Pena, já vi muito político. Vários já passaram aqui comigo e eu engraxei os sapatos. Teve Delcídio, Zeca e até o finado Ramez Tebet”, lembra.

Cobrando R$ 10,00 pela engraxada, ele diz que não vai parar e pensa em no futuro ser figura famosa da cidade. “Eu quero ter história pra contar. Sabe porquê? Isso daqui também é uma profissão. O pessoal mais antigo, passa aqui e olha encabulando achando que que a gente não existe mais. Só que eu conheço engraxate que cresceu na vida assim”, se orgulha.

Curta o Lado B no Facebook.

Antônio passa maior parte do tempo a espera de clientes na Avenida Afonso Pena. (Foto: Thailla Torres)
Antônio passa maior parte do tempo a espera de clientes na Avenida Afonso Pena. (Foto: Thailla Torres)
Nos siga no Google Notícias